
A história do Brasil tem sido tradicionalmente dividida em quatro grandes fases: período pré-cabralino, que vai até 1500; Colônia, também chamado de período colonial, que se estende de 1500 a 1822, com a independência em relação a Portugal; Império, de 1822 a 1889, ano da Proclamação da República; e, enfim, República, de 1889 aos dias de hoje.
Trata-se de uma divisão sujeita a questionamentos, mas, como afirma o historiador Pietro Sant’Anna, “um dado é inquestionável: ainda é seguida por quase todos os cursos de história e livros didáticos do país”.
Há também especialistas que consideram cinco os grandes períodos. Nesse caso, a segunda fase do modelo anterior se divide em duas partes. São os seguintes: pré-cabralino, até 1500; pré-Colônia ou período pré-colonial, de 1500 a 1530, quando começam efetivamente as expedições colonizadoras; Colônia ou período colonial, de 1530 a 1822; Império, de 1822 a 1889; e República, de 1889 à atualidade.
Esse último período, a República, está dividido em cinco fases. Com os 40 anos da Nova República, é natural que ressurja o interesse pelas partes que compõem esses últimos 136 anos da nossa história. Saiba mais sobre essas cinco fases.
1) PRIMEIRA REPÚBLICA – 1889 A 1930
Também conhecida como República Velha, essa fase inicial vai do ano da Proclamação da República à chegada ao poder de Getúlio Vargas por meio da Revolução de 1930. Esse período teve como primeiro presidente o marechal Deodoro da Fonseca e Washington Luís como último.
São quatro décadas em que o país esteve sob o domínio das oligarquias regionais, que conduziram uma economia basicamente agrária.
“Prevaleceu nesse período um federalismo liberal, com pouca ou nenhuma intervenção do Estado na economia e nas questões sociais, o que resultou em uma legião de desamparados justamente no período pós-abolição da escravatura”, afirma a historiadora Cláudia Viscardi, professora da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora) e autora do livro “O Teatro das Oligarquias – uma Revisão da Política do Café com Leite” (Editora Fino Traço, 2011, 340 págs.).
Ela ressalta ainda as lutas por cidadania desse período, de greves gerais e motins nas cidades, como a Revolta da Vacina (1904), a movimentos sociais rurais, como as guerras de Canudos (1896-1897) e do Contestado (1912-1916).
Um outro ponto relevante, segundo Viscardi, era o uso recorrente do estado de sítio tanto nacionalmente, quanto nos estados. Aconteceram eleições ao longo da Primeira República, mas eram bastante marcadas por fraudes, o que impede, entre outras razões, que esse período seja visto como plenamente democrático.
De acordo com Francisco Doratioto, professor de história da UnB (Universidade de Brasília), a Primeira República se divide em dois momentos bem diferentes. São eles “a República da Espada (1889-1894), dominada pelos militares, e a República Oligárquica (1894-1930), iniciada quando a elite agrária passa a controlar efetivamente o poder, com o paulista Prudente de Moraes eleito presidente”.
2) ERA VARGAS – 1930 A 1945
São três as fases que compõem a Era Vargas. O líder gaúcho chegou ao poder federal por meio da Revolução de 1930, quando assumiu a chefia do governo provisório. Quatro anos depois, quando endossado pela Assembleia Constituinte, tornou-se presidente da República -esse intervalo de 1934 a 1937 pode ser considerado o mais democrático do período.
Em 1937, Getúlio tramou um golpe e exerceu a autoridade como lhe convinha, dissolvendo o Congresso Nacional e os partidos. O presidente deu lugar ao ditador no período que ficou conhecido como Estado Novo e se estendeu até 1945, quando renunciou.
Como Angela de Castro Gomes, professora titular aposentada de história do Brasil na UFF (Universidade Federal Fluminense), disse à reportagem em 2022, “os presidentes da Primeira República [1889-1930] circulavam pelos grupos da elite e se entendiam com eles. Só falavam para um público mais amplo por ocasião das eleições. Getúlio não, ele havia sido o primeiro presidente que a população reconhecia como tal. E, claro, isso ocorria também porque havia toda uma propaganda pró-Vargas”.
Aqueles são anos de forte intervenção do Estado na economia, uma das diferenças principais da Era Vargas em relação à Primeira República.
