Cadê o rali de final de ano da Bolsa? Não vai aparecer, dizem especialistas

Painel de cotações

Final de ano costuma ser um período de valorização nas Bolsas de Valores. Nos meses de dezembro dos últimos 20 anos, por exemplo, o Ibovespa subiu em 13 deles (veja tabela abaixo). Em dezembro de 2024, porém, o rali ainda não apareceu – e dificilmente dará as caras nos próximos dias, acreditam analistas.

Embora não exista uma explicação técnica para esse fenômeno, especialistas apontam que o chamado “rali de fim de ano” pode estar relacionado ao aumento de liquidez no mercado, impulsionado pelo pagamento de bônus corporativos e do 13º salário.

Esse capital extra pode ser utilizado por investidores para realizar ajustes nas carteiras, já pensando no planejamento para o ano seguinte.

Só que, neste ano, o pessimismo está alto. Um dos obstáculos apontados é o cenário doméstico, marcado por taxas de juros altas, expectativas inflacionárias desancoradas e preocupações com o déficit fiscal. Outro fator que joga contra é o ambiente externo, especialmente a vitória de Donald Trump, que tem uma política mais voltada para o crescimento interno e o fortalecimento do dólar, o que pode prejudicar economias emergentes.

“Nosso rombo fiscal deixa dúvidas sobre a capacidade de o país honrar suas contas, nossos investimentos privados estão reduzidos, nossa taxa de juros não para de subir e nossa moeda derreteu em 2024, por isso, mesmo com ativos baratos na B3, não estamos vendo interesse dos investidores em tomar esse risco”, diz Felipe Sant’ Anna, especialista em mercado da mesa proprietária Star Desk, sobre o panorama local.

O especialista acredita que não há tempo, nem expectativas, de uma grande guinada na política e na economia do Brasil. Apenas um fator totalmente inesperado poderia destravar os papéis brasileiros nestes poucos dias restantes do ano, como algum anúncio de mudanças nos rumos da economia para 2025, já que a última movimentação do governo nesse sentido não agradou.

Em novembro, o governo anunciou o pacote fiscal, que vinha sendo aguardado com um misto de tensão e expectativa. As medidas não foram bem recebidas por parte dos agentes econômicos, que defenderam que elas não têm capacidade de diminuir significativamente a dívida pública bruta do Brasil em relação ao Produto Interno Bruto (PIB).

“A frustração com a falta do pacote de corte de gastos pelo governo jogou um banho de água fria no mercado de ações”, afirma Felipe Chad, especialista em investimentos.

Esse cenário local, segundo Chad, fez o capital estrangeiro, que normalmente define o rumo do Ibovespa, fugir do Brasil. Somente em novembro, o investidor internacional tirou R$ 1,6 bilhão da B3. No acumulado do ano, o total líquido é negativo em R$ 32,4 bilhões.

Já o investidor institucional teve saldo líquido negativo no mês passado de R$ 3,7 bilhões, enquanto o acumulado do ano somou R$ 28,4 bilhões.

Leia mais: Estrangeiro tirou R$ 1,6 bi da B3 em novembro; institucional retirou R$ 3,7 bi

Cenário externo

Do ponto de vista internacional, a vitória de Donald Trump trouxe diversas incertezas que levantaram preocupações sobre possíveis tensões comerciais, agravamento da crise climática e o fortalecimento de movimentos políticos de direita e extrema direita, que respingaram nos papéis das empresas brasileiras e impediram o rali, segundo Ângelo Belitardo Neto, diretor de gestão da Hike Capital.

“Se olharmos para o passado, seu plano de governo já indicava algumas direções preocupantes. Ele prometeu aumentar impostos sobre importados, estimular o uso de combustíveis fósseis, como petróleo, gás e carvão, e implementar políticas mais restritivas, como endurecer medidas contra a entrada de imigrantes. Essas incertezas geraram um viés negativo para o Brasil, impactando diretamente a confiança no mercado”, falou.

Dúvidas sobre a China também afetaram o mercado acionário local, segundo os analistas. O resultado de novembro das exportações do país asiático ficou abaixo da expectativa dos agentes, o que balançou as bolsas do mundo todo, inclusive no Brasil. Incertezas causadas pelas guerras no Oriente Médio também geraram incertezas e diminuíram apetite de risco, especialmente nos emergentes.

Confira desempenho do Ibovespa em dezembro nos últimos 20 anos:

Ano Performance em dezembro*
2004 4,25%
2005 5,70%
2006 6,00%
2007 1,40%
2008 2,61%
2009 2,30%
2010 2,36%
2011 -0,21%
2012 6,05%
2013 -1,86%
2014 -8,62%
2015 -3,92%
2016 -2,71%
2017 6,16%
2018 -1,81%
2019 6,85%
2020 9,30%
2021 2,85%
2022 -2,45%
2023 5,38%
2024 -3,90%*
Fonte: Séries históricas da B3
*Perfomance entre o último pregão de novembro e o último pregão de dezembro
*Performance entre o último pregão de novembro e a cotação do Ibovespa em 23 de dezembro, às 9h

O que esperar da Bolsa em 2025?

O relatório Focus do Banco Central, divulgado na segunda-feira (23), mostra que as projeções dos analistas para as principais métricas econômicas voltaram a subir para 2025. A mediana das expectativas para os juros pulou de 14%, na semana passada, para 14,75%; a mediana do IPCA avançou de 4,60% para 4,84% (acima do teto da meta, de 4,50%); e a previsão para o dólar saiu de R$ 5,85 para R$ 5,90.

Leia mais: Boletim Focus – analistas voltam a elevar projeções para Selic, dólar e IPCA em 2025

Diante desse cenário, o sentimento para a Bolsa no próximo ano continua negativo. “Com a alta da taxa Selic, que pode ultrapassar os 14%, o risco de revisões negativas nos lucros das empresas aumenta significativamente. Isso se reflete no elevado prêmio de risco das ações brasileiras em relação a seus pares na América Latina e em outros mercados emergentes. De forma mais direta, a tendência da B3 para 2025 é de permanecer lateralizada”, disse Neto, da Hike Capital.

“Para 2025, vemos um cenário ainda complicado, com maior peso dos fatores internos. O arcabouço fiscal continua pressionado, e os cortes de gastos para reduzir a dívida pública são essenciais para que o mercado recupere o otimismo. Soma-se a isso a alta dos juros, que coloca o Brasil na contramão do mundo: enquanto as maiores economias reduzem suas taxas, estamos em plena ascensão”, falou Chad, especialista em investimentos.

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