Quando Galípolo sinalizará a transição para outra política monetária? Por Jefferson Miola

Gabriel Galípolo. Foto: Divulgação

Durante o atual governo, o hoje presidente do Banco Central/BC Gabriel Galípolo e todos os diretores indicados pelo presidente Lula só divergiram das orientações do bolsonarista Roberto Campos Neto numa única oportunidade.

Foi na reunião do COPOM de maio de 2024. A “bancada” do Galípolo divergiu da maioria bolsonarista de Campos Neto acerca da magnitude da queda da taxa de juros. Enquanto ele propunha uma queda de 0,50%, Campos Neto impôs, com sua maioria, uma queda menor, de 0,25%, e então a SELIC passou de 10,75% para 10,50%.

Tratava-se, na realidade, de uma discussão ridícula, porque os juros poderiam baixar bastante, dada a condição da economia nacional. Apesar disso, o rentismo causou um enorme rebuliço para acuar o governo.

O “mercado” aproveitou a ocasião para mandar suas mensagens e enquadrar a futura direção do BC, indicada por Lula, que viria a assumir em 1º de janeiro deste ano.

Neste jogo combinado, Campos Neto instrumentalizou a comoção dessa gente tão sensível da Faria Lima e da parasitagem financeira para desenhar o itinerário de aperto monetário que seria mantido mesmo depois do término do seu mandato na presidência do BC, como ficou evidente na última reunião que ele presidiu, em dezembro passado.

Desde aquele episódio “traumático” de maio, os indicados por Lula no BC voltaram a convergir totalmente com Campos Neto e abdicaram de expressar a mínima divergência ou uma simples nuance técnica.

Nem tugiram, nem mugiram, como se diz. Todos permaneceram em silêncio absoluto, calados, e não propuseram uma única vírgula e um único senão às alegações estapafúrdias dos colegas de diretoria defensores dos interesses das finanças e do rentismo.

Segundo autoridades do governo, teria sido uma escolha tática para evitar ruídos e o mal-estar do “mercado”. Afinal, não se pode dar um cavalo-de-pau num transatlântico, sustentam.

Agora, no COPOM de janeiro, já sob maioria da diretoria indicada por Lula, o órgão manteve o aumento obsceno de 1%, confirmou mais um aumento de 1% para a próxima reunião de março, e sinalizou a continuidade dos altos juros no médio e longo prazos.

Sintomaticamente, no primeiro dia de reunião do COPOM [28/1] a Folha noticiou a projeção do visionário “mercado” de taxas de juros na casa dos dois dígitos durante todo o mandato de Galípolo, que termina em dezembro de 2028. O jornal informa que tal projeção –uma profecia que poderá ser materializada– foi feita com base no Boletim Focus. Como se sabe, o Boletim Focus é feito pelos principais operadores do mercado com viés manipulado para condicionar as decisões do COPOM.

Prédio do Banco Central. Foto: Divulgação

É compreensível a prudência e a postura tática da nova diretoria do BC ante o risco de terrorismo financeiro do rentismo. No entanto, sem sinalizar o início do processo gradual de mudança da política monetária, Galípolo se colocará em posição de impedimento, e acabará refém da profecia sentenciada pelo mercado e sua mídia.

O comunicado do último COPOM tem uma semelhança impressionante de forma, conteúdo e argumentos dos comunicados da gestão Campos Neto. Até parece que o texto foi deixado escrito pelo bolsonarista para a nova equipe dirigente ter apenas o trabalho de assiná-lo.

A semelhança mais preocupante está nos argumentos descritos para a manutenção dos juros obscenos, que colocaram o Brasil na liderança mundial em ganhos reais, desbancando a Rússia, país em guerra.

Neste primeiro comunicado da gestão Galípolo, o BC repete a menção ao FED e aos “bancos centrais das principais economias”, que têm reduzido as taxas de juros, mas não retira disso a consequência devida, que seria a convergência para a queda de juros no Brasil.

O texto repete também o mantra neoliberal de que a economia aquecida, com crescimento sustentável, desemprego recorde e distribuição de renda deve ser envenenada por meio de juros estratosféricos.

Baseado em expectativas apuradas pelo manipulado Boletim Focus, que errou 95% das previsões econômicas entre 2021 e 2024, segundo levantamento do UOL, e também na “percepção dos agentes econômicos [leia-se: os rentistas e especuladores] sobre o regime fiscal”, o COPOM manteve “um ajuste de mesma magnitude na próxima reunião”; ou seja, aumento de 1% da SELIC em março.

“Essa decisão também implica suavização das flutuações do nível de atividade econômica e fomento do pleno emprego”, diz o comunicado, usando este sofisma que significa aperto monetário, diminuição da atividade econômica e da retomada do crescimento do país.

É certo que a meta inflacionária pode ser pretextada para justificar esta política nefasta do BC. O governo pode, contudo, acabar com este argumento por decisão do Conselho Monetário Nacional, onde não depende de correlação de forças ou de outros fatores exógenos, pois é integrado por Haddad, Simone Tebet e Galípolo.

O CMN precisa estabelecer uma meta de inflação realista, e não os 3% definidos em 2023 numa escolha equivocada e inalcançável, pois nos 26 anos de existência do sistema de metas a inflação anual no país foi em média o dobro desta meta fantasiosa de 3%.

Mas é fundamental, por outro lado, que Galípolo comece sinalizar imediatamente a transição da política monetária. Caso contrário, esta herança bolsonarista-ultraliberal perdurará até o final do governo Lula. Isso poderá ser fatal e comprometer o desempenho do campo democrático na eleição de 2026.

Como não pode dar um cavalo-de-pau no “transatlântico monetário”, Galípolo precisa emitir sinais urgentes das mudanças que serão gradualmente adotadas. Se não sinalizar isso desde logo, acabará asfixiado pelo poder financeiro, inviabilizando a inflexão essencial para o equilíbrio fiscal e orçamentário da União, para a contenção da dívida pública e para o desenvolvimento do país.

Originalmente publicado no Blog do Jeferson Miola

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