
Por Márcio Resende
O técnico brasileiro Regis Barcelos Fernandes, de 55 anos, na terça-feira (29), ficou preso na máquina trituradora das pedras a serem usadas na fabricação de cerâmicas e porcelanatos. A morte gerou indignação entre os operários e uma greve contra a empresa, que pertence ao representante máximo dos industriais argentinos.
O acidente, no setor de moagem da companhia, impactou os 220 trabalhadores da empresa, situada no município de Cerrillos, no Parque Industrial de Salta, no norte da Argentina, a 1.500 quilômetros de Buenos Aires.
Regis Fernandes trabalhava havia sete anos como terceirizado da Cerámicas Alberdi. A cada 20 dias, ele realizava a manutenção da fábrica em Salta, uma das três da empresa que pertence a Martín Rappallini – que, na segunda-feira (28), havia se tornado o novo presidente da União Industrial Argentina.
Por volta das 18h, o brasileiro fazia a manutenção da trituradora quando, por razões ainda desconhecidas, a máquina foi ativada. Nesse momento, Regis estava dentro da máquina, sem lhe dar chances de reação.
Os trabalhadores ativaram os protocolos de emergência, envolvendo a polícia e a Promotoria. O promotor Leandro Flores, da Unidade de Graves Atentados contra as Pessoas (UGAP), iniciou uma investigação para determinar as responsabilidades penais.
Revolta dos trabalhadores
Entretanto, diante da recusa da empresa de interromper a produção, o Sindicato de Operários da Indústria Ceramista (SOIC) iniciou uma greve geral, apoiada pela Federação Operária Ceramista da República Argentina (FOCRA). Os trabalhadores, ainda em greve, exigem equipamentos de comunicação, peças de reposição certificadas e formação em segurança como requisitos para retomar as atividades.
O SOIC denunciou que a greve é consequência da tentativa, por parte da empresa, de ocultar o local do acidente e de continuar com a produção, mesmo com o brasileiro morto dentro da máquina. A fábrica continua paralisada desde então.
“A morte do trabalhador, que aconteceu em condições de trabalho que devem ser investigadas pela Justiça, foi ignorada pelos executivos. Exigimos que seja esclarecido como o acidente aconteceu e que haja garantias de segurança para trabalhar”, diz uma nota de protesto do SOIC à qual a RFI teve acesso.
O diretor da empresa, Enrique Gatti, emitiu um comunicado no qual expressa condolências à família do brasileiro, definindo-o como “um especialista em manutenção de equipamentos de moagem que há anos presta serviços à fábrica de Salta”.
“Com profunda dor, a Cerámica Alberdi S.A. informa o falecimento do Sr. Regis Barcelos Fernandes, especialista em manutenção, oriundo do Brasil, ocorrido no dia 29 de abril na fábrica de Salta. A empresa expressa as suas mais sentidas condolências à família e aos seres queridos, dando-lhes apoio neste momento tão difícil”, começa a nota. A posição da empresa só foi divulgada 24 horas depois da morte do brasileiro.

“A Cerámica Alberdi cumpre estritamente todos os procedimentos de segurança estabelecidos para este tipo de operação. A segurança dos nossos funcionários é a nossa máxima prioridade e estamos comprometidos a manter um ambiente de trabalho seguro e protegido”, garantiu a fábrica, em nota. O texto não desmente a denúncia do sindicato quanto à negativa de paralisar a produção logo após o acidente.
Falhas nos procedimentos de segurança
Apesar de a empresa garantir o cumprimento de padrões de segurança e proteção, em outra fábrica do grupo, no município de José C. Paz, na província de Buenos Aires, dois acidentes graves foram registrados desde dezembro. Em um, uma trabalhadora teve severas lesões num braço; no outro, um trabalhador sofreu a amputação de uma mão.
“Reduzem os salários reais, negam reajustes para maximizar o lucro sem garantir as condições mínimas de segurança”, denunciou o sindicato, rebatendo os argumentos da empresa. “Temos direito a um salário digno e também a não sermos obrigados a deixarmos a saúde e a vida no trabalho. Trabalhamos para sobreviver e terminamos morrendo no trabalho”, conclui a nota.
A morte do brasileiro aconteceu na troca de turno, deixando os seis operários que presenciaram a cena em estado de choque. As testemunhas contaram que, antes do acidente, Regis Fernandes levantou a mão e a máquina começou a funcionar, amassando-o. Quando os seis trabalhadores tentaram resgatá-lo, já não tinha pulso.
“O mais revoltante para os trabalhadores foi a atitude da empresa, que tentou continuar com a produção nessa mesma noite, ameaçando descontar o dia daqueles que não voltassem ao trabalho. Tivemos de brigar por um luto digno para o nosso colega”, descreveu o secretário sindical Sebastián Pineda.
“Os responsáveis não queriam parar. Não conseguiam retirar o corpo porque ficou preso na moagem. Depois, queriam parar só o setor de moagem. Dá muita raiva tudo o que está acontecendo”, desabafou, contando que o 1º de Maio foi um dia de luto para todos.
“Compram peças de reposição baratas e depois acontece isso. Eles nos dizem para reclamarmos no Ministério do Trabalho porque sabem que este governo defende os empresários e é contra os trabalhadores”, criticou Pineda.
Outro líder sindical, Pedro Linares, acusou a empresa de, para produzir com mais velocidade, “retirar os sensores de segurança das máquinas para que a linha de produção não se interrompa caso uma placa de cerâmica entre torta no sistema”. “Os operários terminam arrumando as peças irregulares com as próprias mãos, num movimento que gera os acidentes graves”, denunciou.
Publicado por RFI
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