Varoufakis: a Europa em rota de desastre

Soldados britânicos participam de exercícios militares ‘Iron Sword 2014’ próximos a Vilnius, Lituânia – Foto: Mindaugas Kulbis/AP

Por Yanis Varoufakis, no Project Syndicate

Incorporar a Ucrânia à OTAN, após forçar a Rússia a recuar para suas fronteiras anteriores a 2014. Este tem sido o único objetivo estratégico que os líderes da União Europeia (UE) conseguem enxergar desde a invasão russa, há três anos. Infelizmente, bem antes da nova eleição de Donald Trump, esse objetivo entrou no reino da inviabilidade. Os sinais já estavam evidentes há algum tempo.

Primeiro, a economia de guerra imposta ao presidente russo Vladimir Putin mostrou-se uma dádiva para seu regime. Segundo, até mesmo o predecessor de Trump, Joe Biden, foi extremamente relutante em pressionar pela adesão da Ucrânia à OTAN, preferindo conduzir o país por um caminho incerto com promessas vagas. E, terceiro, havia nos Estados Unidos uma forte oposição, bipartidária, à ideia de tropas da OTAN lutarem ao lado dos ucranianos.

Em uma demonstração de hipocrisia impressionante, os muitos discursos de “Putin é o novo Hitler” nunca resultaram em um compromisso de lutar ao lado dos ucranianos até que o exército de Putin fosse derrotado. Em vez disso, um Ocidente covarde continuou enviando armas aos ucranianos exaustos, para que eles pudessem derrotar o “novo Hitler” em nome do mundo eurocêntrico – mas sozinhos.

Como era inevitável, o único objetivo estratégico dos líderes europeus virou pó. Esta realidade teria se tornado inegável, independentemente de quem tivesse vencido a presidência dos EUA em novembro passado. Trump apenas acelerou isso com uma brutalidade que reflete seu desprezo de longa data não apenas pelo presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, mas também pela própria UE. E assim, sem um Plano B, uma Europa enfraquecida por uma recessão econômica de duas décadas agora luta para responder à política ucraniana de Trump.

Após o Acordo de Munique em 1938, Winston Churchill proclamou que Neville Chamberlain, o então primeiro-ministro do Reino Unido, teve a chance de fazer a escolha entre a guerra e a desonra. “Você escolheu a desonra, e terá guerra”. Em sua angústia por não cometer o mesmo erro, os líderes da UE estão prestes a repeti-lo, ao contrário: sua abordagem de guerra até a vitória dará lugar à paz humilhante que Trump imporá com prazer a eles e ao governo de Zelensky, quando finalmente vierem a implorá-la.

Embora não haja dúvidas de que ou a Europa se ergue, ou se desintegra, a questão é: levantar-se como? O que realmente está errado com a Europa? O que mais lhe falta?

É difícil acreditar que os europeus não consigam reconhecer a resposta que os encara diretamente: à Europa está faltando um Tesouro, além do equivalente ao Departamento de Estado dos EUA e um Parlamento com o poder de decidir sobre como funciona seu governo (o Conselho Europeu). Pior ainda, ainda não há discussão sobre como preencher essas lacunas na arquitetura institucional da Europa.

A União Europeia sempre temeu o início de qualquer processo de paz na Ucrânia exatamente porque isso exporia a nudez do bloco. Quem representaria a Europa na mesa de negociações, mesmo que Trump a convidasse a participar? Mesmo que a Comissão Europeia e o Conselho Europeu pudessem usar uma varinha mágica para criar um grande exército da UE bem armado, quem teria a autoridade democrática para enviá-lo à batalha para matar e morrer?

Além disso, quem pode arrecadar impostos suficientes para garantir a prontidão permanente de combate do exército da UE? O sistema atual de tomada de decisões da UE significa que ninguém tem a legitimidade democrática para decidir nada.

Quando Ursula von der Leyen, a presidente da Comissão Europeia, anunciou recentemente sua nova iniciativa ReArm Europe, tristes memórias do Plano Juncker, do Green Deal e Plano de Recuperação voltaram à tona. As manchetes voltaram a mencionar grandes números, apenas para que fossem exposto, sob um exame mais detalhado, seu caráter de fumaça e espelhos. Alguém realmente espera que a França aumente seu já insustentável déficit das finanças públicas para financiar armamentos?

Na ausência das instituições para implementar o keynesianismo militar, a única maneira pela qual a Europa pode se rearmar hoje é desviar fundos de seu Estado social e sua infraestrutura física em ruínas. Isso enfraqueceria ainda mais um bloco que já colhe os frutos amargos do descontentamento popular e que está alimentando o crescimento de forças de extrema-direita em todo o continente. E para quê? Alguém acredita que Putin será dissuadido por uma Europa que pode ter alguns mísseis e canhões a mais, mas está se afastando cada vez mais da perspectiva da governança federal necessária para decidir questões de guerra e paz?

O ReArm Europa não fará nada para vencer a guerra pela Ucrânia. No entanto, quase certamente levará a UE a uma recessão econômica ainda mais profunda – a causa essencial da fraqueza do continente. Para manter os europeus seguros diante dos desafios duplos representados por Trump e Putin, a UE deve embarcar num processo multifacetado de Paz Agora.

Donald Trump, presidente dos EUA – Foto: Sarah Meyssonnier/POOL/AFP

Primeiro, a UE deve rejeitar categoricamente o esforço predatório de Trump para se apoderar dos recursos naturais da Ucrânia. Em seguida, após sugerir a possibilidade de relaxar as sanções e devolver US$ 300 bilhões em ativos congelados (que não podem ser usados simultaneamente como moeda de troca e para a reconstrução da Ucrânia), a UE deve iniciar negociações com o Kremlin. Elas teriam como objetivo oferecer a perspectiva de um arranjo estratégico abrangente, no qual a Ucrânia se torne o que a Áustria foi durante a Guerra Fria: soberana, armada e tão integrada à Europa Ocidental quanto seus cidadãos o desejem – porém neutra.

Terceiro, em vez de um impasse permanente entre dois grandes exércitos ao longo da fronteira a ser negociada na Ucrânia, a UE deve propor uma zona desmilitarizada de pelo menos 500 quilômetros de profundidade em cada lado, o direito de retorno de todas as pessoas deslocadas, um acordo para a governança das áreas disputadas e um Green New Deal para as áreas devastadas pela guerra – financiado conjuntamente pela UE e pela Rússia. Todas as questões pendentes devem ser tratadas em negociações realizadas sob a égide das Nações Unidas.

Por fim, a UE deve usar a perspectiva de relaxar as tarifas sobre os produtos chineses (especialmente tecnologia verde) e as sanções às exportações de tecnologia. O objetivo é abrir negociações com a China para um novo arranjo de segurança, que reduza as tensões e envolva os chineses no objetivo de salvaguardar a soberania da Ucrânia.

Se realmente queremos fortalecer a Europa, o primeiro passo não é se rearmar. É forjar a união democrática sem a qual a estagnação continuará a corroer as capacidades do continente, tornando-o incapaz de reconstruir o que restar da Ucrânia quando a guerra terminar.

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