Quem são os imigrantes tidos como criminosos e alvo da deportação em massa de Trump nos EUA?

“Quão criminosa pode ser uma criança ou uma mulher grávida”, questiona o coordenador do Médicos Sem Fronteiras no México, Henry Rodríguez. Foto: Yotibel Moreno

“Ilegais”, “criminosos” e “delinquentes” são apenas alguns dos adjetivos utilizados pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, para caracterizar migrantes sem documentação que estão em seu país, em especial vindos de nações da América Latina.

Desde antes do início de seu governo, em 20 de janeiro, o mandatário republicano trabalhou em um forte discurso anti-imigração. Em menos de duas semanas à frente da Casa Branca, Trump anunciou diversas políticas para facilitar a deportação em massa, como prometido em sua campanha presidencial.

A organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) do México, que atua na assistência médica, alimentar e psicológica de migrantes que estão nas rotas de trajeto em direção aos Estados Unidos resume as políticas adotadas por Trump em alguns pontos principais:

Declaração de emergência na fronteira sul, que implica na militarização da região e mudanças no processo imigratório; suspensão temporária para receber refugiados nos EUA; restabelecimento da política “Fique no México”; e a suspensão do aplicativo CBP One, única forma de solicitar asilo no país.

“Como uma organização que trabalha com migração há mais de 12 anos no México, testemunhamos diferentes leis que afetaram os migrantes ao longo desse período, mas especificamente com o segundo mandato de Trump, o que vimos é que as medidas foram implementadas de forma muito rápida, sem nenhum plano de mitigação”, avalia ao Brasil de Fato o coordenador do MSF no México, Henry Rodríguez.

Em relação à suspensão do aplicativo para solicitar asilo nos EUA, Rodríguez afirma que havia milhares de pessoas com entrevistas agendadas para dar sequência à sua documentação e ficaram “no limbo, sem respostas, e deixados sem documentos, mas também sem possibilidade de entrar nos Estados Unidos” de forma legal.

Assim, migrantes no processo de se regulamentar nos Estados Unidos, em um procedimento difícil e envolto na rejeição e xenofobia, foram transformados em imigrantes sem documentação.

“Essas medidas causam reação no eleitor de Trump, porque seu discurso, quando candidato, foi muito focado no fato de que os problemas nos Estados Unidos eram resultado da migração. Ao deportar as pessoas, Trump tenta cumprir sua palavra, de acordo com seu lema de ‘limpar’ o país”, avalia Rodríguez.

O líder humanitário explica que há dez anos a migração em direção aos Estados Unidos “estava muito relacionada a homens jovens que vinham de gangues estabelecidas na América Central”.

Contudo, atualmente o perfil das pessoas que se deslocam de seus países de origem mudou e agora são “núcleos familiares”, e assim, as afirmações de Trump tentam “estigmatizar e degradar” qualquer pessoa migrante.

“Quando vemos migrantes, estamos vendo mulheres, mulheres mais velhas, chefes de famílias com seus filhos menores de idade nos braços. Você vê avós, pessoas com deficiência, homens jovens e idosos. São pessoas que refletem a sociedade. Não é um grupo, uma gangue, pessoas que têm o estigma de serem criminosas”, afirma.

Rodríguez chama atenção para a quantidade de mulheres grávidas e crianças, inclusive desacompanhadas, que fazem o trajeto de imigração em direção aos EUA. “Quão criminosa pode ser uma criança ou uma mulher grávida que está carregando o peso de um filho na barriga?”, questiona ao considerar que “é muito injusta a forma como generalizam e criminalizam qualquer pessoa pelo simples fato de querer migrar”.

O líder da organização mexicana reforça a necessidade de humanizar e entender a situação de uma pessoa que migra. “Ninguém migra, deixa sua casa, seu lar, sua família, costumes, o lugar onde nasceu simplesmente porque quer. Essas pessoas partem por um motivo, e isso está muito associado à falta de oportunidades, violência, ameaças às suas vidas, e mudanças climáticas que afetam o cultivo e sustento das famílias”.

