Vargas Llosa, García Márquez e o soco que acabou com a amizade entre dois gigantes

Gabriel Garcia Márquez e Mario Vargas Llosa em Lima, Peru, no ano de 1967. Foto: Divulgação

A amizade entre Gabriel García Márquez e Mario Vargas Llosa, dois dos maiores escritores da literatura latino-americana do século 20, começou com cartas entusiasmadas sobre projetos literários e terminou de forma abrupta com um soco em público. Essa trajetória de admiração mútua, colaboração intelectual e ruptura pessoal se entrelaça com os principais acontecimentos políticos e culturais do período.

Em janeiro de 1966, García Márquez, ainda escrevendo Cem Anos de Solidão, escreveu do México para Vargas Llosa, que vivia em Paris. O contato foi feito por meio do jornalista Luis Harss, autor de Los Nuestros, obra considerada essencial sobre o boom da literatura latino-americana.

No início, a troca de correspondências foi calorosa. Discutiram ideias, projetos — inclusive a possibilidade de escreverem um romance a quatro mãos. O encontro presencial ocorreu em 1967, no aeroporto de Caracas, quando Vargas Llosa recebia o Prêmio Rómulo Gallegos por A Casa Verde.

Durante um congresso literário em Caracas, os dois autores estreitaram laços. Nas semanas seguintes, fizeram aparições conjuntas em Bogotá e Lima, onde participaram do icônico “Diálogo sobre o romance na América Latina”, que circulou por décadas em cópias não autorizadas até ser publicado em 2021.

Em um gesto simbólico, Vargas Llosa batizou seu segundo filho com o nome Gabriel Rodrigo Gonzalo, homenageando o amigo e seus filhos. Pouco depois, as famílias se mudaram para Barcelona e passaram a morar lado a lado.

Na capital catalã, ambos viveram o auge do boom latino-americano. Vargas Llosa publicou García Márquez: História de um deicídio, considerado o primeiro e mais profundo estudo sobre a obra do colombiano — o que surpreendeu críticos pelo gesto de generosidade entre concorrentes literários.

A relação, no entanto, começava a sofrer rachaduras, especialmente após os desdobramentos do “caso Padilla”, que envolveu a prisão do poeta cubano Heberto Padilla e críticas internacionais ao regime de Fidel Castro.

O poeta cubano Heberto Padilla. Foto: Divulgação

Ambos os escritores participaram da fundação da revista Libre, ao lado de outros grandes nomes como Julio Cortázar, Carlos Fuentes e Octavio Paz. No entanto, divergências políticas começaram a emergir.

Vargas Llosa liderou um protesto contra o governo cubano, enquanto García Márquez optou por não assinar as cartas de repúdio, alegando falta de informações completas. Esse distanciamento ideológico intensificou as tensões, ainda que a convivência em Barcelona continuasse por mais alguns anos.

Segundo relatos do jornalista Xavi Ayén no livro Aquellos años del Boom, o rompimento definitivo não teve origem política, mas pessoal. Em 1975, Vargas Llosa se separou temporariamente da esposa, Patricia Llosa, e ela foi acolhida pela família García Márquez em Barcelona. Surgiu o boato de que Gabo teria feito uma insinuação à esposa do amigo.

No ano seguinte, durante a pré-estreia de um documentário roteirizado por Vargas Llosa no Palácio de Belas Artes, na Cidade do México, García Márquez se aproximou para cumprimentar o peruano e levou um soco. Segundo testemunhas, Vargas Llosa apenas disse: “Isso é pelo que você fez com a Patrícia em Barcelona.”

Após o incidente, os dois autores nunca mais voltaram a se falar. Vargas Llosa proibiu por décadas a reedição do livro História de um deicídio, que só voltaria a circular em 2006 e, de forma independente, em 2021.

Em 2017, durante um curso na Universidade Complutense de Madrid, ao ser questionado sobre o reencontro com Gabo, Vargas Llosa encerrou a conversa com um sorriso irônico: “Estamos entrando em um território perigoso.”

García Márquez faleceu em 17 de abril de 2014, aos 87 anos, na Cidade do México. Mario Vargas Llosa morreu no último domingo (13), aos 89 anos, em Lima. Segundo amigos próximos, uma tentativa de reconciliação foi ensaiada anos antes durante o Hay Festival, em Cartagena, mas García Márquez já sofria com perdas de memória devido ao avanço da demência.

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