IR: quanto sobra no bolso de quem ganha R$ 5 mil se isenção passar no Congresso?

Declarações do Imposto de Renda na malha fina chegam a 1,47 milhão

Um dos pontos que mais têm chamado a atenção para a proposta anunciada pelo governo na última quarta-feira (27) é a isenção de imposto para quem tem um salário de até R$ 5 mil por mês. A medida ainda precisa ser aprovada pelo Congresso e só será discutida em 2025 para entrar em vigor em 2026. Se o projeto seguir como planejado pelo governo, 36 milhões de contribuintes devem ficar isentos de Imposto de Renda, segundo a Associação Nacional de Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco).

Mas, para entender melhor como essa cobrança é feita hoje e qual o valor que realmente sobraria no bolso desses trabalhadores se as medidas forem aprovadas pelos parlamentares, o InfoMoney buscou ajuda de contadores e advogados para explicar melhor o assunto.

Como funciona hoje

Em primeiro lugar, é preciso entender como é cobrado o imposto, que inclui uma tabela progressiva de alíquotas. Isso porque o Imposto de Renda incide somente sobre aquilo que excede o valor isento de R$ 2.259,20, considerado o mínimo para a pessoa viver e garantir itens fundamentais como saúde e educação. Os valores acima disso começam a pagar imposto, mas de forma escalonada, como explica o diretor executivo da Macro Contabilidade e Consultoria, Wesley Santiago.

Veja a tabela:

Base de cálculo (R$)  alíquota  (%)
Até R$ 2.259,20 0
De R$ 2.259,21 até R$2.826,65 7,5
De R$ 2.826,66 até R$ 3.751,05 15
De R$ 3.751,06 até R$ 4.664,68 22,5
Acima de R$ 4.664,68 27,5

Fonte: Ministério da Fazenda

Quanto o trabalhador ganha

Dessa forma, segundo o diretor da Macro Contabilidade e Consultoria, os trabalhadores que ganham até dois salários mínimos já são isentos de Imposto de Renda, e haverá um impacto mais significativo para aqueles que ganham entre R$ 2.824,00 e R$ 5.000,00 por mês, que atualmente pagam numa escala progressiva de 7,5% até 27,5%.

Numa simulação, se uma pessoa ganha R$ 5.000,00 por mês, ela tem hoje um desconto aproximado de R$ 335,15 de IR todos os meses, e, após a medida de isenção entrar em vigor, esse valor deixará de ser descontado, aumentando efetivamente o valor líquido de recebimento mensal.

Veja abaixo detalhes desta simulação:

  • Salário: R$ 5.000,00
  • Descontos simplificados (deve ser usado esse simplificado ou os descontos legais, tais como: INSS, dependentes, entre outros – o que for mais vantajoso ao trabalhador): R$ 564,80
  • Base de onde será cobrado o IR: R$ 4.435,20
  • Alíquota: 22,5%
  • IRPF que deixa de ser pago: R$ 335,15

Engrenagem delicada

No entanto, essa renúncia fiscal ainda precisa ser aprovada pelo Congresso, que já disse que só vai avaliar isso no ano que vem, votando este ano apenas a parte do plano que corta os gastos do governo. A taxação dos ganhos acima de R$ 50 mil também deve enfrentar a resistência dos parlamentares, o que indica que não será tão simples assim.

Porém, com 36 milhões de brasileiros com mais dinheiro no bolso, isso significaria uma boa injeção de recursos na economia. Assim, o que o governo pode perder de um lado também pode arrecadar do outro, com maior consumo. “Há a questão da inflação, que pode reduzir o poder de compra dessas pessoas, assim como a necessidade de novos aumentos de juros, o que também precisa ser avaliado”, analisa Santiago.

Abono salarial

Dentre outras medidas, o governo também mexeu com o abono salarial, o que deve ter uma repercussão importante, porque quem ganha dois salários mínimos hoje tem direito a um salário de abono, e o governo planeja cortar isso até chegar a pagar esse abono somente para quem recebe 1,5 salário.

Isenção de IR para doença

Outra frente controversa será o fim da isenção de Imposto de Renda para pessoas com doenças graves que tenham renda mensal superior a R$ 20 mil. As despesas que essa pessoa tem com a saúde continuarão sendo dedutíveis, isso não muda, segundo Santiago, mas a isenção será limitada dependendo da renda da pessoa.

