Bolsonaristas e lulistas empatam no apoio à crença de Terra plana, segundo Datafolha

No que acreditam os eleitores de Lula (PT) e os de Bolsonaro (PL)? A divisão de pensamentos e crenças é profunda em diferentes pontos, mas a maior parte dos apoiadores declarados, ao menos, concorda na forma de ver o nosso mundo ou, melhor dizendo, na forma dele, literalmente: redonda. E uma menor parcela deles empata também, percentualmente, no apoio à teoria conspiratória da Terra plana.

Uma pesquisa Datafolha entrevistou 2.008 pessoas (a partir de 16 anos) de 113 municípios brasileiros, de 8 a 11 de abril deste ano. Com um nível de confiança de 95%, a margem de erro geral da pesquisa é de dois pontos percentuais para mais ou para menos, mas esse limite varia quando analisados subgrupos de gênero, idade, renda familiar, escolaridade e cor de pele.

“Na sua opinião, qual é o formato do planeta Terra, redondo ou plano?”, questionaram os pesquisadores.

“Redondo” foi a resposta de 90% dos entrevistados, exatamente o mesmo percentual observado em julho de 2019 quando essa pergunta também foi feita pelo Datafolha.

Enquanto isso, 8% das pessoas afirmaram que o planeta em que giramos no espaço é plano. Em 2019, eram 7%, o que aponta uma oscilação do número.

Outros 3% disseram não saber, igualmente uma oscilação em relação aos 4% de 2019.

Da pesquisa deste ano, consta ainda a divisão conforme a escolha no segundo turno das eleições de 2022. Entre os que declararam ao Datafolha terem votado em Lula, 90% disseram que a Terra é redonda; entre os que declararam voto em Bolsonaro, 91%. Considerando os dois pontos percentuais de margem de erro, dá-se um empate.

O empate se repetiu no apoio à crença de uma Terra plana, teoria já refutada cientificamente, mas na qual afirmaram acreditar 7% dos lulistas e 8% dos bolsonaristas. Os percentuais daqueles que responderam não saber são 3% e 2%, respectivamente.

Vale ressaltar que, durante a pandemia de Covid-19, Jair Bolsonaro deu declarações abertamente anticientíficas e chegou a questionar a vacina contra o Sars-CoV-2. Além disso, outra pesquisa feita em 2023 mostrou uma maior adesão de eleitores lulistas do que bolsonaristas à vacinação contra Covid.

Voltando à pesquisa mais recente do Datafolha, um percentual maior de pessoas com ensino superior (94%), em relação aos só com ensino fundamental (85%), afirma que a Terra é redonda. Mas aqui as margens de erro aqui são maiores: quatro pontos percentuais para mais ou para menos para ensino fundamental; e cinco pontos para ensino superior.

COMO TUDO COMEÇOU

A origem da ideia de uma Terra plana começou na Antiguidade, segundo a Encyclopedia Britannica. Afinal, com menos acesso a informação, não seria de se surpreender imaginar que a Terra é plana; você está em pé, todos os outros a sua volta parecem estar no mesmo nível que você e é difícil de se observar curvaturas significativas ao se olhar no horizonte.

“É parecido com a ideia de a Terra ser o centro do Universo. Vemos o Sol se mover durante o dia, logo é mais fácil pensar que o Sol é que se move e a Terra é a parada”, afirma Filipe Monteiro, astrônomo e pós-doutor do Observatório Nacional.

“Você não consegue enxergar a curvatura da Terra a menos que esteja bem alto. Mesmo em alto mar, você vê plano, não tem fim”, diz Cássio Barbosa, astrofísico da FEI.

Barbosa também aponta que sem o conhecimento sobre como funciona a gravidade, “ligando” os corpos ao centro do planeta, seria mais fácil imaginar tudo como uma superfície plana. “Sem essa noção gravitacional, se você imaginar uma superfície curva, o oceano escorreria”, afirma.

Além disso, atualmente já somos ensinados na escola como funciona a Terra e o Universo, então não chega a ser surpreendente a maior facilidade para compreensão do formato do planeta -sem contar a maior facilidade de acesso a imagens e documentos que atestam isso.

De toda forma, no século 19, a ideia infundada da Terra plana encontrou novos adeptos em uma localidade na Inglaterra. Segundo se sabe, o responsável por isso foi Samuel Birley Rowbotham (1816-1884). De acordo com a Encyclopedia Britannica, foi uma espécie de reação ao progresso científico em andamento naquele momento.

Porém, foi na década de 50 do século passado, com o pequeno grupo Flat Earth Society (Sociedade da Terra Plana), que a teoria conspiratória voltou. A história, então, fica completa -até o momento-, com a chegada da internet e o espalhamento facilitado de teorias sem evidências científicas.

Mas foi possível ter a compreensão que a Terra era redonda um bom tempo antes de termos satélites e humanos no espaço nos mostrando, com fotos, a curvatura do planeta.

Segundo Monteiro, as observações sobre a Terra ser redonda remontam ao filósofo Pitágoras. Aristóteles, também na Grécia antiga, por volta de 500 anos a.C., tinha anotações de observações que apontavam para um planeta -o nosso- redondo, inclusive com o cálculo da circunferência terrestre. Um dos pontos de Aristóteles é a possibilidade de ver a sombra terrestre na Lua durante eclipses.

Ou seja, está longe de ser um conceito novo.

Cássio Barbosa, astrofísico da FEI, afirma que o experimento do matemático Eratóstenes, por volta de 250 a.C., seria a primeira documentação que temos mostrando a Terra redonda. O seu teste, em linhas gerais, consistia em medir, em diferentes locais distantes entre si, a sombra feita por objetos fincados no solo, considerando que um deles se encontraria sem sombra, pelo Sol estar no ponto máximo do céu.

Monteiro aponta que outro ponto conhecido já há tempos é a questão do céu e das estrelas, que é diferente para observadores em diferentes locais do globo.

“A constelação mais conhecida no hemisfério sul é o Cruzeiro do Sul. Mas ela é invisível para habitantes do hemisfério norte”, diz Monteiro. “Por outro lado, a estrela polar é usada é no hemisfério norte para orientação. Isso não seria possível em uma Terra plana.”

O pós-doutor do Observatório Nacional também afirma que em diferentes locais do planeta você enxerga a Lua de formas diferentes.

“O terraplanismo é um conflito com todo o conhecimento que foi acumulado desde a Antiguidade pela humanidade. É preciso fazer um exercício para acabar com essa total desconexão com a realidade”, afirma Monteiro.

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