Equador vai às urnas para escolher entre continuidade neoliberal e retorno da esquerda com primeira mulher no cargo

Equador vive sob crise de segurança por violência de gangues de narcotraficantes – GALO PAGUAY/AFP

Por Leandro Melito e Duda Blumer em Brasil de Fato

Neste domingo (9), os eleitores do Equador decidirão entre a continuidade do atual governo neoliberal de Daniel Noboa, com o governo marcado pela militarização do país e medidas repressivas, e o retorno da esquerda com a advogada Luisa Gonzalez. A candidata de esquerda ligada ao ex-presidente Rafael Correa busca se tornar a primeira mulher eleita presidente do país e neste pleito se enfrentarão pelo cargo principal pela segunda vez em menos de 16 meses.

No cargo desde novembro de 2023, Noboa é apontado como o favorito na disputa deste domingo. Gonzalez está em segundo lugar em um total de 16 candidatos, mas as pesquisas não dão a nenhum dos dois primeiros votos suficientes para vencer o primeiro turno, tornando provável um segundo turno em 13 de abril.

Nas eleições de 2023 Gonzalez, de 47 anos, terminou o primeiro turno com mais votos – perdendo para Noboa no segundo turno. Ela integrou o governo ex-presidente socialista Rafael Correa e prometeu seguir suas políticas, mas insistiu que o ex-presidente não passará de um conselheiro em seu governo.

A campanha de Gonzalez se concentrou em seus redutos costeiros e na coleta de votos nos bairros mais pobres, onde Correa tem grande popularidade. Ela atribuiu culpa pelo derramamento de sangue às políticas de segurança agressivas de Noboa, que levaram os militares a assumir o controle das prisões, fecharam as fronteiras e declararam estado de emergência.

“É urgente que mudemos o país, não com declarações de guerra, que não levarão a lugar algum, mas construindo a paz”, disse Gonzalez à Radio Morena na quinta-feira (6).

A candidata à presidência do Equador, Luisa González – Foto: Reprodução

Noboa, 37 anos, apostou na política linha dura para enfrentar as gangues criminosas. Durante a campanha, ele andou ombro a ombro com soldados fortemente armados, e vestiu um colete à prova de balas enquanto liderava operações de segurança espetaculares e prontas para a TV.

Crise de segurança

A crise de segurança no país é o principal tema do debate eleitoral. Durante seu governo, Daniel Noboa implantou políticas severas em nome do combate à organizações ligadas a cartéis internacionais e gangues, violando regras de direitos humanos ao promover encarceramentos em massa. Na véspera do pleito, Noboa dobrou a aposta repressiva e anunciou o fechamento dos portos e aeroportos do país, sob a justificativa de prevenir “as tentativas de desestabilização por parte de grupos armados”.

A medida entrará em vigor no sábado (8) até a próxima segunda-feira (10). Portanto, o primeiro turno das eleições presidenciais ocorrerão durante a imposição presidencial. “As fronteiras estarão fechadas”, ressaltou em comunicado.

As medidas repressivas empregadas por Noboa são denunciadas por violar direitos humanos. Na terça-feira (4), o Comitê Permanente de Defesa dos Direitos Humanos (CDH) disse que 27 pessoas estão desaparecidas e mais um assassinato teria sido cometido por militares no Equador.

O CDH denuncia abusos e “padrões” como “arbitrariedade no momento da prisão” e “ações sem nenhum tipo de controle”, que resultam em violações dos direitos humanos com a “participação direta de agentes do Estado”.

“Até hoje encontramos 27 vítimas de desaparecimento forçado”, acrescentou Fernando Bastias, advogado do CDH, em uma coletiva de imprensa na cidade Guayaquil (sudoeste).

A organização também denunciou o assassinato de um adolescente de 14 anos por militares ocorrido no dia 30 de janeiro em Guayaquil. A criança estava jogando futebol com seu irmão e outros vizinhos quando uma operação teve início e houve disparos. Outros dois ficaram feridos.

Os dados também mostram o aumento da violência política no Equador, com mais de 30 políticos assassinados desde 2023, incluindo o candidato presidencial Fernando Villavicencio (de centro), baleado ao sair de um comício em Quito na véspera do primeiro turno da votação em 9 de agosto de 2023.

Noboa gerou uma crise diplomática sem precedentes no período democrático no país por violar o espaço diplomático mexicano para prender Jorge Glas, ex-vice-presidente durante o governo Correa. O ex-presidente Rafael Correa vive no exílio após ser condenado à revelia por um tribunal equatoriano a oito anos de prisão por corrupção relacionada a contratos públicos.

Proposta progressista

Com base na agenda do Movimento Revolução Cidadã, a proposta de Gonzales para a crise no país é investir em inteligência e financiamento para recuperar a segurança. A estratégia progressista é baseada em cinco pilares: força do Estado, inteligência, tecnologia, investimento social e colaboração internacional.

