Ciência Projeto Pele de Tilápia celebra 10 anos e lança oferta pública para aquisição do biomaterial por empresas O Edital nº 01/2025 é direcionado a empresas interessadas em obter o produto para preparo de curativos voltados ao tratamento de lesões em humanos e animais

A pele da tilápia é, desde 2015, protagonista de um número crescente de investigações científicas para o tratamento de queimaduras na medicina regenerativa brasileira, baseada em técnica inovadora criada na Universidade Federal do Ceará (UFC), em parceria com representantes da sociedade. Ao longo de 10 anos, avanços de outras abordagens ampliam suas possibilidades de emprego no tratamento de queimaduras, úlceras, em cirurgias de reconstrução vaginal, na redesignação sexual e na veterinária, entre outras.

Para expandir o alcance dos tratamentos à base desse biomaterial, a Coordenadoria de Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia (CPITT) da Universidade Federal do Ceará lançou oferta pública para uso da pele da tilápia liofilizada como curativo no tratamento de lesões em humanos e animais. O Edital nº 01/2025 é direcionado a empresas interessadas em obter o produto para preparo de curativos voltados ao tratamento de lesões em humanos e animais.

O produto é uma solução inovadora que melhora substancialmente a qualidade de vida dos pacientes, reduzindo o limiar de dor, o número de trocas de curativos, o risco de infecções, a permanência hospitalar, o gasto de insumos médicos, além de diminuir a carga de trabalho da equipe médica durante o tratamento de queimaduras e feridas. O biomaterial também originou novos métodos cirúrgicos que reduzem a morbidade pós-operatória, os custos cirúrgicos e a necessidade de autoenxertos (procedimento cirúrgico que consiste na transferência de um tecido ou órgão do próprio paciente para outra parte do corpo), acelerando ainda a recuperação após intervenções mais invasivas.

A oferta busca selecionar a proposta mais vantajosa para concessão de licença exclusiva para uso, desenvolvimento, produção e comercialização da patente intitulada “Processo de obtenção de curativo biológico oclusivo, uso do mesmo e kit” (BR 102019023961) registrada pela UFC no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).  

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As empresas interessadas devem enviar as propostas até o dia 14 de fevereiro de 2025 pelo e-mail [email protected]. Todos os documentos necessários estão descritos no edital da oferta pública (https://ufcinova.ufc.br/pt/oferta-publica-2/).    

Projeto pele de tilápia

Os estudos sobre o uso da pele da tilápia na medicina regenerativa foram iniciados em 2015 por pesquisadores da UFC e pelo médico Edmar Maciel Lima Júnior, do Instituto Dr. José Frota. As primeiras descobertas foram alcançadas no Núcleo de Pesquisas e Desenvolvimento de Medicamentos (NPDM), sob coordenação do professor Manoel Odorico de Moraes Filho.

Inicialmente, as pesquisas trabalhavam sob a perspectiva de aplicação apenas no tratamento de queimaduras de segundo grau e em feridas agudas ou crônicas. Até então, a medicina brasileira não dispunha de nenhuma cobertura cutânea temporária de origem animal para o tratamento dessas lesões – à diferença, por exemplo, dos Estados Unidos, onde a pele de porco é utilizada para essa finalidade e em larga escala. A importação do produto norte-americano nunca se mostrou comercialmente viável no Brasil, e a pele da tilápia, então, surgiu como uma alternativa revolucionária para preencher essa lacuna.

Isso porque os estudos empreendidos por Edmar Maciel – juntamente com a equipe de Histologia da professora Ana Paula Negreiros, da Faculdade de Farmácia, Odontologia e Enfermagem (FFOE) da UFC – identificaram a existência de grande conteúdo de colágeno tipo I na pele da tilápia, uma proteína que, ao interagir com feridas ou queimaduras, promove a aceleração dos processos de cicatrização e de reparação da matriz dérmica. A derme do peixe adere ao leito da lesão, evitando a perda de líquidos, promovendo uma barreira à invasão bacteriana e proporcionando o alívio da dor.

Atualmente, 337 pesquisadores estão envolvidos nos estudos de desenvolvimento de novos produtos com a pele da tilápia, espalhados por nove países, como Colômbia, Argentina, Guatemala, Estados Unidos, Alemanha e Holanda. Toda essa rede de investigação, que soma 100 projetos de pesquisa, está sob a coordenação de Edmar Maciel. Além do coordenador, também são inventores a Profª Maria Elisabete Amaral de Moraes, o Prof. Carlos Roberto Koscky Paier e o Prof. Felipe Augusto Rocha Rodrigues, atualmente no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE). Além da pele liofilizada, foram desenvolvidos a pele no glicerol, a matriz acelular e o colágeno purificado de pele de tilápia, para os quais existem ou foram solicitadas patentes no Brasil e no exterior.  

Os estudos com esses produtos – já realizados, inclusive, em parceria com instituições como a NASA, a FIOCRUZ e o BUTANTAN – geraram, até o momento, 41 publicações em revistas científicas nacionais e internacionais e mais de 950 matérias publicadas na imprensa de 62 países, em 17 idiomas. Além disso, angariaram ao todo 25 premiações, todas em primeiro lugar, incluindo o Prêmio Eurofarma de Inovação.

Ao todo, a UFC depositou quatro patentes com produtos desenvolvidos a partir da pele da tilápia. Os produtos já foram utilizados em missões médicas para cuidado de vítimas de incêndio na Califórnia, Líbano, Pantanal e Uberaba e de enchentes no Rio Grande do Sul. O invento também é reconhecido midiaticamente, com citações nas séries Grey’s Anatomy, The Good Doctor, Vampiros, The Resident e One Piece. Em 2019, a pesquisa foi apresentada no Palácio do Planalto do Brasil.  

A tilápia

A tilápia-do-nilo, da qual é retirada a pele para os referidos estudos, é o peixe mais consumido no Brasil. Originalmente de água doce (por mais que recentemente tenha se adaptado ao mar brasileiro), o peixe é de fácil reprodução e existe em grandes quantidades no Brasil, especialmente no Nordeste.

Apesar do grande consumo, a pele da tilápia costuma ser descartada, e apenas 1% dela é utilizado no artesanato. Esse fato garante a viabilidade econômica do uso desse material. Além disso, animais aquáticos disseminam menos doenças que os terrestres, o que torna a pele da tilápia clinicamente mais segura.

Por Agência UFC

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