“Muito cedo para se falar em anistia”, diz futura presidente de tribunal militar

Maria Elizabeth Rocha é a primeira mulher eleita para presidir o Superior Tribunal Militar (Foto: Divulgação/STM)

A futura presidente do Superior Tribunal Militar (STM), ministra Maria Elizabeth Rocha, avalia que é prematura a discussão a respeito de uma eventual anistia para os envolvidos na suposta tentativa de golpe de Estado no Brasil e nos ataques aos Três Poderes da República, em 8 de janeiro de 2023. 

Em entrevista ao blog da jornalista Malu Gaspar, em O Globo, a ministra – que será a primeira mulher a ocupar a presidência da corte militar, a partir de março – afirmou que esse debate é “precoce”. Segundo ela, é necessário esperar que todos os envolvidos nos atos sejam devidamente julgados e responsabilizados pela Justiça.  

Acho que é simplesmente precoce, muito cedo para se falar em anistia. Ainda não tenho os dados para avaliar se ela é pertinente ou não. Então, como diria Dom João VI, quando não se sabe o que fazer, o melhor é não se fazer nada”, disse a ministra. 

“Em primeiro lugar, nem todos os réus ainda foram julgados, apenados – e outros ainda vão ser denunciados. Então, é preciso aguardar para que todos os autores e perpetradores do 8 de janeiro sejam efetivamente julgados para se cogitar que tipo de anistia, porque até tem um indulto presidencial. Existe um indulto que é dado e concedido todos os anos pelo presidente da República, mas precisa-se ver se a situação comporta até o indulto. Talvez não precise nem de anistia, mas vamos guardar”, afirmou Rocha. 

De acordo com a futura presidente do STM, “é preciso ter uma visão completa do que foi o 8 de janeiro, esclarecer tudo, para poder se falar nisso, porque a anistia é perdão, não é esquecimento”. 

“É preciso que se tenha em conta toda a cena do crime. Podemos dizer que, pelo visto, não foi só a depredação do Palácio do Planalto, do Supremo e do Congresso. Ela extrapolou a Praça dos Três Poderes, e aí é preciso ter consciência do que realmente poderia acontecer para se valorar a possibilidade ou não desse perdão. E essa consciência nós ainda não temos, porque depende inclusive da atuação do procurador-geral da República”, afirmou a ministra. 

Questionada se os militares envolvidos na suposta tentativa de golpe devem ser punidos caso sua participação no episódio seja comprovada, Maria Elizabeth Rocha afirmou que “ninguém está acima da lei”. “Nenhum de nós está acima da lei, nem militar, nem ministro, nem magistrado, nem o próprio presidente da República”, disse. 

É um desconforto, sem dúvida nenhuma, porque a instituição [Forças Armadas] acaba pagando pelo mal agir de determinados membros que a integram. Então, realmente é desconfortável, do mesmo jeito que é desconfortável demais para o Poder Judiciário quando há suspeitas de corrupção de assessores ou de magistrados, não importa”, observou. “É desconfortável para qualquer instituição, mas tem que enfrentar. Vai colocar sujeira debaixo do tapete? Não pode ser, não em uma República, não em uma democracia.”

“Ferida aberta”

Para a futura presidente do STM, os ataques de 8 de janeiro de 2023, que completam 2 anos nesta quarta-feira, ainda não foram totalmente superados. 

Isso vai ser como 1964 [quando houve um golpe de Estado no Brasil], vai incomodar ainda por muitas décadas. O 8 de janeiro é uma ferida aberta que vai custar para cicatrizar”, afirmou. 

“É um fantasma que nos atormenta, e que nos obriga a ficarmos vigilantes e reflexivos, porque nós, aqueles que têm um pensamento de vanguarda, que querem que o país progrida, que querem reformar as instituições e distribuir a riqueza de uma forma igualitária, também andamos falhando muito. Os setores progressistas da sociedade têm falhado muito também com as camadas populares”, observou Rocha.

Questionada se os atos violentos de 8 de janeiro teriam deixado alguma “lição” para a sociedade brasileira, a magistrada disse que o fato ocorrido “deu uma lição para todos nós, cidadãos brasileiros, de que a democracia é um processo continuado”. 

“É um pacto intergeracional, igual às Constituições, e que nós sempre devemos estar de olho no que acontece ao nosso redor, na República, nas arenas públicas de discussões, porque, como diz um grande amigo, Flávio Bierrenbach, que também foi ministro do STM, quando a democracia se despede, ela não costuma dizer adeus”, prosseguiu. 

“Nós só nos damos conta de que ela se foi quando ela já partiu. É preciso que nós respeitemos o nosso país e que sempre ergamos a liberdade, porque a liberdade é perigosa. Se a gente pisca o olho, ela pode escapar dos nossos dedos.”

Confiança nas instituições

Segundo Maria Elizabeth Rocha, os brasileiros podem confiar na Justiça Militar do país. 

“Eu tenho de acreditar na Justiça que eu integro e tenho que acreditar que ela busca votar com sabedoria, porque senão não faz sentido eu estar lá dentro e ainda mais presidi-la. Sei que nós somos acusados de corporativismo, em algumas vezes as nossas decisões claudicam. Mas as instituições são falhas”, apontou. 

“Eu acredito sinceramente que, em um caso de uma gravidade tamanha, o Superior Tribunal Militar atuaria com isenção, se fosse o foro adequado para julgar [as investigações sobre a suposta trama golpista].”

Quem é a futura presidente do STM

Maria Elizabeth Rocha é natural de Belo Horizonte (MG) e formada pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). A ministra também é doutora em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

O STM é composto por 15 ministros, dos quais cinco civis e dez militares, cujas cadeiras estão distribuídas entre quatro vagas destinadas ao Exército, três à Marinha e três à Aeronáutica.

A ministra compõe o STM desde 2007, quando foi indicada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ela é a primeira mulher nomeada para o tribunal militar em 216 anos de funcionamento do órgão.

De 2013 a 2015, Rocha chegou a assumir temporariamente a presidência do STM, mas para um “mandato-tampão”.

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