“Defendemos uma sociedade baseada em direitos humanos, solidariedade e justiça social. Rejeitamos qualquer forma de repressão injustificada ou violação dos direitos individuais e coletivos. Rejeitamos a corrupção e a influência do crime organizado nas autoridades públicas. Defendemos sistemas jurídicos justos e imparciais, em que todos os cidadãos sejam tratados igualmente perante a lei”, declara em seu plano de governo, onde se compromete a “trabalhar em conjunto com organizações políticas e sociais, instituições de segurança e sociedade civil para promover e proteger a paz, a segurança e a ordem”.

Na área de segurança pública, o governo de Rafael Correa foi marcado pelo fortalecimento de instituições públicas como o Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos e o investimento no sistema prisional do país.

“Ele construiu pelo menos três grandes prisões de proporções inéditas na história da área prisional do Equador, que permitiu uma redução significativa dos problemas de superlotação e violência”, disse o diretor do Comitê Permanente de Defesa dos Direitos Humanos do Equador, Billy Navarrete, em entrevista ao Brasil de Fato.

Outra marca do governo progressita do Movimento Revolução Cidadã foi o fortalecimento da polícia comunitária, trabalhando de forma conjunta com as forças armadas.”Em termos gerais, durante o governo Correa houve um fortalecimento de todo o aparato estatal. Posteriormente, com Moreno e Lasso, a direção mudou totalmente.”

Abandono da política social e repressão

No cargo desde novembro de 2023, Noboa foi eleito para completar o mandato de quatro anos do antecessor Guillermo Lasso (2021-2023), que havia convocado uma votação rápida para evitar o impeachment por suposto desvio de dinheiro.

Durante as administraçoes de Lenin Moreno (2017-2021) e Guilherme Lasso, a crise de violência atingiu um novo patamar no Equador, com a superlotação nos presídios e o aumento de mortes no sistema carcerário.

“O Estado começou a abandonar os serviços que estavam sendo prestados. Especificamente os serviços de saúde e educação, combinados com o serviço de segurança da polícia. A polícia mudou o seu papel de articuladora de diferentes ações de prevenção à violência e passou a ser uma entidade que procura líderes comunitários e os instrumentalizou para servirem como delatores de organizações criminosas”, afirma Navarrete.

O especialista em direitos humanos aponta que houve um aumento de mortes violentas no sistema carcerário inédito na história do país. Entre janeiro de 2019 e dezembro de 2023 foram registradas 608 mortes. Cerca de 50% dessas mortes violentas foram em Guayaquil, na penitenciária do litoral, “a prisão mais violenta, mais antiga e mais influente do sistema carcerário.”

Em janeiro de 2024, Noboa decretou estado de exceção no país, determinou que o Equador vive um conflito interno e nomeou 22 organizações criminosas que passaram a ser consideradas inimigas do Estado.

A qualificação de conflito armado interno foi bastante questionada internamente, inclusive pelo Tribunal Constitucional do Equador, que em várias ocasiões disse ao governo que ela não se encaixa nos conceitos legais de grupos antagônicos e domínio territorial desses grupo.

“Essa forma de pensar foi gerada pelo próprio governo, permitindo que as forças armadas atuem de forma absolutamente livre, sem qualquer tipo de controle, a partir de 9 de janeiro de 2024”, aponta Navarrete.

Após a ocupação das prisões pelas forças armadas do país, ele aponta que a entrada de médicos do sistema público de saúde para tratar a população carcerária foi impedida, assim a Defensoria Pública responsável pelo sistema de prevenção à tortura no sistema carcerário, além de organizações civis e de direitos humanos.

“A autonomia que as forças armadas têm para intervir nas operações de combate ao crime geram graves violações de direitos humanos. Sao execuções extrajudiciais, onde há evidências de que não havia circunstâncias para o uso de armas de fogo e que as pessoas foram baleadas sem ter comportamentos de resistência. Inicialmente as forças armadas qualificaram essas pessoas mortas como terroristas.”

Desaparecidos nas prisões

Um dos efeitos mais graves da política de repressão do Governo Noboa é o desaparecimeto de dententos. Nos últimos cinco meses foram registrados 20 casos de pessoas desaparecidas nas prisões equatorianas.

O presidente do Equador, Daniel Noboa – Foto: Reprodução

“Todos esses casos estão sendo judicializados pela promotoria e em processo de investigação. A maioria desses casos está sendo investigada como sequestro, apesar do fato de haver provas documentais de que foram agentes do Estado que detiveram e desapareceram essas pessoas”, aponta o diretor do Comitê Permanente de Defesa dos Direitos Humanos do Equador.

Além dos desaparecimentos, a tortura nos presídios tem sido utilizada pelo governo Noboa de diversas formas: restrição de alimentos, de acesso a atendimento médico e violência sexual empregada por integrantes das forças armadas contra as pessoas presas.

“Todos esses comportamentos de graves violações de direitos humanos cometidas por elementos das forças armadas são justificados como tratamento disciplinar de pessoas privadas de liberdade”, aponta Navarrete.

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