Fim da austeridade? Títulos da Alemanha têm pior dia desde a queda do Muro de Berlim

Os títulos da Alemanha registraram seu pior desempenho desde os meses seguintes à queda do Muro de Berlim, em meio a um plano histórico de gastos que deve liberar centenas de bilhões de euros para investimentos em defesa e infraestrutura, causando forte impacto nos mercados europeus.

O rendimento dos títulos alemães de 10 anos teve o maior salto desde março de 1990, subindo 30 pontos-base, após Friedrich Merz, futuro chanceler, apresentar uma ampla reformulação fiscal na noite de terça-feira. A última vez que os rendimentos dos títulos de referência subiram tanto, a Alemanha Ocidental e a Alemanha Oriental estavam prestes a se reunificar, com o fim da Guerra Fria.

Há tempos, investidores pedem que a Alemanha flexibilize suas restrições fiscais, argumentando que essas regras limitam o crescimento do país. Mas, mesmo antes da vitória eleitoral de Merz, gestores de recursos já percebiam uma mudança na tradicional resistência alemã a gastar.

Esses sinais agora se mostram corretos, com a reviravolta nos rígidos controles sobre o endividamento público sendo impulsionada pelo desejo do presidente dos EUA, Donald Trump, de uma resolução rápida para a guerra na Ucrânia. Isso levou líderes europeus a agir rapidamente para mobilizar novos recursos para a defesa, como resposta à ameaça de agressão russa.

As expectativas de que o plano impulsione a economia europeia colocaram o euro no caminho para seu melhor desempenho em três dias desde 2015 e também impulsionaram as bolsas do continente.

Expansão fiscal sem precedentes

“A velocidade com que isso está acontecendo e a magnitude da expansão fiscal proposta lembram a reunificação alemã — embora a mudança geopolítica que impulsiona os eventos de hoje seja muito menos benigna do que há 35 anos”, escreveram economistas do Deutsche Bank AG liderados por Robin Winkler.

O bloco liderado pela União Democrata-Cristã (CDU) de Merz e os rivais do Partido Social-Democrata (SPD) anunciaram planos para aumentar os investimentos, sem esperar pelo longo processo de formação de uma coalizão de governo. Além de um fundo especial de €500 bilhões (US$ 538 bilhões) para infraestrutura, a proposta inclui que os gastos com defesa acima de 1% do PIB fiquem isentos das restrições constitucionais ao endividamento, conhecidas como “freio da dívida”.

O rendimento dos títulos alemães de 10 anos chegou a 2,80%, maior nível desde novembro de 2023. As taxas também subiram em toda a Europa: em França, Itália e Espanha, os avanços ultrapassaram os 25 pontos-base. O euro valorizou mais de 1%, ultrapassando US$ 1,07 pela primeira vez em quatro meses.

“Mesmo que parte desse plano seja ajustada na implementação, está claro que essa mudança de política é geracional”, disse James Bilson, estrategista de renda fixa da Schroders. “Essa nova ênfase não só é importante para a Alemanha, mas também abre caminho para um impulso maior de outros países da zona do euro.”

Pressão por mudanças nas regras fiscais da UE

Os movimentos foram reforçados por uma reportagem da Bloomberg nesta quarta-feira, que revelou que a Alemanha está pressionando a União Europeia a reformar suas regras fiscais, permitindo que os países ampliem os gastos com defesa sem infringir os limites orçamentários do bloco. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, já havia proposto a ampliação de €150 bilhões em empréstimos para reforçar os investimentos na área militar e flexibilizar as regras fiscais que restringem os gastos nacionais.

“Esses planos impressionantes deixam claro que as autoridades estão pensando grande e que a capacidade de financiamento pode ser levada ao limite nos próximos anos”, disse Christoph Rieger, chefe de pesquisa de crédito e taxas do Commerzbank AG.

O rendimento dos títulos alemães de 10 anos acumula alta de mais de 40 pontos-base em 2025, superando os de outros países da região. Um indicador de sua atratividade em relação a swaps atingiu sucessivas mínimas recordes em dados que remontam a 2007.

Mesmo com a volatilidade, os rendimentos alemães continuam sendo os mais baixos entre os países da zona do euro, reflexo de anos de disciplina fiscal que mantiveram a dívida do país relativamente baixa. Na quarta-feira, a Alemanha conseguiu vender €6 bilhões em novos títulos de 30 anos via bancos.

Impulso econômico e impacto no BCE

Uma das consequências do novo impulso fiscal alemão pode ser um fortalecimento da economia do bloco. A resistência da Alemanha em gastar há tempos é apontada como um fator para o crescimento lento da zona do euro, especialmente em comparação aos Estados Unidos.

“A Alemanha se livrou da sua camisa de força fiscal e está prestes a adotar um endividamento em escala inédita… Mas isso não é um repúdio à sua dívida nos moldes do fiasco de Liz Truss no Reino Unido, nem das recentes dificuldades orçamentárias da França. Isso fica evidente nos swaps de ativos alemães”, disse Simon White, estrategista macro da Bloomberg.

Autoridades do Banco Central Europeu (BCE) devem comentar na quinta-feira os impactos dessa mudança nas perspectivas de crescimento e inflação. Investidores já começaram a reduzir as apostas em cortes adicionais nos juros. Os contratos de swaps agora precificam 67 pontos-base de alívio até o fim do ano, ante 84 pontos-base antes dos anúncios da Alemanha na terça-feira.

O otimismo com a economia e a expectativa de um aperto monetário menor têm sustentado a demanda pelo euro. Fundos hedge estão apostando que a moeda pode se valorizar mais de 10% nos próximos meses, chegando a US$ 1,20, nível visto pela última vez em 2021.

O sentimento positivo no mercado de opções, refletido pelos chamados “risk reversals”, atingiu o maior nível pró-euro em cinco anos. Dados da Depository Trust & Clearing Corp. mostram que dois em cada três contratos de opções negociados nesta semana apostam em uma moeda mais forte.

O rali do euro levou instituições como Goldman Sachs, MUFG e TD a abandonarem previsões de que a moeda comum chegaria à paridade com o dólar este ano. Bancos como Deutsche Bank e Société Générale agora recomendam a compra do euro.

“Parece uma virada de jogo”, disse Jack McIntyre, gestor de portfólio da Brandywine Global Investment Management, que aumentou sua posição comprada no euro após o anúncio de Merz.

© 2025 Bloomberg L.P.

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