Sakamoto: fake do Pix, político engana trabalhador ao tratar sonegador como heró

O deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Foto: Douglas Magno/AFP

Por Leonardo Sakamoto, no UOL

Após semanas de um ataque de desinformação, principalmente por parte da oposição, que difundiu de forma mentirosa que transações via Pix seriam taxadas, o governo Lula revogou, nesta quarta (15), a norma da Receita Federal que trazia novas regras para fiscalização de movimentações financeiras. Com isso, uma Medida Provisória será editada para equiparar pagamento por Pix a dinheiro e evitar que comércios, pautados pelas fakes, cobrem taxas dos consumidores.

Tanto os muito ricos quanto os seus representantes políticos estavam te tratando como otário quando diziam que o Pix seria taxado, contando com o fato que as pessoas ainda não têm o hábito de checar informações. Depois que a fake passou a ser desmentida, os mesmos responsáveis pela mentira original passaram a dizer que o Pix seria usado para caçar pequenos empreendedores e quebrar o sigilo de transações.

A tática de mudar o tom da acusação é manjada e visa manter esse pessoal sempre à frente, pautando o que quiser e controlando o debate público. Até porque lucram quando reina o caos.

Na prática, a nova norma da Receita Federal apenas incluía bancos e financeiras digitais, empresas de maquininhas e afins entre aquelas que precisavam prestar informações, coisa que já era feita há anos pelos bancos tradicionais.

Além das movimentações que já eram informadas a partir de um patamar sobre quem tinha conta em banco, passariam a ser comunicadas as que tiveram origem em instituições financeiras. Isso incluiria Pix, TED, poupança. Antes, eram enviadas informações de pessoas que registravam entradas ou saídas de mais de R$ 2 mil mensais ou empresas que movimentavam a partir de R$ 6 mil. Com a nova norma, seriam informados os que superassem R$ 5 mil e R$ 15 mil, respectivamente.

O sigilo não seria quebrado. Não seriam informadas quais as movimentações, apenas se o total delas ultrapassasse esse piso no mês. Então, ninguém saberia se você comprou picanha ou pagou pelo streaming de sexo na internet.

Para que isso? Para combater sonegação de impostos. E todos os que não são isentos precisam pagar impostos, proporcionalmente à sua renda.

O foco da Receita, contudo, não é e nunca foi nos pequenos empreendedores —que, aliás, em sua imensa maioria, pagam sua mensalidade de MEI e estão quites com suas obrigações. A atenção é nos peixes grandes, que devem centenas de milhares de reais em Imposto de Renda, ou nas baleias, com milhões em grana não paga.

Sempre foi assim, tanto que essa regra já existia com as contas bancárias e ninguém surtava nas redes. Apenas os sonegadores.

O grande show de ilusionismo dos mais ricos e de seus representantes políticos, nas últimas semanas, foi que conseguiram convencer que a luta deles para sonegar impostos também é a luta dos pequenos empreendedores. Mas não é. A realidade de ambos é separada por um abismo.

Os ricos pagam escolas e planos de saúde privados caríssimos para suas famílias, mas os pequenos empreendedores e demais trabalhadores dependem de escolas, creches, postos de saúde e hospitais públicos. Os ricos têm carros caros e moram perto do trabalho e do lazer, mas os pequenos empreendedores e demais trabalhadores dependem de transporte público, subsidiado com grana de impostos.

Ou seja, os pequenos empreendedores e demais trabalhadores, na grande maioria das vezes, precisam dos serviços públicos bancados com dinheiro de impostos —impostos que deveriam vir principalmente do bolso de quem tem mais dinheiro. Mas muitos dos pequenos, nestas semanas, estava atuando como guerreiros da sonegação dos ricos— sonegação que prejudica principalmente eles próprios.

Ou seja, estão sendo usados como bucha de canhão de gente rica. Mais uma vez. Cruel, né?

Vamos ao ponto: a quem interessa a grande sonegação? Acredite, não é quem rala entregando comida, ganhando pouco ao dirigir por aplicativo, vendendo comida na rua e fazendo bico na construção.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O nosso país é um paraíso para quem é muito rico e dribla o Imposto de Renda, pagando proporcionalmente menos que a classe média. O governo Lula nem encaminhou ainda a sua proposta de taxar quem ganha mais de R$ 600 mil por ano e não paga, pelo menos, 10% de imposto, e já ouviu muito ranger de dentes.

Infelizmente, sonegador de milhões é vendido como herói e exemplo a ser seguido, pois venceu o “Estado gastador” quando, na verdade, um sonegador de bilhões causa mais dano ao tecido social do que alguém que roubou comida porque a família estava com fome.

Não se tem notícia, porém, de que sonegadores, que evitam que bilhões sejam investidos em educação, saúde, transporte e segurança, precisem se preocupar com quem grita “bandido bom é bandido morto”. Como falta amor no mundo, mas também falta interpretação de texto, esta coluna não defende que ricos sejam executados com tiros nas costas nas calçadas como quem rouba sabão líquido no Oxxo. Mas que a justiça, seja ela social ou tributária, alcance a todos.

É possível fazer com que os trabalhadores paguem menos imposto. Para isso, os ricos devem pagar mais.

Há meio trilhão de reais em benefícios e subsídios concedidos a empresas que podem ser reduzidos. As classes alta e média alta se beneficiam da dedução ilimitada de gastos em saúde no Imposto de Renda que precisam ser revistos. Isso sem contar que seria civilizatório acabar com a isenção de dividendos recebidos de empresas, que fazem com que os super-ricos paguem menos imposto que os pequenos empreendedores e demais trabalhadores.

(Lembrando a todos que você, que parcelou o Renegade em 24 vezes, não é super-rico. Estamos falando de gente que fatura milhões e bilhões por ano.)

O mais irônico de tudo isso é que muitos dos mesmos que disseram ser um absurdo a cobrança de Imposto de Renda de quem ganha mais de R$ 5 mil por mês são os mesmos que criticaram quando o governo sugeriu isentar do Imposto de Renda quem ganha até R$ 5 mil por mês.

Hipocrisia? Magina. Excesso de esperteza. O povo é que se lasque.

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