Mulheres são maioria na direção de escolas públicas em Juiz de Fora

mulheres gestoras escolares

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(Foto: Mauro Dioli)

Foi uma mulher que, há mais de 40 anos, tomou a dianteira para que as escolas, na cidade, atuassem em tempo integral a partir do seu próprio exemplo. Tudo começou a cerca de 150 quilômetros de Juiz de Fora, em Barra do Piraí, no estado do Rio de Janeiro. Beth Carvalho era casada e acabava de se tornar mãe. Naquele momento, ela se viu em um dilema que envolve tantas outras mulheres brasileiras – uma vez que costuma recair sobre elas a pressão sobre onde deixar os filhos enquanto trabalha.

À época, Beth atuava como psicóloga clínica, tinha formação também em pedagogia e ainda que tivesse acesso a recursos, as dificuldades de aliar profissão e maternidade – realidade que para mulheres pobres e em vulnerabilidade são um desafio ainda mais intenso – passou a mobiliza-lá.  Ao reconhecer na sua própria dificuldade uma vivência compartilhada também por outras, surgiu a ideia de abrir uma escola em tempo integral junto com o amigo Eduardo Passarela. A instituição, a princípio, seria aberta em Barra do Piraí, mas uma transferência no trabalho do seu então marido fez com que surgisse, em Juiz de Fora, no ano de 1983, a escola, que, no ano seguinte, se tornaria a primeira em tempo integral na cidade. 

A primeira escola foi fundada no Bairro São Mateus, na Zona Sul de Juiz de Fora, com o nome de Cantinho Feliz. O gosto pelo trabalho que estava desenvolvendo fez Beth querer um espaço maior,  com novo endereço em 1985. Um casarão na Rio Branco, próximo a Rua Chanceler Oswaldo Aranha – hoje transformado em farmácia – deu lugar a mais crianças. 

Cinco anos depois, o atendimento foi novamente ampliado e dava origem à conhecida Escola Degraus de Ensino. Hoje, os cinco alunos iniciais somam 300. “Eu sempre sonhei em fazer uma escola diferente, que tivesse uma representatividade grande e ela realmente aconteceu”, diz Beth, sobre a criação de um espaço baseado na teoria do construtivismo de Piaget, em que o objetivo do professor é levar o aluno a tecer descobertas, e também na inclusão, que foram os motores que a guiaram.  A escola de Beth agora funciona capacitando o aluno do berçário ao acesso à universidade.

Mulheres: maioria na gestão escolar

O caso de Beth, gestora escolar de uma instituição privada, se insere em um movimento maior, em que cada vez mais mulheres tomam o cargo de chefia na educação também na rede pública. Nas 90 escolas que fazem parte dos 27 municípios que compõem a Superintendência Regional de Ensino (SRE) de Juiz de Fora, há 58 diretoras.  Em Minas Gerais é possível ver uma continuidade dessa tendência na rede estadual, em que 65% do quadro de gestores escolares são compostos por mulheres. Isso representa 2.197 mulheres em cargo de gestão.

Em todo o país,  há 144 mil profissionais em cargos de direção, sendo 117 mil mulheres. O que equivale a 81,6% de diretoras, de acordo com o Censo Escolar da Educação Básica de 2023. Conforme a Prefeitura de Juiz de Fora, as mulheres ocupam 91,84% dos cargos de direção escolar nas instituições da rede na cidade, sendo 90 no total. 

Historicamente, as mulheres são maioria no que se refere ao trabalho como professoras. O que diferencia a realidade de agora é que, para além de uma sala de aula, elas também se destacam no cargo de chefia. Se, por um lado isso, representa um avanço, em outra perspectiva revela um reflexo das mulheres como a maior parte das profissionais dentro de uma escola como um todo. É o que observa Ana Carolina Guedes Mattos, coordenadora do Curso de Pedagogia da Estácio de Juiz de Fora e doutora e mestre em Educação. 

“Eu compreendo as mulheres assumindo cargos de gestão de escolas como uma consequência, na verdade, do alto número de mulheres na educação.” A ponderação remete a um processo anterior, que são as mulheres  associadas a papeis de cuidado e a feminilização do magistério. No final do século XIX e início do século XX já estava intensificado o processo de mulheres na educação por meio do curso normal, feito também para oferecer uma profissão para essas mulheres.

“Existe uma ideia de que, em função de as mulheres serem mães, ao menos, parte delas, e ter essa relação muito afetiva, elas seriam as melhores pessoas para atuar nesse segmento. E pensando na área de atuação do pedagogo, como educação infantil, anos iniciais e na Educação de Jovens e Adultos (EJA), a gente acaba tendo uma visão de que essa área é melhor conduzida por esse grupo”, destaca Ana Carolina. 

Realidade por trás dos números da gestão escolar

Quando se fala dessa formação social das mulheres até traçarem o caminho como gestoras, alguns outros aspectos também precisam ser colocados em voga. Para além do papel da educação ser, historicamente, destinados às mulheres, quando se fala de tomar a frente, a posição é um reflexo da capacitação dessas profissionais para educar e gerir.

Para Ana Carolina, algumas dessas habilidades estão na escuta ativa, diálogo e entendimento de que enquanto gestora é importante conseguir de fato representar as pessoas e suas necessidades. Logo, se os números mostram que as mulheres são maioria nesses cargos, é porque desempenham com maestria essa interlocução com a comunidade escolar.

O último Censo, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelou que o  número de mulheres com ensino superior completo superou o de homens. Por outro lado, a habilidade nem sempre vem sendo suficiente para assumir cargos de chefia, como avalia a coordenadora do Curso de Especialização de Gestão Escolar da Universidade Federal de Juiz de Fora, Renata de Almeida Bicalho. 

“As mulheres ganham espaço considerável no ensino superior, hoje são a mão de obra mais qualificada comparativamente ao homem, mas isso não se reflete nos cargos que elas exercem ou na valorização do seu trabalho”, destaca. Isso porque elas recebem menos do que os homens para o exercício da mesma função. “Apesar de termos bastante avanço, temos conquistado direitos e espaço no mercado de trabalho nos últimos anos, ainda há muito para lutar e para conquistar.”

Ela reflete também que “a mulher exerce o magistério, mas tem dificuldades principalmente nos cargos com maior importância política e econômica. Então quando a gente chega no ensino médio, no ensino superior, essa representatividade feminina nos cargos de gestão é bem menor do que no ensino fundamental e no ensino infantil”.

Nesse sentido, Renata comenta que, mesmo capacitada, a mulher na educação é muitas vezes limitada apenas à docência, não sendo considerada para cargos de direção pois ainda associa-se à ideia de que ela precisa estar em atividade junto com seu filho, já que a sociedade outorga para a mulher a maior responsabilidade pela parentalidade. “Nós já somos as mais qualificadas e precisamos continuar a qualificação constante da mão de obra feminina, para que possamos galgar esses espaços”, pontua. 

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