{"id":175,"date":"2024-03-05T17:41:48","date_gmt":"2024-03-05T20:41:48","guid":{"rendered":"https:\/\/agencia7.jornalfloripa.com.br\/agencia7\/175"},"modified":"2024-03-05T17:41:48","modified_gmt":"2024-03-05T20:41:48","slug":"amanha-de-marcos-pimentel-mostra-os-dois-lados-da-barragem-santa-lucia","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/agencia7.jornalfloripa.com.br\/agencia7\/175","title":{"rendered":"\u201cAmanh\u00e3\u201d, de Marcos Pimentel, mostra os dois lados da Barragem Santa L\u00facia"},"content":{"rendered":"
J\u00e1 exibido em festivais como o CineBH e Forum.doc 2023, o document\u00e1rio de Marcos Pimentel entra em cartaz<\/em><\/p>\n Patr\u00edcia Cassese | Editora Assistente <\/strong><\/p>\n Produ\u00e7\u00e3o documental mineira que entra nesta quinta-feira em circuito, \u201cAmanh\u00e3\u201d, de Marcos Pimentel, lan\u00e7a o foco sobre a vida de dois moradores \u2013 J\u00falia Maria e Cristian \u2013 do Aglomerado Santa L\u00facia\/Morro do Papagaio em dois momentos distintos. Primeiramente, quando os dois ainda eram crian\u00e7as, em 2002, e, depois, passados 20 anos, ou seja, em 2022. Na verdade, h\u00e1 um terceiro personagem, Jos\u00e9 Tom\u00e1s, que mora a poucas quadras de Julia Maria e Cristian de Miranda, por\u00e9m, inserido em uma realidade bem distinta: a dos bairros de classe alta e m\u00e9dia alta da regi\u00e3o, como o S\u00e3o Bento. Outra presen\u00e7a constante na narrativa \u00e9 a de Cristiana Santos, a ador\u00e1vel m\u00e3e de J\u00falia e Cristian.<\/p>\n No citado recorte inicial, o filme acompanha a amizade entre os tr\u00eas garotos. Ocorre que, j\u00e1 adulto, Jos\u00e9 Tom\u00e1s n\u00e3o quis participar do desenlace do document\u00e1rio. O que, diga-se, n\u00e3o afetou o resultado: um filme tocante, sens\u00edvel e que ecoa, sem ser panflet\u00e1rio, os abismos sociais existentes no Brasil. Exibido em festivais como 17\u00ba CineBH e no 27\u00ba Forumdoc, \u201cAmanh\u00e3\u201d arrebanhou, no m\u00eas passado (fevereiro), a men\u00e7\u00e3o honrosa no 5\u00ba Piren\u00f3polis Doc. Produzido pela Tempero Filmes<\/a>, o longa de Marcos Pimentel \u00e9 distribu\u00eddo pela Descoloniza Filmes<\/a>.<\/p>\n Em entrevista ao Culturadoria, Marcos Pimentel conta que o in\u00edcio de toda a empreitada, em 2002, coincide com a chegada dele em BH. \u201cSou de Juiz de Fora, e, na verdade, j\u00e1 estava habituado a vir v\u00e1rias vezes a Belo Horizonte, pois tinha parentes aqui. Mas, naquele per\u00edodo, resolvi efetivamente me mudar para c\u00e1. E quando chego, come\u00e7o a permitir que me perder pela cidade, para tentar entender mais algumas coisas (da din\u00e2mica da capital mineira)\u201d, relembra.<\/p>\n Assim, um dos lugares o qual ele come\u00e7ou a ir com certa const\u00e2ncia era a Barragem Santa L\u00facia. \u201cEra aquele papo de chegar para fazer caminhada\u2026 Por\u00e9m, comecei a entender processos (que ocorriam na regi\u00e3o) que me pareceram preocupantes. A Barragem Santa L\u00facia tem a coisa de escancarar diferen\u00e7as sociais. Claro, n\u00e3o s\u00f3 l\u00e1, outros lugares da cidade tamb\u00e9m. Mas ali, no entorno, est\u00e3o bairros como o Vila Paris e S\u00e3o Bento, que s\u00e3o de classe m\u00e9dia alta. E, do mesmo modo, (est\u00e1) um local cheio de fragilidades\u201d, diz Pimentel.