“As medidas que o governo tomou acenam para uma justiça social, isentando quem ganha menos e tributando quem ganha mais. Mas o ponto é saber se essas renúncias serão cobertas pelos cortes para que não haja desequilíbrio”, disse o diretor executivo da Macro.

O que dizem os tributaristas

O advogado Jean Pierre Moreau, sócio do Moreau Advogados, concorda que a elevação da faixa de isenção do Imposto de Renda para R$ 5 mil mensais, combinada com o aumento da tributação sobre rendimentos acima de R$ 50 mil, soa como um passo na direção da equidade social.

“No entanto, uma análise mais atenta revela as fragilidades dessa abordagem aparentemente progressista. Ampliar a isenção oferece um alívio merecido para a classe média. No entanto, confiar apenas no aumento da carga sobre as rendas mais altas, um grupo restrito no espectro fiscal, corre o risco de exacerbar o déficit público, especialmente em um país onde a base tributária já é estreita e profundamente dependente de impostos regressivos sobre o consumo”, afirma.

Para ele, a falta de uma reforma ampla e integrada pode agravar a fuga de capitais e investimentos, prejudicando ainda mais a competitividade e o crescimento econômico do Brasil: “Justiça tributária de verdade requer mais do que medidas simbólicas. Haddad busca equilíbrio, mas sem um plano fiscal mais abrangente, sua proposta pode acabar reforçando o próprio desequilíbrio que tenta corrigir.”

Expectativa e realidade

Por isso, a advogada Ana Carolina Monguilod, professora no Insper e sócia no CSMV Advogados, avalia que a reforma tributária é muito importante e complexa e deve continuar levantando discussões. “Estávamos aguardando uma reforma da tributação global e veio essa reforma da tributação da renda”, afirma.

Segundo ela, era preciso ver a redução das alíquotas de IRPJ e CSLL, que em termos nominais são as mais altas do mundo, numa tributação corporativa nominal de 34%. “O que se pretende fazer agora, com essa tributação das grandes receitas de pessoas físicas que auferem ganhos de mais de R$ 50 mil por mês, é, por vias oblíquas, tributar os dividendos sem reduzir o IRPJ e a CSLL. Então, o Brasil vai ter uma tributação muito alta da atividade empreendedora. Vai acabar tendo uma tributação combinada de 34% mais 10%”, explica.

Além disso, a tributação prevista também vai afetar todos aqueles papéis do mercado financeiro e de capitais que hoje são isentos, como LCI, LCA, CRA e CRI, segundo Ana. “Eles são isentos por determinados motivos, e essas isenções deveriam ser revistas individualmente, e não por uma tributação oblíqua de 10% que aparentemente não vai discernir que tipo de renda está sendo auferida. É uma sinalização muito ruim para o mercado e para o investidor.”

De acordo com o advogado Eduardo Krutman, head da área de tributário do RMMG Advogados em São Paulo, a pauta acaba entrando numa discussão mais ampla e conceitual sobre como promover a justiça social por meio do sistema tributário e qual a maneira mais eficiente de se atingir isso.

“Talvez uma abordagem mais interessante seria criar uma sistemática de tributação de pessoa física que tribute apenas aquilo que é acréscimo patrimonial efetivo, ou mecanismos que incentivem a transmissão de recursos das classes mais favorecidas para as menos favorecidas, como, por exemplo, uma dedutibilidade integral destes valores da base de cálculo do imposto. É o que acontece em alguns países desenvolvidos, como os Estados Unidos”, explica ele.

O jurista afirma ainda que existe um movimento global para impor uma tributação mínima àquelas pessoas que historicamente usufruem de uma carga tributária muito baixa. “É o caso do BEPS (Base Erosion and Profit Shifting), citado pelo ministro Fernando Haddad, que é uma iniciativa de todos os países integrantes da OCDE (não apenas do Brasil). Diante disso, as opções de ‘fuga’ de grandes contribuintes vão se tornando cada vez mais escassas.”

The post IR: quanto sobra no bolso de quem ganha R$ 5 mil se isenção passar no Congresso? appeared first on InfoMoney.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.