Músico mineiro Tátio lança 1º disco autoral, “Contrabandeado”

A pouca idade engana. Apesar dos 29 anos de idade, Tátio já pavimenta seu caminho pela música há mais de uma década. Entre as atividades, atuou como cantor no Carnaval de Belo Horizonte, com o bloco Circuladô e com a Orquestra da Percussão Circular. O belo-horizontino também foi o fundador da banda Caldêra – que, no entanto, encerrou suas atividades durante a pandemia. Mas tem mais. Em 2020, a composição “Longe de Mim”, de sua autoria, conquistou o primeiro lugar no Festival Nacional da Canção. Mas é agora, neste inicinho de 2025, que Tátio celebra o fato de estar disponibilizando o seu primeiro disco autoral. Produzido por Chico Neves, “Contrabandeado” já pode ser acessado nas plataformas de streaming. O álbum, vale assinalar, entra em cena com as participações especialíssimas de Zeca Baleiro e Juliana Linhares.

Processo

Ao Culturadoria, Tátio conta que o processo de feitura do disco consumiu algo em torno de três anos e meio. “No entanto, as músicas já vêm de mais tempo. “Salvo engano, só a faixa ‘Contrabandeado’ foi feita durante o processo de gravação”, ressalta ele. Em uma análise mais ampla, o músico avalia que o trabalho “traz fortes traços brasucas”. Entre os exemplos, ele destaca a clave de percussões. Do mesmo modo, muitas canções com refrão, pré-refrão… “Com estruturas um pouco mais tradicionais, nesse sentido”.

A capa do disco de Tátio, que já pode ser acessados nas plataformas musicais (Artur Souza/Divulgação)

Já a estética dos arranjos possibilitou experimentações, “com esses timbres de mini moog, de mellotrons e de ruídos eletrônicos”. Por fim, um resultado que se filia à nova MPB, mas com pitadas de indie rock, mescladas de forma mais ousada. “Penso que a estética desse trabalho se tornou singular por conta desses fatores. É um som que envolve, mas que, ao mesmo tempo, demanda um tempo para a assimilação. As letras não são, digamos assim, muito mastigadas”, pontua Tátio. No frigir dos ovos, um som que é experimental, ao mesmo tempo que traz a linguagem pop na música e com letras mais profundas e articuladas.

Parceria de responsa

A reportagem do Culturadoria, claro, quis saber mais sobre a parceria firmada com o bambambã Chico Neves, mineiro que ganhou fama atuando no Rio de Janeiro e que, mais recentemente, retornou a Minas. “Eu sempre fui um grande fã dos trabalhos dele. Desde que soube que ele estava voltando para cá – no caso, para Macacos -, comecei a sonhar em fazer algo com ele”, relembra Tátio. E, assim, os primeiros contatos começaram a ser feitos. “Mas a gente ficava sempre nessa de ‘vamos fazer’, ‘um dia, vamos fazer’… E a coisa ia se arrastando. Quando a (banda) Caldêra acabou, fiz um contato mais direto. E ele, com o coração enorme que tem, me aconselhou a trabalhar em algumas músicas, a juntar algumas pessoas”.

“Muitas das canções foram feitas na estrada e muitas ideias foram erguidas nas vivências das andanças”, diz Tátio (Artur Souza/Divulgação)

Foi quando Tátio passou a trabalhar com o produtor musical Pedro Fonseca. “A gente fez uma pré de umas quatro ou cinco músicas e mandamos para o Chico. Ele adorou e, a partir daí, fomos embarcando nesse trabalho que culminou nas nove faixas do disco”. Hoje, Tátio conta que Chico é muito mais do que parceiro de trabalho. “Viramos grandes amigos, o que é uma das maiores alegrias que me aconteceram nos últimos anos”, brinda.

Participações

As participações especiais que ecoam em “Contrabandeado” se acoplaram organicamente. “Veja, eu sempre tive a ideia de contar com o Zeca Baleiro na faixa ‘Longe de Mim’, sempre achei que a voz dele combinava muito com ela. No caso da Juliana Linhares, eu sempre admirei muito o trabalho dela e queria muito que participasse do meu disco. Acabou que a gente selecionou ‘Reza Milagreira’, que, na minha opinião, foi uma ótima escolha. Ao fim, foi uma grande alegria ter a presença dos dois nesse trabalho”,, considera Tátio.

Com Zeca Baleiro, no estúdio (Artur Souza/Divulgação)

Faixa a faixa

Como dito, “Contrabandeado” conta com nove músicas, sendo “Será que eu sou Louco” a incumbida de abrir os trabalhos. Ela foi lançada como single em novembro de 2024. A letra, descrita pelo compositor como “um hino bissexual”, é também um registro utópico, onde todos têm acesso à terra. Na sequência vem a faixa “Radar”, por sua vez, lançada em agosto do ano passado, e que fala sobre a vivência em Belo Horizonte. “Longe de Mim”, a que traz a participação de Zeca Baleiro, é a terceira faixa do petardo, e trata do processo de um processo de desencanto em relação à pessoa amada. A já citada “Reza Milagreira”, a quarta do disco, foi lançada como single em setembro de 2024.