<\/p>\n No meio de tudo isso, existe a lagoa (formada pelo represamento do c\u00f3rrego do Leit\u00e3o, ocorrido nos anos 1960). Em torno dela, lembra Pimentel, uma pista circular. \u201cComecei a observar que as pessoas que moravam nos pontos mais abastados, no S\u00e3o Bento ou Vila Paris, iam l\u00e1, se exercitar, mas n\u00e3o o faziam o percurso na pista completa. Assim, em certo ponto, davam a volta. Era como se houvesse uma linha pontilhada, invis\u00edvel, que dividisse a barragem ao meio. Ou seja, as pessoas da caminhada ocupavam um lado. E as da favela, mesmo que eventualmente descessem, que ficassem no parquinho ou promovessem bailes, em outro. Desse modo, cada um de um lado. E isso, naquela fase de virada de mil\u00eanio, me pareceu estranh\u00edssimo, um apartheid mesmo\u201d.<\/p>\n Ao decidir ter aquele recorte urbano como ponto de partida de um document\u00e1rio, Marcos Pimentel optou por mostrar crian\u00e7as que, conquanto nascidas na mesma regi\u00e3o, viviam em realidades diametralmente opostas. \u201cOptei por trabalhar com crian\u00e7as pelo fato de elas n\u00e3o terem (nesta etapa da vida) preconceitos. Porque, na verdade, somos n\u00f3s (adultos) que os introjetamos nelas\u201d.<\/p>\n Ent\u00e3o, nesta fase inicial de \u201cAmanh\u00e3\u201d, cada um dos dois, digamos assim, \u201clados\u201d, foi conhecer a vida do outro. \u201cE as crian\u00e7as foram \u00f3timas, se entenderam super bem. Claro, houve alguns estranhamentos \u2013 ali\u00e1s, o filme fala o tempo todo de gente que, ao mesmo tempo que geograficamente est\u00e1 pr\u00f3xima, est\u00e1 distante. Assim, ali, a gente estava propondo romper as tais barreiras invis\u00edveis\u201d. Mas um primeiro problema se sobrepujou ao roteiro tra\u00e7ado na cabe\u00e7a de Marcos Pimentel: Cristian simplesmente sumiu. At\u00e9 ent\u00e3o, Marcos Pimentel confessa que n\u00e3o tinha uma ideia bem delineada do que ia acontecer com aquele material inicial. \u201cMas (aquilo vivido) foi t\u00e3o forte que passei os anos seguintes repetindo frases das crian\u00e7as, contando a experi\u00eancia. Foi muito intenso\u201d. Ele lembra que, em certo momento das cenas iniciais, Cristian est\u00e1 em um campinho que hoje nem existe mais \u2013 atualmente, \u00e9 uma unidade de uma grande rede de supermercados. \u201cEm um momento, l\u00e1, em 2002, Cristian olha para a gente e fala: \u2018Voc\u00eas v\u00e3o voltar amanh\u00e3?\u2019. E a gente, que \u00e9 documentarista, sabe que visita os locais, passa um tempo com os personagens, mas, quando acaba, vai embora, \u00e9 a vida que segue. No entanto, aquela pergunta dele ficou soando em mim, porque n\u00e3o sabia se iria voltar. Fiquei com essa inquieta\u00e7\u00e3o\u201d.<\/p>\n N\u00e3o bastasse, no curso dos anos, Marcos Pimentel acabou se cruzando com Cristian, muitas vezes em situa\u00e7\u00f5es nem sempre positivas. \u201cComo tentando furtar em sinais (de tr\u00e2nsito). Todas as vezes, eu o chamava pelo nome, ele se assustava e corria\u201d. Desse modo, foi crescendo, no cineasta , a ideia de que sim, ele tinha que voltar ao Morro do Papagaio. \u201cE o pa\u00eds foi mudando tanto e t\u00e3o rapidamente, que, passados 20 anos, vi que era o momento ideal para voltar\u201d.<\/p>\n Em 2022, o Brasil estava saindo da pandemia, enquanto as elei\u00e7\u00f5es presidenciais para o mandado 2023-2026 estavam em vias de acontecer. N\u00e3o bastasse, Marcos Pimentel acabou filmando, neste intervalo, de uma copa do mundo a outra. \u201cAssim, as mudan\u00e7as pelas quais aquelas crian\u00e7as passaram representam, de certa forma, o que esse pa\u00eds viveu\u201d. No entanto, como dito, Jos\u00e9 Tom\u00e1s n\u00e3o quis participar da nova etapa. \u201cA gente sentiu muito, mas, na verdade, para mim, \u2018Amanh\u00e3\u2019 \u00e9 um filme da J\u00falia e do Cristian. Foram eles que ficaram esperando a nossa volta. Ent\u00e3o, optamos por n\u00e3o interromper o projeto mesmo uma das partes envolvidas l\u00e1, no in\u00edcio, ter decidido n\u00e3o continuar\u201d.