NO FUNDO DO POÇO (2)

Como brasileiro, patriota e nacionalista, entristeço-me com o que acontece no país e no Estado. É uma pregação reacionária, intolerante e obscurantista que assusta qualquer pessoa medianamente civilizada. 

Vivi sob duas Ditaduras e minhas lembranças são as piores. Na Ditadura Vargas eu era   criança, mas lembro muito bem do que os adultos falavam. (“O Manuel foi preso em casa esta noite e levado para a Delegacia”) .

(“Joaquim foi levado à Delegacia durante a noite e apanhou muito”)

(“O menino dos Braga foi levado pela polícia e não se sabe onde foi parar; Siá Marciana está desesperada.”).

Será isso que esses incautos querem: regime de força, ditadura militar ou regime de exceção?

Além disso havia o salvo-conduto; para ir de uma cidade a outra era indispensável obter esse documento na delegacia de polícia, com foto, carimbo, selos e assinatura. Meu Avô era fazendeiro em Campos Novos e precisava comprar certos produtos em quantidade, como sal, arame farpado e outros que não existiam na sua cidade. Diante disso, ele necessitava comprar em Joaçaba e tinha que se submeter a essa burocracia. Tirava o documento em Campos Novos, apresentava ao Delegado de Joaçaba tomava a assinatura dele, e, no retorno, submetia ao Delegado de Campos Novos. Caso não apresentasse esse documento o que acontecia? Cadeia!!                                                                       

Ainda tive a oportunidade de ver tais documentos na papelada de meus avos. 

Soube das prisões sem mandado e sem motivo, as torturas do Coronel Ustra no DOI-COdi de S.Paulo, às prisões de surpresa, a existência da Casa da Morte da Serra de Petrópolis, as valas comuns em certos cemitérios clandestinos etc. Como advogado, defendi dois colegas. O primeiro deles foi sequestrado no escritório em Joaçaba, colocado numa viatura policial com algemas e tornozeleira, e conduzido para lugar ignorado. Não informaram a razão ou o motivo da prisão e nem se quer permitiram que ligasse para a esposa. Na passagem por Campos Novos conseguiu ir à Telefônica e ligar para mim pedindo socorro. Pelo rumo que tomaram deduzi que foi levado para Lages movimentei os colegas convencidos de lá para que o acompanhasse na chegada. Nosso temor era que consumisse com o rapaz no meio do caminho. O outro foi preso no escritório e conduzido à Delegacia de Polícia onde o grupo de policiais fazia as prisões e interrogatório. Sabendo da prisão todos os advogados correram para a Delegacia, inclusive eu. O chefe do grupo policial era um tenente do exercito ainda jovem, mas do típico padrão dos ditadores. Mostramos a ele que o colega preso não praticou em Campos Novos qualquer ato no tempo em que lá viveu. Depois de muito pensar, o tenente fez a seguinte sugestão: um de nós escreveria as afirmações feitas em um papel e todos assinariam sob pena de prisão, caso faltasse com a verdade. Escolhemos então o colega mais velho para isso, ele se reservou em um canto e escreveu a tal declaração que todos assinariam. O tenente apanhou o documento leu e releu e não aceitou. Dizia que era muito vago exigiu outro, então fui o escolhido e dei tratos à bola para redigir um documento que defendesse o colega e nos próprios. O tenente apanhou a declaração, leu com atenção e mandou que todos assinassem. Feito isso liberou o colega. Ele depois disso apanhou suas coisas e foi para Florianópolis onde nunca mais ouvi ou tive notícias.

Meu tio Waldermar Rupp um dos homens mais cultos e inteligentes que conheci e eu fizemos uma campanha eleitoral juntos, ele candidato a Deputado Federal e eu a Estadual, mas não fomos bem sucedidos. Exausto de um dia inteiro ao volante nas horríveis estradas Catarinenses chegamos em uma cidadezinha do Extremo Oeste. Encostei o carro num posto de combustível e nem havia descido quando alguém se aproximou pelo lado rastejando, ou de quatro pés e disse o seguinte: 

– Dr. Eneas, por favor não chegue na minha casa porque, se duvidarem de mim, me mandaram para o Morro da Fumaça.

Prometi o homem que nunca, jamais, em tempo algum eu iria até sua casa.

Abastecido o carro fui para o hotel, único na cidade, onde meu tio já estava hospedado. Tomei um banho daqueles em galões de água que a gente enchia e puxava ao teto e fui para a varanda onde meu tio já estava e ficamos admirando o raro movimento da cidade. Foi então que uma viatura policial começou a rondar o hotel em sucessivas passagens é claro que visavam nos dois. Então meu tio, com sua espantosa coragem, se pos diante de uma delas e perguntou o que havia conosco. O policial que a dirigia ficou todo acabrunhado e pediu mil desculpas. Voltamos então ao hotel e viajamos no dia seguinte. Aquele local era controlado a fogo e ferro pela Ditadura e ali ninguém entrava. 

Querem viver assim?

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