“Proclamem nas montanhas” primeiro romance de James Baldwin, é publicado no Brasil

De toques autobiográficos, “Proclamem nas montanhas” mergulha em questões como religiosidade, moral, classe e raça

Gabriel Pinheiro | Colunista de Literatura

No cristianismo, a chegada ao topo da montanha é uma metáfora para o encontro com o divino. Após uma longa jornada terrena, numa subida árdua, repleta de dificuldades, provações e tentações, o topo é o símbolo do encontro com Deus. É o lugar mais alto, o destino final, a resposta para tudo. É esse topo da montanha que os personagens de “Proclamem nas montanhas”, primeiro romance de James Baldwin, anseiam. Com tradução de Paulo Henriques Britto, o livro é editado pela Companhia das Letras e chega pela primeira vez no Brasil pelo clube TAG Curadoria.

“Todo mundo sempre dizia que John seria pregador quando crescesse, igual ao pai. De tanto ouvir isso, o próprio John, sem pensar sobre o assunto, passou a acreditar também. Foi só na manhã do dia em que completou catorze anos que realmente começou a pensar nisso, e àquela altura já era tarde demais.”

Autobiográfico

De pinceladas autobiográficas, “Proclamem nas montanhas” acompanha um jovem negro na Harlem dos anos 1930. Filho de um ministro de igreja, John vê seu presente – e seu futuro – dominado pelos dogmas e preceitos cristãos, repetidos exaustivamente pelo pai, seja no alto de um púlpito ou pelos cômodos da casa onde moram. A salvação reside naquelas palavras. No seu aniversário de 14 anos, John reflete sobre sua existência até ali, sua liberdade, a relação com a religiosidade e a descoberta do próprio desejo. Uma transformação pessoal parece prestes a eclodir no âmago do adolescente. 

Do presente de John, a narrativa de James Baldwin viaja longamente no tempo, reconstruindo as trajetórias do pai, da mãe e da tia do protagonista – além de outros personagens que cruzaram e deixaram marcas indeléveis na existência de cada um deles. Nesses passados compartilhados, o escritor norte-americano mergulha nos caminhos tortuosos que levaram aqueles personagens até o momento presente. Caminhos marcados pelos excessos, pelas dores, pelo prazer, pela perda e pela necessidade de reconstrução das próprias histórias. Aqui, tanto a entrega completa à religiosidade quanto a sua recusa são gestos fundamentais nos processos de cada um.

Retrato de uma sociedade segregada

“Proclamem nas montanhas” é também um retrato vívido dos Estados Unidos do final do século XIX ao início do século XX, acompanhando tanto os momentos finais da escravidão, quanto uma América marcada pela segregação racial.

“Elizabeth contemplou as ruas tranquilas e ensolaradas, e pela primeira vez na vida odiou tudo aquilo — a cidade branca, o mundo branco. Naquele dia, não podia pensar numa única pessoa branca decente em todo o mundo.”

Num domínio completo do vocabulário cristão, Baldwin constrói um texto que, por vezes, parece cantado e melódico como um longo hino. Em um dos momentos mais marcantes da narrativa, a experiência de um arrebatamento cristão é descrita com maestria no texto do norte-americano. “Proclamem nas montanhas” é um olhar para o sagrado, para o profano e para as artimanhas da fé. É ainda uma reflexão sobre a religião nas suas relações com os conceitos de classe, raça e sexualidade. Sagrado e pecado, duas palavras que parecem se opor, se mostram como ideias intrinsecamente dependentes uma da outra na prosa de Baldwin. 

Proclamem nas montanhas (TAG Livros)
Proclamem nas montanhas (TAG Livros)

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Gabriel Pinheiro é jornalista e produtor cultural. Escreve sobre literatura aqui no Culturadoria e também em seu Instagram: @tgpgabriel (https://www.instagram.com/tgpgabriel)

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