PF já discute por quais crimes Bolsonaro será indiciado após depoimentos de ex-comandantes

Jair Bolsonaro e Tarcísio de Freitas

Ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica envolveram o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em conversas de teor golpista, em depoimentos à Polícia Federal (PF), e agora os investigadores já começaram a discutir por quais crimes o ex-chefe do Poder Executivo deve ser indiciado ao final das apurações, disseram à Reuters duas fontes da PF com conhecimento das tratativas.

O ex-presidente deve ser indiciado até junho pela PF em três inquéritos diferentes: fraude em cartão de vacinas, joias recebidas do governo saudita e tentativa de golpe de Estado, com penas de prisão somadas que podem superar os 55 anos, segundo as fontes.

O indiciamento abriria caminho para Bolsonaro ser denunciado pelo procurador-geral da República (PGR), Paulo Gonet. Se a acusação for aceita pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o político terá de responder a processo criminal que pode levá-lo à prisão, em caso de condenação.

Não há, segundo quatro fontes — duas da PF, uma da PGR e uma do Supremo —, um cenário para se prender Bolsonaro durante as apurações. Exceto se ele tentar obstruir as investigações, o que justificaria legalmente uma medida extrema.

Procurada, a defesa de Bolsonaro não respondeu de imediato a pedido de comentário. O ex-presidente e seus advogados já negaram, em entrevistas, envolvimento em todos os casos.

Um dos advogados de Bolsonaro, o ex-ministro Fabio Wajngarten, disse nesta terça-feira (5) estar “convicto” de que não há nada concreto contra o ex-presidente “nos tais depoimentos, que ainda não tivemos acesso”. “Na narrativa, no constrangimento, nos vazamentos não implacarão um capítulo na historia do Brasil”, afirmou o advogado em uma publicação na plataforma X (antigo Twitter).

O ex-presidente já está inelegível até 2030, por ter sido condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação, ao ter promovido quando presidente uma reunião com embaixadores no Palácio da Alvorada para atacar o sistema eletrônico de votação do Brasil.

Conversas golpistas

No caso de maior repercussão sendo investigado pela PF, a tentativa de golpe de Estado, Bolsonaro teve a situação complicada por depoimentos recentes de ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica durante seu governo.

Na semana passada, o general Freire Gomes afirmou à PF que houve discussões dentro do governo, com a participação de Bolsonaro, sobre uma minuta de teor golpista para até mesmo impedir a posse do então presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), conforme duas fontes.

Uma delas, envolvida diretamente nas apurações, disse que o depoimento de Freire Gomes — que durou mais de sete horas — ajudou muito as investigação, amarrando as pontas e detalhando o envolvimento do ex-presidente em toda a trama.

Segundo essa fonte, em meados de fevereiro o ex-comandante da Aeronáutica Carlos Baptista Júnior também havia prestado depoimento à PF e confirmado ter participado de reunião do governo passado, com Bolsonaro, em que se conversou sobre minutas com medidas de exceção não previstas na Constituição.

Os dois ex-comandantes foram ouvidos pelos policiais na condição de testemunhas, o que significa que não podiam mentir, sob pena de cometerem o crime de falso testemunho (previsto no Código Penal). Procurados, Freire Gomes e Baptista Júnior ou seus representantes não estavam disponíveis para comentar.

Indiciamentos

Com as revelações dos depoimentos dos militares, as informações obtidas por meio de busca e apreensão, as quebras de sigilo, a delação do ex-ajudante de ordens Mauro Cid e outros elementos de prova, as duas fontes dizem que a intenção da PF é encerrar até junho as três principais investigações contra Bolsonaro.

Investigadores envolvidos diretamente nas apurações já começaram a discutir, inclusive, quais tipos penais o ex-presidente deverá ser enquadrado criminalmente nos relatórios finais das investigações. No caso da tentativa de derrubada do governo eleito, Bolsonaro deve, segundo as fontes, ser indiciado por pelo menos golpe de Estado (pena que varia de 4 a 12 anos de prisão) e abolição violenta do Estado Democrático de Direito (de 4 a 8 anos de prisão).

