‘Tinder’ de médico é atração no Web Summit de Lisboa, que começa nesta segunda (11)

LISBOA, PORTUGAL – Um “tinder” que permite ao paciente escolher o médico mais adequado para o seu caso. Um “robô” capaz de ler livros de fanfiction e decidir qual tem maior potencial de se tornar best-seller. Uma máquina de checar dados que ajuda executivos a tomar decisões baseadas em evidências. As potenciais aplicações da inteligência artificial são inúmeras e estarão no centro do Web Summit, o maior festival europeu dedicado à economia digital, que começa em Lisboa nesta segunda-feira (11).

“Teremos um palco apenas com painéis sobre inteligência artificial”, diz o português Artur Pereira, responsável pela coordenação das edições do Web Summit em Lisboa e no Rio de Janeiro. “Os principais focos serão as possíveis aplicações, o desafio da regulação e o uso da inteligência artificial na área da sustentabilidade.”

Criado pelo irlandês Paddy Cosgrave, o Web Summit mudou-se de Dublin para Lisboa em 2018 e tem um contrato de dez anos com a prefeitura da cidade. O contribuinte lisboeta paga € 11 milhões (quase R$ 70 milhões) para receber, todos os anos, uma multidão de representantes de big techs, criadores de startups, investidores, cientistas e curiosos de todas as partes do mundo. Sobre a pedra fundamental do Web Summit a prefeitura de Lisboa erigiu um projeto de cidade: criar uma espécie de Vale do Silício no sul da Europa.

“É um trabalho de logo prazo, em que vamos construindo, aos poucos, um ecossistema digital”, diz o português Gil Azevedo. Ele é o diretor da Unicorn Factory Lisboa, um misto de incubadora e aceleradora de startups que atua como plataforma agregadora do ecossistema. Neste ano, a Unicorn Factory Lisboa iniciou uma política de hubs digitais, que espalham startups de diferentes especialidades pelos bairros da cidade. Os dois primeiros foram dedicados às áreas de games e sustentabilidade. O terceiro, que será inaugurado no bairro do Alvalade durante o Web Summit, terá justamente a inteligência artificial como tema.

O Web Summit se espalha por vários pavilhões num monumental centro de eventos às margens do rio Tejo. No ano passado, cerca de 70 mil pessoas passaram por lá. Para não se perder, os participantes do Web Summit baixam um aplicativo onde podem montar a própria agenda, seguindo diferentes trilhas: inteligência artificial, energia sustentável, inovação governamental, entretenimento etc. A ferramenta é interativa e permite ao usuário criar seu próprio evento —que pode ser, por exemplo, uma festa com desenvolvedores e investidores num dos fervilhantes bares da noite lisboeta.

Os brasileiros estão entre os principais frequentadores do Web Summit, e essa presença cresceu a partir de 2023, quando o evento passou a ter uma versão no Rio de Janeiro. No Web Summit lisboeta do ano passado uma empresa brasileira —a Inspira, que usa inteligência artificial na área jurídica, fornecendo aos advogados conteúdo sobre leis e jurisprudências— ganhou o prêmio atribuído anualmente à melhor startup. “Neste 2024 esperamos a maior participação de brasileiros de toda a história do Web Summit”, diz o coordenador Artur Pereira.

O foco em inteligência artificial não se restringe ao Web Summit, um evento passageiro, ou ao Hub do Alvalade, legado permanente da feira digital que será patrocinado por uma big tech. A Nova School of Business and Economics (Nova SBE), a mais bem avaliada faculdade de economia e negócios do país, acaba de fechar uma parceria com Harvard em torno do tema da inteligência artificial. A Nova SBE abrirá uma versão europeia do Digital Data Design Institute (DDDI) da universidade americana.

“Trabalhamos em parceria com empresas privadas, governos ou terceiro setor com o objetivo de descobrir quais as melhores aplicações para a inteligência artificial, sempre tendo no horizonte as questões éticas”, diz a portuguesa Lénia Mestrinho, diretora-executiva do DDDI europeu. Mestrinho já trabalhou com o Prêmio Nobel Muhammad Yunus —atual chefe de Estado do Bangladesh— no desenvolvimento de políticas públicas, e participou das negociações entre o governo português e a União Europeia durante a crise do Euro. Ela vê possibilidades de uso da inteligência artificial em áreas tão diversas quanto essas.

“Dizem que a inteligência artificial irá acabar com vários empregos. Não chego a crer totalmente nisso. Acredito que haverá uma mudança no mercado de trabalho, e quem não souber como usar inteligência artificial em seu dia a dia terá, sim, dificuldade de arranjar emprego”, afirma Mestrinho. O convênio com Harvard inclui a faculdade de Medicina da Universidade Nova. “As possibilidades do uso de dados e inteligência artificial na área de saúde são imensas.”

Ela se refere, por exemplo, ao já citado uso de ferramentas para escolher o médico adequado para cada caso, a partir de uma análise minuciosa do histórico de cada paciente. Mestrinho também enxerga o uso da inteligência artificial para auxiliar diagnósticos. “A supervisão humana é sempre essencial, mas imagino que, com a análise prévia dos dados de um paciente, um clínico geral possa dar mais diagnósticos num período menor de tempo. Isso teria muita utilidade na medicina pública.”

De acordo com Mestrinho, os cursos de inteligência artificial da Nova têm uma procura cada vez maior. “Antes vinham apenas os executivos das áreas tecnológicas. Agora vem gente de todos os setores, pois as empresas perceberam que a nova tecnologia é transversal, irá afetar o dia a dia de todos os trabalhadores.” Para Mestrinho, a essência da inteligência artificial —ajudar as pessoas a tomaremmelhores decisões— provocará uma revolução no mundo do trabalho.

O Web Summit, os hubs da Unicorn Factory Lisboa e as parcerias da Nova SBE com empresas e governos fazem parte do que Gil Azevedo chama de “ecossistema”. Lisboa já é a sexta melhor cidade da Europa para abrir startups, de acordo com um estudo recente. No sul do continente, já ultrapassou Milão e persegue Barcelona —a terceira colocada, atrás de Londres e Berlim. Portugal ainda carece de escala, melhores conexões com o mercado europeu e abundância de capital para que as empresas que nascem no país consigam se desenvolver. O Web Summit, no entanto, cresce a cada ano, atestando que o país e a cidade trilham um caminho promissor.

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