“É verdade que a CIA nos ensinou a torturar?”, perguntou Dom Paulo a Jimmy Carter

Jimmy Carter e Ernesto Geisel em 1978

Durante a visita do presidente norte-americano Jimmy Carter ao Brasil em 1978, durante o governo do ditador Ernesto Geisel, dom Paulo Evaristo Arns, então arcebispo de São Paulo, protagonizou um episódio marcante ao confrontar diretamente o líder dos Estados Unidos sobre o envolvimento da CIA na tortura praticada durante a ditadura militar brasileira.

“Estando em um carro, sozinho com o presidente dos Estados Unidos e sua esposa, no Rio de Janeiro, perguntei: ‘Muita gente diz que a CIA nos ensinou a torturar, sobretudo a tortura psicológica. O sr. acha que isso pode ser verdade?’”, contou dom Paulo em entrevista. “Ele se voltou para a esposa e perguntou: ‘O que que eu vou responder?’ Eu, que entendo inglês, disse: ‘É bom dizer toda a verdade’. E ele então disse: ‘Pode ser que isso seja verdade’. Então eu disse: ‘Se pode ser que isso seja verdade, então, para mim, é verdade. E o sr. deve ajudar-nos a vencer esse período de violação de direitos humanos da forma mais cruel’. Ele disse: ‘Para isso eu vim ao Brasil.’”

O relato foi feito por dom Paulo à jornalista Marilu Cabañas em 1998, durante a celebração dos 50 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

A passagem de Carter pelo Brasil foi marcada por discursos com menções ligeiras à “liberdade humana” e ao “Estado de Direito”, todos oferecendo saídas favoráveis para a interpretação oficial. Em uma dessas ocasiões, disse: “Hoje estamos todos unidos num esforço global em prol da causa da liberdade humana e do Estado de Direito”. Sem especificar quem seriam “todos”, o que poderia fazer dessa declaração uma clara reprovação aos meios empregados pelo regime militar, Carter pareceu apenas munir os teóricos da democracia relativa.

As relações entre as duas nações ficaram estremecidas, levando à suspensão de cinco acordos militares, após as denúncias de tortura a presos políticos no Brasil reportadas por missionários à então primeira-dama americana Rosalynn Carter, durante sua visita ao Recife em 1977.

Os relatórios do Departamento de Estado, com dados da Anistia Internacional sobre os milhares de brasileiros que tiveram seus direitos políticos cassados, foram torturados e mortos pelos órgãos policiais, foram levados ao Congresso americano.

Um ano depois, as referências constantes ao Brasil como “nova potência”, o reconhecimento de Carter quanto às intenções pacíficas do país de explorar a energia nuclear e os encontros com o presidente Ernesto Geisel e com o general João Baptista Figueiredo soaram como a validação do governo americano ao regime de exceção no Brasil.

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