“Os Sonhos de Pepe”, uma pérola imperdível nos cinemas

Primoroso documentário de Pablo Trobo sobre o ex-presidente do Uruguai Pepe Mujica está em cartaz no Una Cine Belas Artes

Patrícia Cassese | Editora Assistente

Em meio às megaproduções que se espraiam por várias salas de cinema dos grandes complexos, um documentário imperdível (na minha opinião, claro) ocupa apenas um horário em um endereço conhecido por abrigar filmes de arte: o Una Cine Belas Artes. É provável (muito provável) que aqueles que comprarem ingressos para assistir a “Os Sonhos de Pepe” (“Los Sueños de Pepe – Movimiento 2052”), o longa em questão, não estejam ali norteados pela máxima de conferir o filme da hora. Ao contrário, provavelmente se deslocaram de casa para conhecer ainda mais essa figura tão querida e rara que é José Mujica, ex-presidente do Uruguai e uma das vozes mais influentes da América Latina.

O documentário, vale dizer, é a parte um de uma trilogia dirigida pelo uruguaio Pablo Trobo. Como informa o material de apresentação do filme, ele conheceu Pepe Mujica ainda como cinegrafista, no curso da campanha presidencial. No Brasil, “Os Sonhos de Mujica” entrou em cartaz em circuito comercial no último dia 5, embora tenha sido exibido no Festival do Rio de 2024. Evidentemente, é também provável que quem for assistir ao filme já tenha informações suficientes do personagem retratado e, sendo assim, está afinado às suas ideias.

Mesmo assim, a produção consegue ser um deleite. Claro, óbvio, primeiramente pelo personagem, por Mujica. Mas também pelas situações registradas, assim como pela magnitude das imagens captadas e, tão importante quanto, pela edição, primorosa (acredite, não menos). Sim, Trobo assina tudo isso.

Reflexões

Logo no início, vemos Mujica colocando à mesa algumas reflexões que lembra ele, acompanham o homem desde sempre em sua trajetória na Terra. Como o sentido da vida. “E, dentro dessa pergunta eterna, cabe outra pergunta: a vida humana tem sentido no sentido da vida?”, indaga. Certo, considerando o comportamento da humanidade, fica difícil responder afirmativamente a essa pergunta. “Vamos para o holocausto ecológico?”, indaga o filme, no momento em que a tela é ocupada pela imagem de um urso polar nadando, numa alusão à elevação dos níveis do oceano, decorrente do aumento da temperatura na terra e do consequente derretimento de geleiras.

Críticas

No curso do documentário, há críticas claras ao modo de vida consumista, ao apreço pela acumulação de bens. E, obviamente, apontamentos ao que tudo isso provoca no planeta – como o impacto na vida dos povos que historicamente estão à margem do capitalismo, caso dos originários. É até redundante, mas, ok, vamos assinalar. Mujica não se alinha ao modo de vista capitalista, jamais, em tempo algum. Aliás, o documentário trata de mostrar a casa simples que esse líder inato habita, em uma comunidade rural de Montevidéu.

Mesmo quando esteve à frente da presidência do Uruguai, Mujica seguiu com seu estilo de vida austero, muito longe do ostentado pela esmagadora maioria dos chefes de estado mundo afora. O documentário lembra que, desde que se tornou presidente, em 2010, Mujica passou a doar 90% do salário, assim como seguiu vendendo as flores que plantava junto à mulher, senadora. Na verdade, em determinado trecho, Pepe desdenha – educadamente, como é de seu feitio – o uso de tapetes vermelhos e cornetas para anunciar a chegada de um chefe de estado. Ao contrário, lembra que quem governa um país deve viver com os valores da maioria, e não da minoria. Soa tão óbvio, mas, ao mesmo tempo, tão diametralmente oposto ao que se vê.

Coveira de si mesma

No documentário, Mujica relembra sua juventude, os desacertos ligados à idade, mas é patente que se orgulha de olhar para trás e se ver como parte de um grupo que “assumiu a militância pela vida como razão de viver”. E, assim, parte do grupe dos que entregaram a juventude, a vida, a uma causa, “uma razão de viver”. Foi um rapaz que um dia teve o sonho de mudar a realidade. Mas Mujica ressalta que há muita gente por aí que não entende essa opção. Esses, diz, inventaram uma outra causa pela qual viver. Pepe exemplifica: “Perguntei a um nonagenário que conheço: ‘Quando vai parar?’. E ele respondeu: ‘Não posso parar.. de acumular dinheiro’”.

“Acumular dinheiro é a razão dele de viver”, lamenta o ex-presidente. “Então, temos uma civilização sem um rumo político, guiada pelo mercado. E temos um boom tecnológico”. Mujica aventa se a Índia tivesse o mesmo número de carros per capita como, por exemplo, na Alemanha. Mas a natureza tem limites. Não é só a mudança do clima. Temos córregos sem peixes, abóboras que não crescem por falta de insetos polinizadores. Há crise de minhocas, há mil manifestações da natureza que apontam aos fenômenos que interagem e que conhecemos, e milhares que não percebemos no meio ambiente, no ar que respiramos”.

Porque, lembra Mujica, a natureza tem limites. “A ciência sabe disso”, situa. Daí, coloca em cena outra pergunta oportuna: “A humanidade será a sua própria coveira?

E mais

No curso do documentário, Mujica se encontra com o então presidente norte-americano Barack Obama, viaja para o Japão, fala sobre a legalização da maconha – o Uruguai foi o primeiro país a liberar o mercado da maconha, obtendo críticas e aplausos do mundo… Também relembra o período na prisão, onde passou sete anos sem ler. Lá, conta, descobriu que até as formigas gritam. Aliás, há um recurso onírico muito bacana colocado pelo diretor neste momento, em uma cena de uma estação de metrô.

Também sobre a prisão, ele conta dos pequenos gestos de solidariedade de alguns que estavam incumbidos de vigiá-los (os presos políticos), e fala sobre ter descoberto que mesmo no exército uma luta de classe se faz presente. Ah, sim. Sobre Obama, Mujica lembra: “Os presidentes fazem o que podem, e nos EUA podem menos”.

Confira, abaixo, o trailer

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