EXCLUSIVO: Transformação da Casas Bahia está quase na metade, diz CEO

Dois anos atrás, Renato Franklin foi surpreendido por um convite para tornar-se CEO do Grupo Casas Bahia (BAHI3). Era uma grande honra – e um dos maiores desafios de sua vida profissional.

Uma das marcas mais conhecidas do Brasil, no varejo e fora dele, a Casas Bahia enfrentava um endividamento alto e queimava caixa em uma série de operações que fugiam do que a empresa sabia fazer de melhor: “Que é vender móveis, eletrodomésticos, celular, televisão. É aí que somos líderes, temos escala e sabemos ganhar dinheiro, principalmente com crediário e loja física”, disse Franklin, convidado dessa semana do programa InfoMoney Entrevista.

Como outras empresas, a Casas Bahia tentou fazer “de tudo” no pós-pandemia – ser fintech, ter um marketplace generalista, vender itens típicos de supermercado. Mas com os ventos da macroeconomia soprando para juros mais altos, a missão de Franklin – que vinha de nove anos na Movida (MOVI3), precedidos por dez na mineradora Vale (VALE3) – passou a ser o foco na disciplina de alocação, escolhendo para onde atirar a partir do retorno efetivo de cada real investido.

Alguns balanços e uma reestruturação de R$ 4 bilhões em dívidas depois, a companhia encontrou fôlego no fluxo de caixa – mas ainda precisa ganhar eficiência operacional e melhorar a estrutura de capital. “Estamos quase na metade da transformação, que vai até o fim do ano”, disse Franklin. Falta reduzir a dívida à metade e voltar a ser lucrativa – para, novamente, poder crescer.

Veja a entrevista completa no player acima ou confira os principais trechos abaixo:

InfoMoney – O senhor acaba de completar dois anos como CEO da Casas Bahia. Que balanço faz desse período?

Renato Franklin – Fico feliz com a tendência, mas ainda não acabamos. Estamos quase na metade da transformação, que vai até o final desse ano.

É uma honra trabalhar em uma companhia com uma marca tão forte, uma infraestrutura logística diferenciada, o famoso “carnezinho” que todo brasileiro conhece e é super rentável, com muito potencial de crescimento. Mas no pós-pandemia a companhia estava tentando fazer de tudo.

“Todo mundo que era grande e tinha escala enxergou a oportunidade de tentar atender todas as necessidades dos clientes. Só que vender itens de ticket baixo, ser um marketplace generalista, ser uma fintech, tudo isso consome muito capital”

Com a mudança de contexto macroeconômico, os juros em alta e a estrutura de capital da companhia muito alavancada, ficou difícil construir todos esses negócios ao mesmo tempo. Nossa estratégia foi trazer disciplina de alocação de capital. Olhando onde a gente ganha dinheiro e avaliando as vantagens competitivas da companhia, resolvemos focar naquilo que a gente sabe fazer: vender móveis, eletrodomésticos, celular, televisão. É aí que somos líderes de mercado, temos escala e sabemos ganhar dinheiro, principalmente com o crediário e a loja física. O e-commerce é importante para a escala, mas a loja física traz rentabilidade.

Renato Franklin, CEO do Grupo Casas Bahia, concede entrevista ao InfoMoney (Foto: Divulgação)

InfoMoney – Foi uma mudança de setor para o senhor, que passou pela Vale e veio da Movida. Foi um choque?

Franklin – O convite já foi um choque. No aluguel de carros, tem um pouco de varejo de serviço, eram quase 300 lojas, mas obviamente é muito diferente de comprar e vender mercadoria todo dia, em uma escala como a do Grupo Casas Bahia.

O legal foi trazer o legado da disciplina de alocação de capital do business de aluguel de carro, que é muito financeiro. Você olha o retorno de cada contrato de aluguel sobre o custo de capital e tenta maximizar.

O varejo vem muito na escala, em tentar crescer. Então enxerguei a oportunidade de trazer mais disciplina de alocação, de calcular o retorno sobre o custo de capital em cada real.

