Carta para Fernanda Torres: um Oscar pela democracia. Por Jamil Chade

Fernanda Torres interpreta Eunice Paiva no longa “Ainda Estou Aqui” – Foto: Reprodução

Por Jamil Chade, em sua coluna no UOL

Querida Fernanda Torres,

A democracia vive uma encruzilhada. Cabe, a cada um de nós, uma reavaliação profunda de nossos papéis sociais e assumir que seremos cobrados pela história quando, no futuro, perguntarem onde estavam aquelas pessoas enquanto avanços obtidos ao longo de séculos eram ameaçados.

O teu lugar nós já sabemos qual será: a do Oscar da democracia.

Em “Ainda estou aqui”, você não é apenas nossa história ou a atriz que encarna o papel de uma mulher extraordinária. Você coloca no centro o debate sobre o que ocorre com uma família quando a arbitrariedade do autoritarismo vinga.

E, hoje, isso dispensa tradução em línguas estrangeiras.

Num mundo onde a extrema direita avança e o espaço cívico encolhe, “Ainda estou aqui” é uma declaração de amor à resistência e à construção da democracia por cada um de nós.

Selton Mello e Fernanda Torres são os protagonistas de Ainda Estou Aqui – Foto: Reprodução

Ao percorrer cidades no exterior para a estreia do filme, você e Walter Salles estão mandando uma mensagem poderosa ao mundo de que, numa democracia, a anistia não é o caminho para a paz social. Os criminosos estão vivos, assim como a impunidade. Um dos torturadores chegou a receber 26 medalhas ao longo de sua carreira militar. Juntos, eles custam hoje aos cofres públicos mais de 1 milhão de reais por ano em pensões.

Em cada sessão que serve como uma espécie de antídoto à onda autoritária, vocês estão confrontando populistas, charlatães e vendedores de ilusão do século 21 ao afirmar que a democracia ainda está aqui. E que lutaremos por ela.

A resistência é a insistência de Eunice em fazer com que, diante do fotógrafo, todos estejam sorrindo. Algo insuportável aos autoritários.

A resistência é nosso intransigente dever de memória, inclusive como homenagem a quem a perdeu.

Te escrevo, portanto, apenas para deixar meu modesto agradecimento, em forma de carta. E dizer que, olhando daqui de fora, constato como vocês transformaram o livro do querido Marcelo Rubens Paiva num enredo universal da liberdade, aquela palavra “que o sonho humano alimenta, não há ninguém que explique, e não há ninguém que não entenda”.

Saudações democráticas,
Jamil Chade

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