Tátio ao lado da cantora Juliana Linhares em foto de Artur Souza (Divulgação)

Em seguida, o ouvinte se depara com “Anhangabaú”, que, como aponta o material do álbum, aborda “a perturbação mental de querer ser visto e se esconder”. Instrumentos de sopro e cordas e sintetizadores entram como pano de fundo. A atmosfera mística permeia a faixa “Seres Distantes”. A canção, aponta o material do disco, é inspirada na relação do cantor com a umbanda, religião que frequenta desde a adolescência. “Fala sobre o lugar do invisível, espiritual, mas também sobre o medo de amar, se entregar, de reconhecer que o amor também está no ato de compartilhar as falhas”, arma.

Na sequência

A sétima faixa é “Como Um Jogador”, que trata do poder de superar adversidades. “Sonho Antigo”, a oitava canção, é declaradamente autobiográfica. Tátio conta que a escreveu quando trabalhava como garçom, enquanto mirava no sonho de se tornar um grande artista. A nona e última canção leva o nome do disco e atua como uma síntese de tudo o que o trabalho que ecoar como mensagem. Essa faixa em particular, “Contrabandeado”, foi lançada como single em dezembro passado. Se apresenta como uma carta do protagonista para a mãe, “expondo a solidão, o desespero e as memórias de um laço fraterno interrompido pela violência”.

Trajetória

Nascido em Belo Horizonte, Tátio entrou em contato com a música ainda muito novo – na verdade, na infância. “Á época, minha mãe me colocou em cursos de musicalização e, hoje, vejo que foi bem importante para mim. Mas, enfim, em dado momento, não continuei com as aulas. Já na adolescência, fui para o teatro. Fiz cursos livres no Galpão Cine Horto, o que também foi muito importante naquela fase”. Já na hora de se decidir por uma graduação, Tátio acabou optando por Ciências Sociais, prestando vestibular para a UFMG. “Passei no curso, mas acabei largando”, confessa.

E assim, aos 18, 19 anos, veio, enfim, o reencontro com a música. “Na verdade, a chama sempre se manteve, sabe? Estava ali, guardada. Acho que a vida, no fim das contas, é isso, né? A gente vai trabalhando para conseguir realmente encontrar o que de fato nos move, a nossa pulsão. Hoje, penso que a encontrei e, assim, faz uns dois anos que vivo só da música – o que para mim é meio que um lugar de chegada. Claro, sei que ainda tenho muito para caminhar, mas já é um lugar que me traz muita alegria, o de poder trabalhar com aquilo que amo”.

Na estrada

Muitas músicas de “Contrabandeado” tiveram suas letras construídas em períodos nos quais Tátio viajou de caminhão pelo Brasil e América Latina. “Depois dos meus 17 anos, essas viagens de caminhão se tornaram uma coisa meio costumeira. Durante o ano, eu trabalhava como garçom, barman, cozinheiro em alguns restaurantes e bares. E, como era no esquema de freelancer, no final de ano, eu dava um tempo, pegava o dinheiro que havia juntando (tanto por meio da música quanto desses bicos) e ia viajar pelas estradas da América Latina e do Brasil. O objetivo era simplesmente viver uma, digamos, ‘liberdade indomável’ (risos) nas estradas. O que me gerou muito aprendizado. Parte do que sou hoje vem daquele período, do que vivi”.

“Esse disco é uma grande surpresa, mas, ao mesmo tempo, olho para ele e penso que é uma coisa que tinha que ser, sabe? Esse disco tem um lugar muito importante hoje, no meu coração, bem como as pessoas que fizeram parte dele… E essas viagens, eu espero continuar fazendo. Claro, ali, eu tinha 17 anos de idade, hoje estou com 29. A gente vai criando mais raízes, a agenda fica cheia e você não consegue mais ter esse tempo para fazer uma viagem assim, de um mês e meio, dois meses, pela América Latina, por algum país. Mas a vontade de voltar é grande. Além da música, uma grande paixão que tenho é a vida na estrada”.

O título do disco

A ideia do contrabando, que dá nome ao álbum, explica Tátio, deriva da paradoxo entre o “desejado” e o “proibido”. “Ou seja, da vontade de adquirir aquele produto, ter aquilo, e, ao mesmo tempo, não poder ter. Ao mesmo tempo, está muito ligado à ideia de um contrafluxo da grande indústria. Acho que a gente conseguiu achar uma estética para os arranjos, misturando bastante timbres eletrônicos com a pegada bem brazuca das canções. É muito brasileiro, o disco, mas, ao mesmo tempo, os arranjos caminharam para esse lugar bem experimental na linguagem. Eu acho muito forte isso, e tem muito a ver com a cara do Chico (Neves) na produção musical”.

Mais: Tátio entende que “Contrabandeado” é um produto que não está assim, tão disponível nas prateleiras da grande indústria. “Penso que, nesse sentido, o contrabando vem fazendo referência a isso e também à forma como a gente vai querer passar esse trabalho, como a gente quis passar esse conteúdo. Uma forma que não a do fluxo tradicional de comunicação, numa linguagem da nova MPB, mas que também está bem trabalhada em outros campos estéticos. Além disso, o contrabando também traz essa ideia da estrada, de todas essas vivências que tive nela e que pude transformar em canções. O contrabando de ideias, não mercadológico, mas de ideias, de sentimentos que a gente coloca nas canções e que quer que chegue em todo mundo – de uma forma bem bonita, mas bem ousada também”.

Serviço

“Contrabandeado” (ouça aqui)

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