InfoMoney – E como?

Franklin – A primeira coisa foi olhar onde tinha dinheiro parado sem gerar valor. E tinha muito dinheiro em estoque. Havia produtos lá há mais de 180 dias, então tem de fazer promoção. Isso machuca a margem no primeiro momento, mas você ajusta e faz caixa.

Segunda coisa, dado que não queríamos mais fazer tudo para todo mundo, como ajusto a estrutura? Fizemos uma mudança da estrutura organizacional, com redução de quase 50% dos cargos de liderança, para a companhia ficar ágil e enxuta.

“O primeiro ano foi muito de redução de custo. Depois, entramos numa outra fase, já com apostas seletivas. Ganhamos a confiança dos bancos e credores para poder renegociar as dívidas e fazer algumas apostas que permitem ter crescimento e alavancagem operacional”

InfoMoney – Seu primeiro aniversário no cargo foi marcado pela reestruturação de uma dívida de R$ 4 bilhões da Casas Bahia, em abril do ano passado. Como isso evoluiu até aqui?

Franklin – Desde o início, conversamos com os bancos sobre passar tranquilidade para o mercado. Só que todo mundo primeiro queria ver nossa entrega.

E a companhia tem uma capacidade de execução que me impressionou. Conseguimos terminar 2023 com R$ 1 bilhão a mais do caixa do que era previsto.

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Ganhamos confiança e, ainda em novembro de 2023, levantamos R$ 400 milhões com os bancos. Depois, começamos a discutir alongamentos de dívida. Em março de 2024, fizemos o primeiro, de R$ 1,5 bilhão em dívidas muito curtas. E então, entramos numa negociação para um alongamento maior.

InfoMoney – Como foi?

Franklin – Foi uma negociação muito técnica, colocando no modelo o que era preciso para fazer a companhia parar de pé, independentemente do cenário, porque ninguém nunca sabe como será o macro – na época, a tendência era de que os juros iam baixar, e veja só o que aconteceu.

Simulamos vários cenários e fizemos um negócio bastante conservador, aumentando o prazo da dívida de um para seis anos e reduzindo o custo de capital em quase um ponto percentual, com CDI + 1,2% de custo médio. É um custo bastante competitivo, que permite à gestão focar em resolver os problemas operacionais.

Outra coisa nova foi falar em recuperação extrajudicial, que parece com outro nome muito mal-visto. Fomos um caso meio inédito no Brasil. Não foi pedir proteção para ganhar tempo. Fizemos primeiro a negociação com os credores, chegamos a um acordo e homologamos com um juiz para dar segurança jurídica. O mercado recebeu muito bem.

InfoMoney – Na época, o senhor disse que a reestruturação da dívida era uma solução estrutural e definitiva. De fato, foi?

Renato Franklin, CEO do Grupo Casas Bahia, concede entrevista ao InfoMoney (Foto: Fabio Luis Teixeira)

Franklin – Do ponto de vista de fluxo de caixa e de liability menor na gestão de passivos, sim. Do ponto de vista de estrutura de capital, não. O passivo foi alongado, ganhamos tempo e tiramos a pressão de curto prazo. Mas ainda temos duas missões.

A primeira é no operacional, que tem vindo bem alinhado com o plano, mas ainda falta. Já geramos caixa – antes a gente consumia R$ 32 bilhões por ano no fluxo de caixa operacional, porque estava investindo em muita coisa ao mesmo tempo. Em 2024, geramos quase R$ 1 bilhão de fluxo de caixa positivo, 2025 tem tudo para ser melhor, mas temos que continuar para ter uma operação que se sustente.

O segundo desafio é resolver a estrutura de capital, trabalhando com uma alavancagem menor. Temos R$ 4 bilhões em dívidas, e ainda fazemos antecipação de recebíveis.

