
Por Leonardo Sakamoto, no UOL
Bolsonaro bate no peito e diz que a maioria do Brasil está com ele. Se isso for verdade, estamos presenciando uma estranha e sádica forma de afeto em que um povo gosta tanto de uma liderança política que quer vê-la no xilindró.
Datafolha, divulgado nesta terça (8), aponta que 52% do país quer vê-lo preso por tentar um golpe de Estado de 2022 enquanto 42% dizem que ele não deveria ir para o xilindró. Margem de erro é de dois pontos. O número não é pequeno considerando que o crime ocorreu há mais de dois anos, o envolvido tem poder de mídia para vender uma realidade paralela e há uma tendência de uma parte da população pelo deixa-disso.
É inegável que Jair é um líder de massas, mas o bolo que consegue juntar é cada vez menor. A manifestação pela anistia juntou 185 mil almas em fevereiro de 2024, segundo o Monitor do Debate Político do Cebrap/USP, e 45 mil agora. Mesmo assim, as imagens do ato por perdão ao golpe no domingo estão sendo usadas nas redes bolsonaristas para tentar provar que o povo está ao seu lado.
A estratégia, reciclada há tempos, parte de um fato concreto (o ex-presidente é uma pessoa popular capaz de arrastar multidões) para vender uma extrapolação falsa (essas multidões demonstram que a maioria dos brasileiros está com ele). Tática manjada para pressionar deputados e senadores a avançarem com o projeto de lei que anistia golpistas no Congresso Nacional. E para encarecer o custo e o tempo de uma prisão.
Por essas coincidências maravilhosas da estatística, o mesmo número (52%) acredita que Bolsonaro não será preso, segundo o Datafolha, enquanto outros 41% acham que sim, que desta vez ele vai ver o sol nascer quadrado. Nessa maioria, juntam-se pessoas que acham que o “mito” é inocente e aquelas que duvidam que a Justiça vai ser feita.
Para não ser preso, ele teria que ser considerado inocente das acusações de tentativa de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado. O que, dadas as evidências reunidas pela Polícia Federal e a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República, é mais difícil do que o tal camelo passar pelo buraco da tal agulha.
Então sobra pizza ou fuga. A primeira opção seria a aprovação de uma anistia pelo Congresso Nacional, que sobreviva ao possível veto de Lula e à provável declaração de sua inconstitucionalidade pelo STF — é para essa briga posterior que Bolsonaro está se armando quando chama seus seguidores à avenida Paulista. Lembrando que a concessão de algum perdão por parte de um novo governo de (extrema) direita que derrote a gestão Lula ocorreria em 2027, ou seja, Jair passaria um tempo no xadrez.
A segunda, mas não menos provável, é a fuga. Se uma condenação estiver iminente, ele pode tentar se escafeder para os Estados Unidos de Donald Trump e “comandar a resistência” direto de Orlando, na Flórida.
Lula poderia ter fugido, mas pagou 580 dias de cana na carceragem da Polícia Federal em Curitiba e foi impedido de concorrer em 2018 devido à condenação no âmbito da Lava Jato. Já Bolsonaro nem precisou ser preso para isso: diante da apreensão de seu passaporte em 8 de fevereiro do ano passado, ele se refugiou uns dias na Embaixada da Hungria, governada pela extrema direita de Viktor Orbán. Fez um test drive de fuga.
Se preso, ele será um ativo para a extrema direita, um mártir. Se fugir, pode ser tachado de covarde. Ele tem alguns meses para pensar se prefere sua liberdade ou seu legado.
Os números mostram que, de uma forma ou de outra, a população acredita que a Justiça não será feita porque ele tem recursos apoio político e seguidores. Diante disso, o Poder Judiciário tem uma boa oportunidade para mostrar que o Brasil não é uma república bananeira, muito menos se guia pela pressão de uma minoria barulhenta.
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