Inflação de alimentos no Brasil, um problema estrutural. Por José Giacomo Baccarin 

Inflação dos alimentos no Brasil. Imagem: reprodução

Por: José Giacomo Baccarin* 

O Presidente Lula tem toda a razão ao se mostrar preocupado com os preços dos alimentos no Brasil. Seu encarecimento em relação aos demais bens e serviços ao consumidor, como verificado em 2024, traz maiores dificuldades aos mais pobres. Eles gastam uma porcentagem maior de suas rendas para adquirir uma cesta alimentar mais restrita. O aumento do preço da carne bovina para os mais ricos, desde que não sejam pecuaristas ou donos de frigorífico, pode incomodar um pouco; para os mais pobres, pode tirar essa proteína de seu consumo corriqueiro.

Outra questão é que os alimentos pressionaram o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) para cima do limite da Meta de Inflação, servindo como uma das justificativas para os recentes aumentos da taxa básica de juros no Brasil. Em 2024, o IPCA atingiu 4,8%, contra um limite estabelecido de 4,5%. Entre os nove grupos do IPCA, o que mais aumentou foi o Índice de Preços de Alimentação e Bebidas (IPAB), 7,7%. Em uma conta simples, se Alimentação e Bebidas tivesse subido na média dos demais grupos, o IPCA seria de 4,1%, tão somente.

A oportunidade da preocupação presidencial, contudo, merece ser discutida. Não se trata de um fato momentâneo; a inflação de alimentos há 18 anos vem se manifestando no País. Houve um refrigério em 2023, quando o IPCA atingiu 4,6%, contra apenas 1,0% do IPAB, algo semelhante ao ocorrido em 2009, 2017 e 2021. Nos demais 14 anos, de 2007 a 2024, o IPAB mostrou-se acima do IPCA. Entre janeiro de 2007 e dezembro de 2024, o IPCA cresceu 138,1% e o IPAB, 232,9%, 94,8 pontos percentuais a mais.

Portanto, trata-se de um fenômeno estrutural e com causa principal de longo prazo, que não pode ser confundido com um momentâneo excesso de demanda ou deficiência na oferta interna de matérias-primas agropecuárias e alimentos derivados. Considerando os segmentos das cadeias agroalimentares, a origem básica da inflação de alimentos está na agricultura e na agroindústria e não na indústria alimentícia e no comércio varejista.

Dito isto, os principais fatos a serem levados em conta são os concomitantes aumentos da participação brasileira no mercado mundial agrícola e dos preços internacionais dos alimentos, desde o início do século XXI. Essa trajetória crescente é marcada por flutuações, com quedas momentâneas, mas sem que os preços voltem aos patamares da década de 1990. A movimentação da taxa de câmbio brasileira tem, na maioria das vezes, compensado os reflexos das flutuações internacionais nos preços internos, mas em alguns momentos os acentua.

No todo, a agricultura brasileira tem registrado oferta acima do consumo interno, fato facilmente comprovado pelos seus crescentes saldos comerciais positivos, o que aumenta a influência dos preços internacionais sobre os internos. Para os empresários das cadeias exportadoras, não faz sentido cobrar internamente um preço que não corresponda ao internacional. Ou seja, uma superprodução no Brasil pode vir acompanhada de aumento do preço interno, e uma frustração produtiva pode levar à queda dos preços. Nas importações, a transmissão dos preços internacionais para os internos é mais direta.

Entre as cadeias agroalimentares com muita exportação (exportáveis) podem ser citadas as do açúcar, café, carnes, laranja, milho e soja. Nas importáveis, os destaques são os lácteos e o trigo. Há um conjunto de produtos sem mercado internacional expressivo, os não comercializáveis, com destaque para o arroz, feijão, mandioca, ovos de galinha e olerícolas.

Mesmo estes acabam tendo seus preços internos afetados pelos exportáveis. Pelo lado da oferta, a explicação é a seguinte: o aumento ou diminuição dos preços internacionais provoca tendência de elevação ou queda no plantio dos exportáveis, sobrando menos ou mais capital e terra para o cultivo dos não comercializáveis. Ademais, como a quantidade ofertada e a demandada interna dos não comercializáveis são muito próximas, seus preços tendem a ser mais instáveis.

Com este pano de fundo, convém verificar se fatores de outra ordem, mais conjunturais, tiveram participação no expressivo aumento dos preços dos alimentos no Brasil em 2024. De pronto, afirma-se que o crescimento da renda da população nos últimos dois anos não resultou, pelo lado da demanda, em pressões consideráveis nos preços dos alimentos, o que se expressaria com mais força nos não comercializáveis.

*José Giacomo Baccarin é agrônomo formado pela Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV) da UNESP, campus de Jaboticabal (SP), Mestre em Economia Agrária pela ESALQ/USP, Doutor em Engenharia de Produção pela UFSCAr. É Professor Livre Docente da UNESP.

Publicado originalmente no siste do Instituto Fome-Zero.

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