“Precisamos ter uma estrutura realmente sólida, porque o varejo, tipicamente, é uma proxy do macro: se o macro está bem, o varejo vai bem; se está mal, vai mal. Quando a alavancagem é alta, isso é pior”

Mas se tivermos uma alavancagem embaixo de uma estrutura de capital sólida, como temos um negócio de crédito muito forte para o consumidor e também para os fornecedores, dá para ganhar até mais dinheiro quando o macro estiver desafiador. Afinal, se os bancos restringem o crédito, o horizonte para a companhia aumenta.

É isso que queremos, e por isso precisamos resolver a estrutura de capital, o que passa por três alavancas. Uma é a melhora operacional, que gera caixa para companhia. Outra é resolver passivos da companhia, como o trabalhista, que está caminhando bem para termos uma despesa menor. A terceira é a monetização de créditos fiscais – estamos conseguindo monetizar quase R$ 100 milhões por mês. Fora isso, ainda tem a conversão de parte da dívida em equity [ações], a que os bancos têm direito pela renegociação, a partir de outubro de 2025.

InfoMoney – A tendência é de que os bancos exerçam essa conversão de dívida em equity?

Franklin – A decisão é discricionária dos bancos. Mas como eles têm uma exposição grande, entendemos que faz sentido. Eles têm um incentivo financeiro, inclusive, porque podem converter dívida em ações com um desconto sobre o valor médio dos papéis. Fica melhor para todo o ecossistema, inclusive para os credores e para a companhia. Resolvendo o operacional e a estrutura de capital, conseguimos aproveitar oportunidades a partir de 2026, iniciando um ciclo de crescimento – porque é óbvio que a gente quer disciplina, mas crescimento também.

InfoMoney – Qual seria um nível de alavancagem saudável para a Casas Bahia?

Franklin – Nossa alavancagem para efeito de covenant é baixa. O problema é a necessidade de capital de giro e o nível de antecipação em tudo que gera despesa financeira para fazer o fluxo de caixa.

Nosso negócio tem custo financeiro. Vendo muito no cartão de crédito parcelado, que gera despesa financeira. O crediário gera receita maior do que o custo financeiro, mas ele existe. Os juros acabam afetando bastante meu spread. Quando a estrutura de capital melhora, o spread tende a diminuir, e isso aumenta a margem do crediário.

E tem a dívida financeira como um todo. Entendemos que essa dívida deveria ser metade do que é [ou seja, cerca de R$ 2 bilhões] para que a gente consiga pagar os juros e ainda sobrar dinheiro para investir em crescimento, remunerar os acionistas e ter um ciclo sustentável.

InfoMoney – No 4T24, o prejuízo da casa da Casas Bahia foi reduzido a menos da metade. Quais foram as razões dessa melhora?

Franklin – Crescemos 17% nas vendas de lojas físicas e o crediário cresceu mais de 30%. A margem Ebitda foi a melhor para um quarto trimestre desde 2017. A margem bruta também foi muito boa.

Leia também: Casas Bahia (BHIA3) tem queda de 54,8% no prejuízo no 4º tri, para R$ 452 mi

Óbvio que ainda tem muita alavanca para capturar, não estamos no teto, mas o resultado operacional foi muito positivo. Só não foi ainda melhor porque os juros altos e a alavancagem acabaram consumindo grande parte do Ebitda.

Não temos guidance para o mercado, nosso trabalho é melhorar a margem a cada trimestre, independentemente da sazonalidade. Não tem nenhuma bala de prata, ninguém vai ver um salto de uma hora para outra.

InfoMoney – Já há um horizonte de quando a Casas Bahia volta a ser uma empresa lucrativa?

Franklin – A gente tem a data do nosso plano de negócio, mas não é aberta para o mercado. Há desafios no cenário macroeconômico, ainda temos trabalho a fazer para chegar na última linha positiva.

“Em 2025, olhamos muito para o fluxo de caixa positivo. Grande parte da despesa financeira estamos contabilizando, mas não estamos pagando, porque na renegociação conseguimos uma carência total de juros por dois anos”

Depois da transformação e de resolvermos a estrutura de capital, aí sim, em 2026, a gente pode começar a discutir lucro líquido.

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