“Basta ouvir por alguns minutos as pessoas que atendemos para ver o sofrimento em seus rostos e ver como estão destruídas física e psicologicamente. Eles se sentem totalmente rejeitados por todos, há xenofobia generalizada, violência de grupos criminosos [no trajeto], violência das forças governamentais dos diferentes países, e eles não têm acesso aos serviços básicos fundamentais. É muito triste ouvir as histórias de cada uma dessas pessoas e por que elas estão migrando”, lamenta.

Um dos imigrantes atendidos pelo MSF relata em um vídeo da organização acessado com exclusividade pelo Brasil de Fato que “está viajando em caravana porque é muito perigoso ir sozinho devido aos sequestros”.

“As autoridades da imigração também podem nos pegar e nos mandar de volta para Tapachula”, conta, em referência à cidade mexicana fronteiriça com a Guatemala, conhecida como a porta de entrada do México para demais países da América Latina em direção aos EUA.

Outro imigrante assistido pela organização durante a pausa da caminhada de sua caravana relata que, apesar de estar com o grupo que vai para os EUA, ele não pretende cruzar a fronteira do México com o país governado por Trump: “É difícil atravessar, e se você chegar lá, eles te mandam de volta”.

Uma mulher no grupo afirma que “o mais difícil no trajeto é caminhar durante toda a noite sem parar”. “Você arrisca muitas coisas se for à noite, pode ser sequestrado, nossos pés doem, às vezes as crianças ficam com bolhas e não conseguem andar. Mas agora vamos até onde nossos pés conseguirem nos levar. E isso é tudo por um único motivo: para que todos fiquem bem”.

Imigrantes sendo deportados para os EUA. Foto: Divulgação

Mão de obra

Além do perfil familiar, Rodríguez fala sobre a relação dos imigrantes com o trabalho nos Estados Unidos. Segundo o coordenador do MSF, a maior parte das pessoas são trabalhadoras que, ao longo dos anos, “forjaram o bem-estar econômico deste país tão industrializado” ao trabalhar nos campos ou em áreas rejeitadas pelos estadunidenses.

“Se não fossem os imigrantes, eles não teriam conseguido ter este bem-estar econômico. É um pouco triste ouvir um país que foi criado por migrantes dizer que os migrantes são criminosos”, lamenta referindo-se aos ingleses que colonizaram o território estadunidense para habitar a região entre os séculos XVI e XVIII.

Contudo, prevê que o impacto da falta da mão de obra imigrante nos EUA será percebido “mais tarde” e que isso fará o governo Trump “desacelerar” seus planos de deportação em massa.

“Os Estados Unidos não têm a capacidade de lidar com o problema [econômico que a falta de mão de obra imigrante pode causar]. Estamos falando de 11 a 20 milhões de pessoas sem documentos nos Estados Unidos. A deportação em massa não pode ser feita da noite para o dia”, afirma.

Assim, prevê que quando os impactos forem sentidos pela economia estadunidense, o governo “sentirá necessidade de trazer medidas e criar mecanismos” para regularizar a migração.

Não é só América Latina

Com o anúncio de Trump sobre o Estado de Emergência no sul do país, onde faz fronteira com o México, o senso comum acredita que os imigrantes em situação irregular nos Estados Unidos são originários apenas de países da América Latina.

De fato, 70%  ou mais dos imigrantes nos Estados Unidos são originários do México, devido à vizinhança. Contudo, o MSF indica que 7% das pessoas que passam anualmente pelo México em direção aos EUA não são dos países latino-americanos.

Segundo Rodríguez, essa porcentagem reflete um número de 700 mil a 1 milhão de pessoas que todos os anos passam pelo território mexicano para chegar ao estadunidense, mas não são da região, e sim da África, Ásia e Europa.

“Não falamos deles, mas as deportações os afetam também. Há africanos, afegãos, paquistaneses, bengalis. São pessoas de muitos lugares, mas a estigmatização e referência a criminosos só ocorre quando se referem aos migrantes da América Latina”, explica.

Originalmente publicado no Brasil de Fato

Conheça as redes sociais do DCM:

Facebook: https://www.facebook.com/diariodocentrodomundo

🟣Threads: https://www.threads.net/@dcm_on_line
Adicionar aos favoritos o Link permanente.