Reintrodução dos bugios-ruivos no Mona da Lagoa do Peri completa um ano

Em março de 2024, uma espera de mais de 250 anos chegava ao fim: o Monumento Natural Municipal da Lagoa do Peri, no Sul da Ilha, recebia uma família de bugios-ruivos (_Alouatta guariba_) para habitar suas matas, depois de mais de dois séculos de extinção local da espécie. A reintrodução, realizada pelo Instituto Fauna Brasil, através do Programa Silvestres SC, com apoio da equipe técnica da Fundação Municipal do Meio Ambiente – Floram, completa um ano nesta semana.

A primeira família a ser solta, era composta por três indivíduos: uma fêmea adulta, nascida em Santa Catarina e líder do pequeno grupo, conhecida como Mãe Preta; uma fêmea adulta, Corona, e um macho adulto, Butantã, ambos nascidos durante a reabilitação, no período da pandemia da Covid-19. Em junho, foi a vez de um segundo grupo, um pouco maior e diversificado, com quatro indivíduos: Duas fêmeas adultas e dois machos, um adulto e um filhote, nascido durante a reabilitação. O caçula, Moçamba, teve seu nome escolhido por votação popular nas redes da Prefeitura de Florianópolis.

O processo de devolução de um habitante como esse para a cidade passou por um trabalho cuidadoso, com estudo dos locais de soltura e adaptação nos viveiros. “Poder acompanhar os dois grupos soltos no Sul, depois de tanto esforço, é extremamente recompensador. Isso demonstra que é sim possível reabilitar, soltar e monitorar bugios-ruivos vítimas de ações humanas e também aqueles nascidos em cativeiro durante o processo de reabilitação”, salienta a presidente do Instituto e pós-doutora em Ecologia, Dra. Vanessa Kanaan.

Ao longo dos últimos 12 meses, o registro dos animais soltos se deu com a combinação de cinco metodologias: o uso de armadilhas fotográficas instaladas em locais estratégicos da floresta, drone termal, gravadores de voz, busca direta e ciência cidadã. Todas as modalidades buscaram acompanhar os passos dos animais que, até então, não conheciam a vida em liberdade no ecossistema.

“O primeiro grupo solto explora mais as áreas do MONA Peri, enquanto o segundo é mais fiel ao território estabelecido logo no primeiro dia. Essa Unidade de Conservação tem características ideais devido a disponibilidade de água e plantas nativas que compõem a dieta dos bugios, além de ampla área para que os grupos estabeleçam seus territórios, incluindo as tão importantes zonas intangíveis que constam no Plano de Manejo organizado pela Prefeitura e que são utilizadas pelos bugios”, explica Vanessa.

Outro fator importante no acompanhamento do sucesso na reintrodução é a aceitação e apoio da comunidade ao projeto. Além de proteger os indivíduos e suas áreas de habitat, os moradores da região atuam ativamente enviando relatos e registros quando escutam ou veem os animais, contribuindo para o monitoramento através de uma prática conhecida como ciência cidadã. Essa participação tem sido estimulada através de ações de educação ambiental e comunicação com grupos e em pontos estratégicos. Todo morador que quiser contribuir com relatos, pode contatar o Instituto pelo instagram @institutofaunabrasil ou pelo whatsapp (48) 9996-0435.

Mesmo com os resultados positivos, o trabalho das pesquisadoras enfrentou alguns desafios. “Muitas vezes as condições climáticas dificultaram ou impossibilitaram nossas ações em campo, seja pelas questões de acesso ou de risco aos equipamentos. Enfrentamos ainda o furto de equipamentos de monitoramento, tão essenciais nesse momento de adaptação dos bugios”, complementa Vanessa.

*Depois dos bugios, é a vez dos pequenos felinos?*

Essa é uma pergunta que a equipe do projeto quer responder. Depois do sucesso da reintrodução dos bugios-ruivos, as pesquisadoras identificaram a possibilidade de trazer de volta à Florianópolis os pequenos felinos. A Ilha de Santa Catarina é a maior ilha continental coberta por Mata Atlântica, mas ao longo dos anos, sofreu uma redução significativa em sua biodiversidade, incluindo a perda de grandes e pequenos felinos, como levantado pelo Projeto Fauna Floripa.

A ausência desses predadores afetou o equilíbrio natural, impactando o controle de espécies nativas e invasoras, como os saguis. “Apesar do município ter mais da metade do seu território representado por áreas de preservação, o isolamento geográfico e fatores trazidos pela ocupação humana dificultam a migração de animais entre a ilha e o continente. Para restaurar esse equilíbrio, uma solução promissora é a reintrodução de espécies nativas”, explica Vanessa.

O programa, com o apoio da Panthera, reconhecida pelo trabalho com Pequenos Gatos, avalia a viabilidade de reintroduzir duas potenciais espécies de pequenos felinos localmente extintos: o gato-do-mato-do-sul (_Leopardus guttulus_) e gato-maracajá (_Leopardus wiedii_). Esse processo se dá em alguns eixos: a avaliação de áreas para reintrodução, como o Refúgio de Vida Silvestre Municipal Meiembipe (maior unidade de conservação municipal em extensão) considerando a disponibilidade de presas e ausência de ameaças diretas; levantamento sobre as espécies nativas e possíveis fontes de indivíduos para soltura; e a consulta a biólogos, ecologistas e gestores, para validar critérios técnicos.

“As equipes do Instituto, com o apoio do nosso corpo técnico, para além dos trabalhos em campo, têm realizado também encontros de divulgação e esclarecimentos sobre o projeto, especialmente com os conselhos consultivos das Unidades de Conservação. Apresentar a proposta para as comunidades e outras entidades envolvidas é essencial para o sucesso das reintroduções de fauna no futuro, pois permite que informações corretas e de qualidade sejam passadas, além de sanar dúvidas e despertar o interesse, tornando-as multiplicadoras dessas informações e parceiras do projeto”, pontua a Bióloga e chefe do Departamento de Unidades de Conservação da Floram, Mariana Coutinho Hennemann.

“O projeto que estamos desenvolvendo é pioneiro no Brasil e, portanto, serve não só para fortalecer o ecossistema local, mas pode também servir de aprendizado e exemplo. Cada vez mais ações como essa de refaunação, devem ser estudadas e implementadas. É uma aposta mundial para recuperar a biodiversidade e restaurar relações ecológicas por meio da própria natureza, com resultados de médio e longo prazo”, finaliza Vanessa Kanaan.

Para participar da pesquisa online sobre a percepção e aceitação à reintrodução dos pequenos felinos em Florianópolis, acesse o formulário pelo link https://forms.gle/iZT86ucS9bk1D3JR8. O questionário recebe impressões até o dia 04 de abril.

*Conheça as Espécies Alvo*

Ambas são nativas da Mata Atlântica e desempenham papéis cruciais no equilíbrio ecológico, especialmente no controle de populações de presas e na manutenção da saúde dos ecossistemas. Essa abordagem escalonada garante que as ações sejam seguras, planejadas e eficazes, alinhando ciência e conservação com a realidade local.

– Gato-do-mato-do-sul (_Leopardus guttulus_): Espécie enigmática, reconhecida como distinta há apenas 10 anos, em um estudo que destacou sua singularidade genética. Este pequeno felino é adaptado a florestas densas e tem papel essencial no controle de roedores e outras presas.

– Gato-maracajá (_Leopardus wiedii_): Ágil e arborícola, este felino é um excelente caçador, capaz de equilibrar populações de aves e pequenos mamíferos. Sua presença fortalece as cadeias alimentares em áreas florestais.

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