O discurso do ex-presidente no ato com apoiadores na Avenida Paulista, em que fez referência a uma minuta de decreto de Estado de Defesa, o implicou ainda mais nessa apuração e deverá constar do relatório final dessa linha de apuração.

Vacina e joias

Na investigação sobre adulteração do cartão de vacina de Bolsonaro e pessoas próximas a ele, para inserir informações falsas de imunização de Covid-19, o ex-presidente deve ser enquadrado pela PF ao menos pelo crime de falsificação de documento público (pena de 2 a 6 anos de prisão, mais multa), segundo as fontes. Neste caso, a pena pode ser aumentada em até um sexto por se tratar de agente público prevalecendo-se do cargo.

Já no caso da apropriação indevida de joias recebidas, as fontes dizem que o ex-presidente deve ser indiciado pelo menos por peculato (desvio de recursos ou um bem público), cuja pena é de 2 a 12 anos de prisão, mais multa.

Em cada uma dessas investigações, o ex-presidente também poderá ser enquadrado, conforme as fontes, como participante de organização criminosa (pena de 3 a 8 anos de prisão, mais multa). Assim, na prática Bolsonaro pode ser indiciado os crimes que, somados, vão de pelo menos 12 a mais de 55 anos de prisão (tendo como base as penas mínimas e máximas que podem ser aplicadas a ele, em caso de condenação criminal).

Prioridade na PGR

Uma das fontes da PF envolvida diretamente nas apurações ressaltou que a corporação trabalha para fechar, por ordem: o caso das vacinas, depois das joias e por último do golpe de Estado, com a perspectiva de um indiciamento conjunto de Bolsonaro e os demais alvos, e não indiciamentos separados para cada um dos envolvidos.

A PF vai preparar relatórios finais com o resultado de cada uma das investigações, inclusive com as sugestões de indiciamentos, e encaminhar ao ministro Alexandre de Moraes, relator dos inquéritos no STF, e ao procurador-geral da República.

Uma fonte que trabalha diretamente com Gonet afirmou à Reuters, sob sigilo, que as apurações sobre o ex-presidente, em especial a do golpe de Estado, são prioridades. O procurador-geral, inclusive, tem buscado se manifestar com rapidez a pedidos feitos por Moraes e pela PF durante as investigações em medidas cautelares, como operações de busca e apreensão.

Assim que receber o trabalho da PF, segundo essa fonte, o procurador-geral deve trabalhar para apresentar a denúncia contra o ex-presidenteantes das eleições municipais, marcadas para outubro, para evitar contaminar o ambiente político ou atrair suspeitas sobre o trabalho do Ministério Público Federal (MPF).

Os registros efetivos dos candidatos ocorre em meados de agosto, e no final do mesmo mês tem início a propaganda eleitoral no rádio e na TV. Se não for possível oferecer a denúncia antes disso, a acusação pode até mesmo ficar para depois das eleições. “A denúncia contra Bolsonaro é mais uma questão de quando, não mais de se”, disse essa fonte da PGR.

Outra fonte da procuradoria, também ligada a Gonet, ressaltou por outro lado que não há um cronograma sobre as investigações que envolvem o ex-presidente — nem mesmo prazo para oferecer (ou não) uma denúncia contra ele. Essa fonte disse que o procurador-geral tem trabalhado em cima do que chega para despachar. Ela afirmou ainda que nesse (e em quaisquer outros casos) há uma preocupação com que a atuação da PGR seja técnica e que não ocorra qualquer conotação eleitoral.

Procurada, a PGR informou que atua de forma técnica e respeita os prazos processuais. A PF, por sua vez, não se manifestou de imediato a pedido de comentário.

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