
A Polícia Militar alegou que o vídeo em que agentes do 9º Batalhão de Ações Especiais de Polícia (Baep), de São José do Rio Preto (SP), aparecem queimando uma cruz e fazendo uma saudação similar à nazista foi registrado durante uma cerimônia de encerramento de um treinamento noturno. A gravação foi retirada das redes sociais após a repercussão negativa.
Seria parte de um ritual simbólico, com a proposta de representar a superação de limites físicos e psicológicos enfrentados ao longo do curso. A corporação declarou ainda que, em nenhum momento, houve intenção de associar a cena a ideologias políticas, raciais ou religiosas.
O uso da cruz incendiada como forma de ritual ou mensagem tem um histórico carregado de violência e intimidação — sobretudo nos Estados Unidos, onde está diretamente associado ao grupo supremacista branco Ku Klux Klan.
A prática ficou amplamente conhecida a partir do século XX como ferramenta de terror da KKK, usada principalmente para intimidar negros e judeus. Era uma forma de espalhar medo e marcar territórios, especialmente durante a luta por direitos civis no sul dos EUA.
As origens dessa aberração são antigas. Na Escócia medieval, a chamada crann-tara — ou cruz de fogo — era usada como um sinal de convocação urgente, geralmente para guerra ou defesa do território.

Um mensageiro carregava uma cruz parcialmente queimada de aldeia em aldeia, convocando todos os membros do clã a se reunir.
A prática foi documentada em eventos reais como o levante jacobita de 1745, e até utilizada para mobilização militar no Canadá durante a Guerra de 1812. O escritor escocês Walter Scott popularizou a imagem em sua obra “A Dama do Lago”, de 1810.
No entanto, foi a partir da literatura e do cinema racistas dos EUA que o símbolo ganhou conotação violenta. O livro “Os Homens da Klan” (1905), de Thomas Dixon Jr., foi o primeiro a associar a cruz em chamas ao ideal daquela milícia.
A imagem foi depois eternizada no filme “Nascimento de uma Nação” (1915), de D.W. Griffith, que ajudou a revitalizar a KKK. Após a estreia do longa, um grupo liderado por William J. Simmons queimou uma cruz no topo da Stone Mountain, na Geórgia, marcando a fundação da nova fase da organização.
URGENTE: PM DE SP FAZ SAUDAÇÃO NAZ*STA
Recebo, estarrecida, a notícia de que um perfil oficial da PM de São Paulo publicou um vídeo no qual os policiais fazem um “ritual” com referências naz*stas.
No vídeo, os PMs fazem a saudação naz*sta em frente a uma cruz em chamas.… pic.twitter.com/fd7CRLGS0X
— ERIKA HILTON (@ErikakHilton) April 15, 2025
Nos EUA, a cruz em chamas foi usada repetidamente como ferramenta de intimidação — desde boicotes a movimentos pelos direitos civis, como o de Tallahassee em 1956, até ações de grupos de justiceiros contra greves de trabalhadores rurais na Califórnia dos anos 1930.
O Supremo Tribunal dos EUA, em 2003, chegou a discutir a legalidade disso no caso “Virginia v. Black”. A corte reconheceu que nem todo uso da cruz em chamas tem intuito de intimidação, mas afirmou que, em geral, a prática carrega um forte potencial de ameaça.
A queima de cruz em São José do Rio Preto, mesmo sem o objetivo declarado de intimidar, evoca imagens e significados históricos que não podem ser ignorados. A banalização de um símbolo tão carregado é perigosa, ainda mais quando reproduzida por agentes do Estado. Em tempos de radicalização política e discursos de ódio, rituais como esse não podem ser tratados como meros “exercícios de motivação”.