Pondé e os palhaços da direita. Por Luis Felipe Miguel

Pondé: muito mais que um rostinho bonito
Publicado no Facebook de Luis Felipe Miguel
No espaço que a Folha insiste em lhe oferecer, mesmo sabendo que se trata de um pigmeu intelectual e moral, Luiz Felipe Pondé atribui a Lênin a seguinte máxima: “Dizer a verdade é um hábito da pequena burguesia”.

Tem coerência – um artigo em defesa da liberdade de mentir começa com uma mentira.

É de se perguntar por que a direita brasileira, que tem tantos quadros bem formados e competentes, opta por se fazer presente no debate público por meio de um punhado de palhaços. A resposta, claro, é que intelectuais sérios se prestam à discussão e ao debate. Mas a direita quer líderes de torcida, que esbravejam as palavras de ordem e as ofensas que seus seguidores apenas repetem.

Olavo de Carvalho criou o modelo, que muitos reproduzem. Rodrigo Constantino, Nikolas Ferreira, Hélio Beltrão Jr., Kim Kataguiri, Alexandre Garcia, Ana Paula Henkel, Paulo Figueiredo, Monark, Zoe Martinez, Augusto Nunes… A lista de “intelectuais orgânicos” da nossa extrema-direita é um desfile de oligofrênicos.

(Triste é pensar que têm tanta audiência.)

Pondé, a quem devemos reconhecer o mérito de que se prestava a esse papel antes de ser modinha, tenta dar a essa farsa a roupagem de “intelectual iconoclasta”. Mas é apenas uma fraude.

Na coluna de jornal que lhe retirou da obscuridade de insosso professor de uma universidade privada, ele se dedica a vituperar contra a esquerda, que engana o povo ao desenhar uma sociedade que ultrapasse a desigualdade, a violência e a miséria que seriam a essência da condição humana, e contra o feminismo, que estaria desviando as mulheres de sua verdadeira vocação, servir de objetos de prazer para os homens. A mistura de catolicismo ultramontano e fetichismo sexual é um dos segredos do colunista, o que lhe concede “charme” diante de seus leitores.

Há um momento, na carreira de Pondé, que desvela por completo seu modus operandi. Em junho de 2013, na coluna “Bonecas de quatro”, ele denunciou o moralismo do movimento feminista, que anunciava defender a liberação das mulheres, mas preferia regular sua sexualidade.

Só que a líder feminista com quem ele polemizou não existia — era um fake criado por humoristas. Não devia ter sido tão difícil perceber isso: o vídeo estava disponível numa página chamada “Bobagento”. Criticado pela então ombudsman do jornal, Pondé não teve a dignidade de se retratar.

Preferiu responder como menino embirrado, dizendo que era aquele fake que revelava o que as feministas realmente pensavam. Em suma, Pondé estava certo mesmo quando errava. E, sobretudo, era fundamental não deixar a realidade atrapalhar os espantalhos que ele inventava para combater seus inimigos.

Às vezes ele apela para a falsificação pura e simples, às vezes para a simplificação, descontextualização, generalização ou mesmo a adjetivação gratuita. Debate real de ideias, não: certamente vai contra seu código ético.

Um exemplo entre tantos outros, que uso porque já comentei sobre ele tempos atrás: a partir do livro de um tal Bruce Bawer, um ativista gay conservador, Pondé desenvolveu a denúncia de que as ciências humanas fazem um culto às vítimas sociais, só se preocupando com “raça, gênero e classe”. Seria de perguntar por que é um problema que as ciências humanas se ocupem dos principais fatores de estratificação social, injustiça e opressão existentes na sociedade.

O entendimento de que esses padrões geram sistematicamente assimetrias, exploração, penúria e cerceamento à liberdade de milhões de pessoas não é, no entanto, um “culto às vítimas”. É necessário para uma compreensão mais clara do mundo social e, nos melhores casos, também das estratégias para transformá-lo.

Mas é óbvio que essa discussão não está ao alcance de Pondé. Ele se refugia no apego à universalidade, aquela que funde Elon Musk e o catador de lixo, afirmando que o que importa mesmo é “aprender quem somos e como lidar com essa nossa humanidade atormentada”. Mas atormentada não pela miséria, pela exploração ou pelo preconceito, e sim por alguma essência misteriosa e diáfana.

A partir daí, Pondé se desloca para o terreno em que se sente mais à vontade, o da caricatura fraudulenta. Quem, a não ser os fantasmas da direita delirante e um grupúsculo irrelevante de identitários (que age sob medida para justificar essa. direita), diz que Shakespeare não é um gênio e sim um “opressor branco e heterossexual”? (Nem se sabe, aliás, se ele era mesmo heterossexual.)

É possível discutir por que o cânone literário inclui tão poucas mulheres e tão poucos negros; é possível mesmo discutir por que aquilo que a alta cultura identifica como sendo a experiência “universal” é a experiência de um grupo específico. Mas reduzir a discussão à ideia de que existe um “politicamente correto” que vê em Shakespeare apenas um ícone da opressão é burrice, má fé ou (a melhor aposta) uma combinação de ambos.

A ombudsman da Folha que reclamou da diatribe contra a personagem feminista da página de humor não devia ter ficado chocada: Pondé só polemiza com fakes — se não são as pessoas, são os argumentos, que ele distorce a seu bel-prazer. Faltam-lhe estofo, estatura e honradez para um verdadeiro debate de ideias.

A coluna de ontem é um primor. Talvez para comemorar o carnaval, que está chegando, o colunista decidiu fazer um verdadeiro samba do reaça doido.

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