Exploração excessiva de águas subterrâneas ameaça ‘secar’ rios no Brasil

Reservatório da represa de Itaparica, no rio São Francisco, fotografado a partir da Estação Espacial Internacional, em 2016. Foto: Divulgação

Um estudo publicado na revista’ Nature’ Communications revelou que mais da metade dos rios brasileiros apresenta risco de perda de fluxo devido à percolação da água para aquíferos subterrâneos. A análise foi baseada em 17.972 poços espalhados pelo país, dos quais 55,4% apresentaram níveis de água abaixo da superfície dos rios mais próximos. Esse fenômeno pode transformar os rios em “perdedores de fluxo”, comprometendo a disponibilidade hídrica no Brasil.

O estudo, conduzido por pesquisadores brasileiros e estrangeiros, destacou que a Bacia do Rio São Francisco e a região do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) estão entre as áreas mais críticas. Segundo Paulo Tarso Sanches de Oliveira, professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), essas regiões são altamente dependentes de águas subterrâneas para irrigação e abastecimento humano.

Na Bacia do São Francisco, 61% dos rios analisados apresentaram potencial de perda de fluxo para o aquífero. O cenário é ainda mais grave na Bacia do Rio Verde Grande, afluente do São Francisco, onde 74% dos rios foram afetados. O uso intensivo de águas subterrâneas para irrigação tem sido apontado como um dos principais fatores para essa situação.

A perfuração indiscriminada de poços tem agravado o problema. Um estudo de 2021 liderado por Ricardo Hirata apontou que o Brasil possui cerca de 2,5 milhões de poços tubulares, dos quais mais de 88% operam sem licença. O volume de água bombeada anualmente é estimado em 17,6 bilhões de metros cúbicos, suficiente para abastecer toda a população brasileira, mas que beneficia menos de 20% dos habitantes.

Além da redução do fluxo dos rios, o bombeamento excessivo pode levar à subsidência do solo, causando afundamentos e colapsos. Esse fenômeno já foi registrado em regiões como Índia e Califórnia e pode se tornar uma realidade no Brasil caso medidas de controle não sejam adotadas.

Usina hidráulica. Foto: Divulgação

Diante desse cenário preocupante, especialistas defendem a necessidade de integrar a gestão de águas superficiais e subterrâneas. Ferramentas de sensoriamento remoto e monitoramento hidrogeológico podem ajudar a identificar regiões críticas e embasar políticas públicas.

José Gescilam Uchôa, primeiro autor do estudo e doutorando na Escola de Engenharia de São Carlos da USP, enfatiza que o Brasil tem potencial para expandir a irrigação de forma sustentável. No entanto, o planejamento adequado é fundamental para evitar impactos negativos na segurança hídrica, alimentar e energética.

A crise hídrica já tem impactos diretos na saúde da população. Em 2017, moradores de um vilarejo no litoral de Alagoas, que consomem água do Rio São Francisco, apresentaram um aumento significativo nos casos de hipertensão arterial. Estudos apontaram que a causa estava na maior concentração de sal na água, resultado da intrusão de água do mar devido à redução da vazão do rio.

A pesquisa reforça a necessidade de uma revisão global das estratégias de manejo hídrico, especialmente em países tropicais. O uso crescente de águas subterrâneas ameaça não apenas os recursos hídricos do Brasil, mas também os de diversas outras nações, tornando essencial a adoção de medidas urgentes para garantir a sustentabilidade hídrica no futuro.

Conheça as redes sociais do DCM:

⚪Facebook: https://www.facebook.com/diariodocentrodomundo

🟣Threads: https://www.threads.net/@dcm_on_line

Adicionar aos favoritos o Link permanente.