<\/p>\n Na nova jornada, Marcos Pimentel teve que lidar com altos e baixos. \u201cEm dado momento, a pr\u00f3pria J\u00falia se compara a uma montanha-russa. Ela lida com a depress\u00e3o. Assim, em alguns momentos da filmagem, desaparecia, dava um perdido. S\u00e3o coisas que vou revelando ao longo do processo\u201d, diz. O cineasta tamb\u00e9m ressalta que, na retomada, a forma\u00e7\u00e3o da equipe era outra. Composta, vale dizer, por muitas pessoas do pr\u00f3prio Morro do Papagaio, como Gabriela Matos.<\/p>\n Perguntado sobre como recebeu a negativa de Z\u00e9 Tom\u00e1s, primeiramente Pimentel diz ser muito a grato a ele e aos pais, que, l\u00e1 atr\u00e1s, receberam a proposta super bem. \u201cA op\u00e7\u00e3o dele foi a de n\u00e3o entrar agora, ent\u00e3o, n\u00e3o for\u00e7amos nada. Respeito a decis\u00e3o\u201d. Em certa medida, o filme \u00e9 muito os dois \u2013 J\u00falia e Cristian \u2013 fabulando sobre o amigo de inf\u00e2ncia. Inclusive, mostra os irm\u00e3os indo \u00e0s redes sociais para tentar encontr\u00e1-lo e ver o que aconteceu na vida do antigo amigo. \u201cEm certo momento, diante da recusa, sinto que a Julia tenta defend\u00ea-lo\u201d, diz o diretor.<\/p>\n No entanto, Marcos Pimentel entende que o rumo que a empreitada tomou tem muito a ver com Brasil atual. \u201cMas, na verdade, uma das reflex\u00f5es que fa\u00e7o \u00e9 que o Brasil sempre foi um pa\u00eds dividido. E uma das coisas que mais me interessam s\u00e3o as reflex\u00f5es geradas a partir da quest\u00e3o: \u2018que modelo de cidade a gente quer para a gente’\u201d. Neste ponto, ele cita um momento do filme, ainda na primeira etapa, a de 2002, quando um seguran\u00e7a de um shopping center aborda Julia nos corredores do complexo. \u201cS\u00e3o v\u00e1rias linhas. Como quando a Cristiana fala das v\u00e1rias vezes nas quais ela pede \u00fcber e, quando o motorista chega, n\u00e3o aceita subir, ou nem mesmo para\u201d.<\/p>\n Na verdade, Pimentel entende que o racismo \u00e9 uma ferida n\u00e3o sanada da sociedade. \u201cAs cidades s\u00e3o muito desiguais, n\u00e3o pensadas para abra\u00e7ar a tudo e todos. Olha o que aconteceu com a resid\u00eancia da Cristiana (o filme mostra um processo de desapropria\u00e7\u00e3o, no qual ela perde tudo o que construiu). Simplesmente chegam e arrancam as fam\u00edlias de uma hora para a outra\u2026 Porque isso sempre acontece em \u00e1reas de vulnerabilidade, e n\u00e3o em bairros como o Mangabeiras?\u201d, argumenta.<\/p>\n Perguntado se J\u00falia e Cristian j\u00e1 assistiram ao filme finalizado, tal qual Cristiana, a m\u00e3e dos jovens, Marcos Pimentel diz que sim. \u201cAconteceram duas sess\u00f5es, uma na Associa\u00e7\u00e3o Casa do Beco e outra, no Festival Papagaio Cultural. A Cristiana inclusive foi com a outra filha, com os netos\u201d. Tais sess\u00f5es, abertas ao p\u00fablico, lembra ele, s\u00e3o extremamente importantes, posto que boa parte da popula\u00e7\u00e3o n\u00e3o consegue ir aos cinemas por conta dos altos custos envolvidos, do deslocamento ao pre\u00e7o dos ingressos propriamente ditos.<\/p>\n Confira, a seguir, o trailer <\/p>\nO in\u00edcio de tudo<\/h4>\n
Linha divis\u00f3ria invis\u00edvel<\/h4>\n
Amizade e inoc\u00eancia<\/h4>\n
\u201cPara n\u00e3o perder o dispositivo, centrei a narrativa em Julia. E foi maravilhoso, foram encontros incr\u00edveis (entre J\u00falia e Z\u00e9 Tom\u00e1s)\u201d. Marcos Pimentel rememora que, ali, os dois juraram que seriam amigos para sempre. E, desse modo, as filmagens daquele per\u00edodo foram encerradas.<\/p>\nInquieta\u00e7\u00e3o<\/h4>\n
De uma Copa \u00e0 outra<\/h4>\n
Altos e baixos<\/h4>\n
Par\u00e2metro com o Brasil atual<\/h4>\n
Exibi\u00e7\u00f5es<\/h4>\n