Relator da ONU diz que silêncio oficial mostra que ditadura não foi superada no Brasil

O relator da ONU sobre Verdade, Justiça e Reparação, Fabian Salvioli. Foto: reprodução

O relator da ONU sobre Verdade, Justiça e Reparação, Fabian Salvioli, disse, em entrevista ao UOL, que a decisão do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de não marcar os 60 anos do golpe militar de 1964 revela que a ditadura ainda não foi superada no Brasil:

O que significou o golpe de 1964 no Brasil para a história da América Latina?

 Significou muito, no sentido que o Brasil é o país mais importante da região em muitos sentidos, e a ruptura da democracia num país assim tem um efeito dominó em outros lugares. Isso veio acompanhado com uma metodologia de violações sistemáticas de direitos humanos. No Brasil, isso teve particularidades concretas, como as violações aos povos indígenas. Tudo isso ficou muito claramente dito no informe da Comissão Nacional da Verdade. (…)

Passamos por quatro anos de um governo que negava a existência do golpe. Isso é reflexo ainda do passado ou deste pacto democrático que não conseguiu ainda ser costurado de novo?

Podem ser as duas coisas. A democracia precisa ser alimentada todos os dias. Não é algo que podemos dizer que conquistamos e que podemos dormir tranquilos. A democracia precisa ser construída com políticas públicas inclusivas e diárias. Talvez, pela particular situação que atravessa o Brasil, entendo que o governo não tenha hoje a liberdade para fazer o que é devido. E isso é muito grave. Se ele obedece à chantagem das Forças Armadas, seria algo muito grave. Governos não podem funcionar sob chantagem das Forças Armadas.

Além disso, os processos de memórias como garantia de não repetição para evitar futuras violações não são opcionais. São obrigações que os Estados têm diante do direito internacional. Neste caso, portanto, o Estado está descumprindo uma obrigação internacional. (…)

A decisão do governo Lula foi uma surpresa para o senhor?

Sim. Fiquei surpreendido. Quando essas datas são relembradas, não é uma condenação às instituições. Mas a quem decidiram tomar ações ilegítimas e a quem cometeu crimes. Não se ataca as Forças Armadas democráticas. Não é um ataque às instituições.

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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Foto: reprodução

O que ocorre é que, quem cometeu esses crimes, têm porta-vozes e recorrem a um nocivo espírito corporativo para esconder esses fatos horríveis e que foram devidamente esclarecidos pela Comissão da Verdade.

Que mensagem o silêncio manda para as vítimas?

Existem diversas formas de revitimizar as vítimas e esse é um deles. O silêncio é uma maneira de abandonar a quem o estado não deve nunca mais abandonar. É uma maneira de revitimizá-las.

Há quem diga que o Brasil não deve olhar o passado e que devemos nos concentrar nos desafios de hoje, sem fazer barulhos sobre o passado. Mas o país superou a ditadura?

Não superou. Se tivesse superado poderia falar disso sem problemas. O exemplo mais claro que não foi superado é o fato de que não se pode falar sobre isso sem problemas. Recordar os fatos do passado não quer dizer ficar no passado e nem quer dizer não olhar ao futuro. As sociedades recordam o passado. Todos nos lembrando das guerras de independência e ninguém diz que não devemos olhar para isso.

Há uma intenção clara de não querer se abordar determinados fatos. Quando alguém diz que não quer fazer barulho ou molestar, o que isso quer dizer é que não se quer molestar aos perpetradores. O problema é que, assim, se molesta a quem já foi vítima e voltam a ser vítimas. (…)

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