100 anos de Rádio no Brasil: Spotify redefine a era do ecossistema de áudio digital

Por Álvaro Bufarah (*)

O Spotify, desde a fundação em 2008, tem desempenhado um papel central na transformação da indústria da música gravada. Ao longo de sua trajetória, consolidou-se como a maior plataforma de streaming musical do mundo − e, ao contrário de outras líderes do setor, permanece uma empresa independente, sem o respaldo de grandes conglomerados tecnológicos. Essa condição única forçou o Spotify a inovar constantemente em busca de sustentabilidade e rentabilidade, o que impulsionou sua evolução de um simples reprodutor de músicas licenciadas para um ecossistema multifacetado de áudio digital.

A primeira fase da empresa, o chamado Spotify 1.0, era marcada por um modelo claro e direto: oferecer acesso sob demanda a músicas licenciadas, com curadoria básica e personalização limitada. O foco estava no usuário que buscava as músicas que já conhecia, e na compensação direta aos detentores de direitos − que recebiam cerca de 70% da receita da plataforma. No entanto, esse modelo de custo fixo gerou tensões com investidores após a abertura de capital da empresa, devido à baixa margem de manobra e dependência das grandes gravadoras.

Na tentativa de romper essa limitação, o Spotify iniciou uma transformação estratégica que culminou no chamado Spotify 2.0. A partir de 2018, a plataforma passou a investir fortemente na diversificação de formatos e conteúdos. Essa nova fase foi marcada pelo crescimento de conteúdos não musicais, como podcasts, audiolivros e vídeos, além da introdução de formatos alternativos de música, como faixas de produção (também chamadas de “música de biblioteca”) e criações geradas por inteligência artificial − estratégia similar à adotada pela chinesa Tencent Music.

Com esse novo modelo, o Spotify passou a operar com uma estrutura de custos mais flexível e escalável, baseada em diferentes níveis de licenciamento e acordos diretos com produtores independentes. Um exemplo disso é o Modo Descoberta, que inverte o tradicional fluxo de receita do setor: em vez de pagar para acessar conteúdos, o Spotify passou a cobrar para promover faixas dentro do seu algoritmo de recomendação, transformando os detentores de direitos em seus clientes. Trata-se de uma inversão radical na lógica comercial do streaming.

O resultado foi uma plataforma centrada na hiperpersonalização algorítmica, onde o foco do usuário deixou de ser a conexão com artistas para tornar-se a experiência de consumo dentro do próprio ecossistema do Spotify. A curadoria automatizada, baseada em dados comportamentais, faz com que o algoritmo decida não apenas que tipo de música será ouvido, mas também se o conteúdo será musical ou não, a depender do contexto de uso do ouvinte.

O Spotify 3.0, que já começa a se desenhar, aponta para uma plataforma ainda mais autônoma em relação à indústria fonográfica tradicional. A tendência é que a empresa aprofunde sua aposta em conteúdos não musicais, valorize formatos alternativos e de menor custo de licenciamento, e simplifique sua proposta de valor a um ponto no qual o usuário não busca mais músicas específicas, mas confia que o Spotify entregará o conteúdo certo, no momento certo − seja ele uma música, um podcast, um audiobook ou qualquer nova forma híbrida de conteúdo.

Essa reconfiguração não ocorre isoladamente. Dados recentes da MIDiA Research e do relatório The Infinite Dial 2025 indicam que o áudio digital está em plena ascensão nos EUA, com 79% da população escutando áudio online mensalmente e 55% consumindo podcasts. O Spotify lidera como plataforma de streaming e também ganha espaço no mercado de podcasts, embora o YouTube tenha ultrapassado o serviço sueco como principal canal de escuta nesse formato, com 33% da preferência entre os ouvintes semanais.

Ao afastar-se progressivamente do modelo de dependência das grandes gravadoras e investir em modelos alternativos de receita, o Spotify demonstra não apenas adaptação, mas também visão de futuro. Se no passado a empresa foi fundamental para tirar a indústria fonográfica da crise da pirataria, agora ela caminha para ser um hub global de áudio e entretenimento multimídia, redefinindo o que significa “ouvir música” na era digital.

A metáfora utilizada no próprio mercado para descrever essa evolução é clara: se o Spotify 1.0 foi a lagarta e o 2.0 a crisálida, o 3.0 será a borboleta. Contudo, essa borboleta poderá bater asas não mais ao som da música tradicional, mas guiada por algoritmos, IA e formatos híbridos que transformam a própria noção de escuta.


Álvaro Bufarah

Você pode ler e ouvir este e outros conteúdos na íntegra no RadioFrequencia, um blog que teve início como uma coluna semanal na newsletter Jornalistas&Cia para tratar sobre temas da rádio e mídia sonora. As entrevistas também podem ser ouvidas em formato de podcast neste link.

(*) Jornalista e professor da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) e do Mackenzie, pesquisador do tema, integra um grupo criado pela Intercom com outros cem professores de várias universidades e regiões do País. Ao longo da carreira, dedicou quase duas décadas ao rádio, em emissoras como CBN, EBC e Globo.

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