STF derruba censura ao DCM e libera matérias sobre candidata bolsonarista investigada

A candidata a prefeita de Palmas, Janad Valcari (PL-TO), junto com membros da sua banda “Barões da Pisadinha” (crédito: divulgação)

O Supremo Tribunal Federal (STF) cassou decisão de primeira instância da Justiça do Tocantins que mantinha fora do ar as reportagens “Deputada bolsonarista que enriqueceu com shows dos ‘Barões da Pisadinha’ é investigada em 5 estados“, publicada inicialmente pelo veículo no dia 21 de novembro do ano passado, e “Deputada bolsonarista faturou mais de R$ 23 milhões de dinheiro público com banda de piseiro“, de 1º de novembro de 2023. O conteúdo estava fora do ar desde 7 de agosto deste ano.

As matérias, assinadas pelo jornalista Vinícius Segalla, dão conta de que a deputada estadual e pré-candidata do PL à prefeitura de Palmas (TO), Janad Marques de Freitas Valcari (cujo nome de urna é “Professora Janad”), faturou, pelo menos, R$ 30,279 milhões em contratos públicos com prefeituras de todo país somente nos anos de 2022 e 2023.

A maioria desses contratos é com cidades de até 50 mil habitantes, e os valores pagos à empresa musical da deputada chegam a superar os R$ 500 mil, para uma apresentação de uma hora e meia, chegando a custar, em alguns casos, mais de R$ 100 em impostos municipais por cidadão do município contratante. Em mais de 90% dos casos, as contratações se deram por meio de dispensa de licitação, a pedido das prefeituras locais.

Por causa disso, os prefeitos e os contratos da Barões da Pisadinha – todos assinador por Janad Valcari – eram investigados pelo Ministério Público – à época da produção da reportagem – em, pelo menos, cinco estados.

Tal fato é provado com documentos na reportagem do DCM que estava censurada, o que não impediu a deputada-candidata de processar este veículo e obter, na Justiça do Tocantins, uma das mais insólitas decisões judiciais desde a redemocratização, proferida pela juíza Edssandra Barbosa da Silva Lourenço,  4ª Vara Cível de Palmas: a retirada integral do conteúdo do DCM produzido desde a sua criação, em 2013.

Asim, as milhares de reportagens produzidas pelo veículo se tornaram inacessíveis por mais de 24 horas, até que o mesmo juizado que tinha determinado a censura voltou atrás, acatando um recurso dos advogados do canal, e o site voltou ao ar quase em sua completude.

É que a juíza Lourenço manteve fora do ar as duas reportagens que mostravam os 86 contratos da banda de Janad Valcari com prefeituras, pelos quais a empresa da parlamentar faturou mais de R$ 30 milhões (na primeira reportagem, o DCM havia contabilizado cerca de R$ 23 milhões em contratos, mas atualizou a soma para mais de R$ 30 milhões no texto seguinte).

A liberdade de expressão e os direitos de informar e ser informado só foram integralmente restabelecidos na última sexta-feira (20), quando o STF apreciou novo recurso do DCM e proferiu decisão dando ganho de causa ao site, cassando a decisão ilegal de primeira instância.

Leia, abaixo, trechos da decisão do Supremo assinada pelo ministro Gilmar Mendes. Os destaques foram inseridos pela reportagem do DCM:

“O Supremo Tribunal Federal já vedou a prática de atos estatais que configurem censura prévia à atividade jornalística, considerando que o livre trânsito de ideias constitui elemento essencial ao desenvolvimento
da democracia.

(…)

No caso dos autos, o Juízo reclamado determinou a remoção de reportagem veiculada pela reclamante, que relatava a existência de investigações, instauradas pelo Ministério Público, em cinco Estados, em desfavor da beneficiária (Janad Valcari).”

Ao contrário da juíza de primeira instância do Tocantins, o ministro Gilmar Mendes entendeu que as reportagens censuradas do DCM têm relevância jornalística, e sua retirada do ar representa uma “afronta à liberade de expressão”. Leia abaixo:

“Ora, me parece que o fato de a reclamante noticiar a existência de investigações acerca de supostas irregularidades na contratação de shows artísticos pagos com recursos públicos, as quais guardam inquestionável relação com a parte beneficiária, que, além de empresária da banda investigada, é pessoa pública (deputada), por si só, não autoriza a interferência prévia do Poder Judiciário no sentido de determinar a remoção da postagem de conteúdo midiático, sob pena de afronta à liberdade de expressão.

Assim, entendo que o Juízo reclamado, ao obstaculizar a divulgação da matéria jornalística, afrontou a decisão desta Corte formalizada na ADPF 130. Nesse sentido, destaco os seguintes precedentes:

(…)

A crítica que os meios de comunicação social e as redes digitais dirigem às pessoas públicas, por mais dura e veemente que possa ser, deixa de sofrer, quanto ao seu concreto exercício, as limitações externas que ordinariamente resultam dos direitos de personalidade.

Não induz responsabilidade civil, nem autoriza a imposição de multa cominatória ou ‘astreinte’ (…) a publicação de matéria jornalística cujo conteúdo divulgue observações em caráter mordaz ou irônico ou, então, veicule opiniões em tom de crítica severa, dura ou, até, impiedosa, ainda mais se a pessoa a quem tais observações forem dirigidas ostentar a condição de figura pública.”

Francisco Ramos, advogado do DCM, explica que, com a decisão do STF, “a liberdade de imprensa prevalece, sendo proibida a censura prévia, com controle judicial permitido apenas posteriormente, caso haja excessos comprovados.

Kiko Nogueira, diretor do DCM, determinou a imediata republicação das notícias que estavam censuradas assim que tomou conheciento da decisão do STF.

“Tínhamos certeza desde o início que nossas reportagens eram de interesse público e sustentadas unicamente em documentos e investigações do Ministério Público e tribunais de contas desde o momento em que sua publicação foi autorizada”, diz o jornalista.

“Mesmo assim, cumprimos a decisão judicial de primeira instância que instaurava a censura, retiramos as matérias do ar, mas não descansamos até obter a reparação da injustiça, o que agora está ocorrendo por meio de decisão da Suprema Corte. Confiamos no Poder Judiciário brasileiro, trabalhamos dentro da lei e nada nos desviará do objetivo de informar e denunciar à sociedade os fatos e denúncias que julgamos ter relevância jornalística”, conclui.

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