3) PERÍODO DEMOCRÁTICO – 1945 A 1964
Das cinco fases da República, essa é provavelmente a menos estudada. Já foi chamada de República Populista e de República Nova, denominações que caíram em desuso. Além de Período Democrático, é chamada por alguns especialistas de Experiência Democrática.
“Pela primeira vez na história, o Brasil teve democracia de massas, com partidos políticos funcionando e disputando eleições livres”, diz o historiador Pietro Sant’Anna. O primeiro presidente desse período foi Eurico Gaspar Dutra e o último, João Goulart.
Na seara política, segundo ele, “essa é a nossa primeira experiência de polarização real, isto é, não (apenas) entre facções da elite, mas entre parcelas do eleitorado. De um lado, a esquerda trabalhista, que atraía o crescente operariado urbano. De outro, um udenismo conservador, encampado por setores da classe média e do empresariado, contaminado pelo anticomunismo paranoico caro à Guerra Fria e cada vez mais seduzido pelo golpismo”.
Para Sant’Anna, “esse é um dos fantasmas que não conseguimos extirpar: nosso primeiro experimento democrático foi marcado por diversas tentativas de golpe. Avançaram em 1954 contra Vargas, que se suicidou; tentaram impedir a posse de Juscelino Kubitschek em 1955; esvaziaram os poderes presidenciais de João Goulart via parlamentarismo no início dos anos 1960”.
O período se encerra com o golpe de 1964, “de certa forma, uma reação ao que parcelas das elites econômicas e militares consideravam um aprofundamento excessivo da jovem democracia brasileira”.
4) DITADURA MILITAR – 1964 A 1985
Como havia acontecido durante o Estado Novo, sob Getúlio, o país voltou a viver um regime autoritário. O golpe de 1964 levou Castello Branco ao poder. Foi, porém, Costa e Silva, o segundo dos cinco presidentes militares dessa fase, quem decretou o Ato Institucional nº 5, o AI-5, dando início à fase mais repressiva dos 21 anos de ditadura militar.
Só nos primeiros dois dias de vigência da medida, presos políticos processados nas auditorias da Justiça Militar denunciaram mais de 2.200 casos de tortura.
Como escreveu o jornalista Elio Gaspari, autor da coleção “A Ditadura”, composta por cinco volumes que oferecem uma visão detalhada do regime militar brasileiro, “até hoje, as viúvas da ditadura fingem que as ruínas não aconteceram, e seus adversários relutam em admitir que algumas coisas deram certo”.
Para Gaspari, o governo de João Baptista Figueiredo, o último presidente do regime militar, “foi ruinoso, mas, salvo seus maus hábitos pessoais, não foi ele quem provocou as desgraças. As ruínas eram do regime”.
A ditadura “acabou aos poucos e aos solavancos. O Brasil ficou devendo a Tancredo Neves a costura dos atos finais desse processo. Ele ajudou a construir uma coisa que ainda hoje muita gente acha que não aconteceu: uma conciliação vinda da oposição”, escreveu.
5) NOVA REPÚBLICA – 1985 AOS DIAS DE HOJE
Depois de 21 anos de ditadura militar, Tancredo Neves (PMDB) venceu Paulo Maluf (PDS) na disputa para a Presidência da República em votação no Colégio Eleitoral. A histórica vitória do político mineiro em 15 de janeiro de 1985 passou a ser considerada o ponto inicial da chamada Nova República, que agora completa quatro décadas.
Não faltaram, porém, obstáculos nessa transição da ditadura para a democracia, a começar pela morte de Tancredo em 21 de abril daquele ano. As décadas seguintes tampouco foram tranquilas para o sistema democrático do país, que enfrentou pelo menos três grandes testes de fogo: os processos de impeachment de Fernando Collor, em 1992, e de Dilma Rousseff, em 2016, e os ataques aos três Poderes em 8 de janeiro de 2023.
Segundo Marina Slhessarenko Barreto, pesquisadora do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise Política), apesar dos percalços, há razões para celebrar esses últimos 40 anos, o período mais longo em que o país viveu sob uma democracia.
“Temos que reconhecer os avanços desde a eleição de Tancredo e celebrar porque uma democracia nunca vai ser perfeita. Ela é um processo, é uma construção que nunca termina”, disse a cientista política à Folha de S.Paulo em janeiro deste ano.
(Folhapress)