Sakamoto: Meta diz à AGU que, em nome da liberdade, permitirá chamar LGBT+ de doença

O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, e Mark Zuckerberg, CEO da Meta. Foto: Reprodução

Por Leonardo Sakamoto, no UOL

A Meta, dona do Facebook, do Instagram e do Threads, indicou, em resposta a questionamentos da Advocacia Geral da União (AGU) sobre as mudanças na moderação de seu conteúdo anunciadas pelo CEO, Mark Zuckerberg, que resolveu “garantir mais espaço para a liberdade de expressão”. Ao mesmo tempo, colocou em risco a vida e a dignidade de grupos sociais, como a população LGBT+. Ou seja, a despeito da Constituição Federal do Brasil pôr todos os direitos em pé de igualdade, a empresa decidiu privilegiar um em prejuízo de outro.

Na resposta, a empresa reconheceu que alterou a Política de Conduta de Ódio. “Tais atualizações procuram simplificar o conteúdo da política de modo a permitir um debate mais amplo e conversas sobre temas que são parte de discussões em voga na sociedade”, aponta o texto enviado à AGU.

Mas o que diz o novo texto dessa política: “Permitimos alegações de doença mental ou anormalidade quando baseadas em gênero ou orientação sexual, considerando discursos políticos e religiosos sobre transgenerismo e homossexualidade, bem como o uso comum e não literal de termos como ‘esquisito’”.

Em outras palavras, a Meta disse à AGU que, em nome da liberdade de expressão, permitirá a defesa pública de que a população LGBT+ é feita de anormais ou doentes mentais — o que bate de frente com os nossos princípios constitucionais. Vale lembrar que a longa história das tragédias humanas já mostrou o que acontece quando discursos são repetidamente martelados para convencer que um grupo é uma anomalia: pessoas se colocam à disposição para corrigi-lo ou eliminá-lo.

(Um detalhe: a sociedade brasileira não está discutindo se homossexualidade é doença, isso está em voga entre os ultraconservadores.)

Logo da Meta. Foto: Divulgação

A empresa alega que a sua política continua a definir orientação sexual, sexo e identidade de gênero como características protegidas. A questão é que, com essa mudança, ela estreitou bastante o significado do termo “protegida” e ampliou o leque dos ataques que são aceitos.

De acordo com a Constituição Federal do Brasil, nossos direitos individuais são limitados pelos direitos de terceiros e da coletividade, em um delicado equilíbrio. Em nosso ordenamento jurídico, a liberdade de expressão não é direito absoluto porque não há direitos absolutos — nem a vida é, caso contrário, não haveria a legítima defesa.

Mas há os que argumentam que, em uma democracia, a liberdade de expressão deve ser mais importante que os demais direitos, o que significa poder para atacar, inclusive, a liberdade alheia.

Com isso, caímos no “paradoxo da tolerância”. Se uma sociedade tolerante aceita a intolerância como parte da liberdade de expressão ela pode vir a ser destruída pelos intolerantes. Como analisou o filósofo Karl Popper, a liberdade irrestrita leva ao fim da liberdade da mesma forma que a tolerância irrestrita pode levar ao fim da tolerância.

No Brasil, todos nós podemos ser responsabilizados quando abusamos da nossa liberdade de expressão, atropelando a lei. Intolerantes chamam essa responsabilização de censura.

O termo “censura”, aliás, funciona há tempos como um gatilho para mobilizar extremistas. Costuma ser empregado por lideranças quando o seu “direito” de calar ou incitar violência contra mulheres, negros, religiões de matriz africana, migrantes, pessoas LGBT+ está em risco.

As Big Techs vem abraçando a defesa da “liberdade de expressão”, engajando-se contra projetos de legislação na Europa, no Brasil ou na Austrália que regulem sua responsabilidade sobre o conteúdo publicado. Maior do que a preocupação com esse direito fundamental é aquela com o gasto multibilionário que essas empresas terão que fazer, em todo o mundo, para monitorar crimes cometidos em suas redes sociais.

A Meta está ganhando tempo. Se dependesse do escritório brasileiro, Zuckerberg não teria dado a declaração que deu, alinhando-se ao governo Trump em busca da tão sonhada “liberdade absoluta” para o seu negócio.

Com isso, a empresa pode ser suspensa por aqui, caso se negue a cumprir ordens judiciais de remoção de conteúdo contra a população LGBT+, por exemplo. O ministro Alexandre de Moraes reafirmou ontem que redes só operam no Brasil se respeitarem as leis vigentes no país, independentemente de “bravatas de dirigentes irresponsáveis”. Zuckerberg, que tinha dado um recado para a Suprema Corte brasileira ao falar “de cortes secretas” na América Latina onde decisões são tomadas, também recebeu um de Moraes.

Ele deve apostar que sua empresa, ao contrário da companhia de Elon Musk, é muito grande para cair, pois está profundamente integrada à economia. Como já disse aqui, para não rasgar dinheiro, conviria a ele ouvir sua equipe da filial de São Paulo a fim de entender como funciona as nossas instituições, a nossa Constituição e o tamanho do faturamento dele no Brasil — imensamente maior que o do X.

Conheça as redes sociais do DCM:
⚪️ Facebook: https://www.facebook.com/diariodocentrodomundo
🟣 Threads: https://www.threads.net/@dcm_on_line
Adicionar aos favoritos o Link permanente.