
Há momentos na política em que o silêncio diz mais do que mil condenações formais. Com o retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, Benjamin Netanyahu foi finalmente liberado das poucas e frouxas amarras que ainda o continham.
O massacre em curso em Gaza — que, em outras conjunturas, teria provocado ao menos algum balbucio diplomático — agora se desenrola sob um céu denso de omissão.
Netanyahu, o nazissionista maestro da carnificina, prazerosamente se deleita com os ventos mornos e indulgentes que sopram a seu favor, entregando-se, com metódico entusiasmo, aos seus “mais primitivos instintos sanguinários”, que, como consequência, alimentam o prazer mórbido da maioria dos israelenses — conforme insinua o Relatório Mundial da Felicidade 2025 da ONU.
Nos tempos de Biden, ao menos havia um simulacro de constrangimento. A Casa Branca, ainda que com atraso e hesitação, ousava lançar críticas pontuais aos bombardeios mais cruéis e às reformas judiciais de viés autoritário, à corrosão e ao sequestro da tíbia democracia israelense.
Um esforço que os otimistas chamariam de contenção, e os céticos, com mais razão, de encenação. Agora, nem isso. Com Trump de volta ao Salão Oval, Netanyahu encontrou um parceiro menos afeito a freios institucionais e mais inclinado às camaradagens entre autocratas. Como dois velhos conhecidos que compartilham desconfiança por tribunais e total fascínio por governos fascistas, afinam seus discursos — e seus silêncios — com inquietante harmonia.
Trump não se opõe à kafkiana repressão judicial israelense, tampouco esboça incômodo diante dos sangrentos bombardeios contra o desarmado povo palestino, que ceifaram socorristas, crianças e civis, encurralados na estreita, estreitíssima Faixa de Gaza — o maior campo de concentração, a maior prisão do planeta. Nenhuma palavra sobre hospitais destruídos, escolas incineradas, nem um senão sobre alunos e professores dizimados, nem mesmo um leve repúdio pelas ambulâncias explodidas.
Pelo contrário: em fevereiro, o presidente estadunidense sugeriu que Gaza poderia virar uma espécie de “Riviera” — claro, desde que os palestinos fossem devidamente deportados. Netanyahu, com gratidão mal disfarçada, acolheu a ideia como quem recebe uma dica valiosa à mesa de um jantar entre cúmplices.
A proposta, outrora exclusividade da extrema-direita folclórica, ganha agora foros de projeto de Estado — sinal dos tempos em que as fantasias mais delirantes se institucionalizam com naturalidade aterradora; como aprendemos com o século XXI, o folclore político de ontem é o plano de governo de amanhã.

No plano doméstico, Netanyahu segue firme. Blindado por uma coalizão de extrema-direita e sustentado por uma base que, mesmo diante do colapso de segurança de 7 de outubro, segue fiel — alimentada, dia após dia, com o sangue dos palestinos. Demitiu rivais, remodelou instituições e entoou, com zelo messiânico, o mantra trumpista do “estado profundo” — popularizado no Brasil, por picaretas, como “deep state”.
E a crítica internacional?
Parece ter-se dissolvido no ar.
As agências de notícias, até recentemente zelosas em manter uma aparência de cobertura — mesmo que enviesada — parecem ter adotado o silêncio como linha editorial. A imprensa, domesticada pelo poder do poderoso lobby sionista e pelas conveniências geopolíticas, faz o que Trump espera dela: cala-se.
E a diplomacia?
A Europa, atordoada por tarifas, crises e seus próprios fantasmas, observa tudo com a apatia de quem assiste ao incêndio na casa vizinha sem saber se deve chamar os bombeiros ou aproveitar o calor.
O que se vê, enfim, é um Netanyahu à vontade. Sem o incômodo das velhas cerimônias diplomáticas, age com desenvoltura. Amparado pelo consentimento tácito de Washington, avança em Gaza e consolida seu projeto de limpeza étnica do povo palestino para tomar suas terras. A ausência de freios — outrora lamentada — tornou-se, paradoxalmente, a mais eloquente declaração política do nosso tempo.
O silêncio — esse personagem tantas vezes subestimado na história — continua… silencioso. Enquanto o mundo se cala, o povo palestino grita, quase sem voz, mas grita!
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