Falta aluno? Mais da metade das vagas do Fies e do ProUni não são preenchidas

Embora as mensalidades das faculdades privadas nem sempre caibam na realidade financeira dos brasileiros, é lá que estão 95% das vagas em cursos de graduação, segundo o último Censo do Ensino Superior de 2023. Esse é um dos motivos pelos quais o governo federal tem apostado em programas sociais, como o Fies e o ProUni, a fim de facilitar o ingresso de estudantes. Mesmo assim, mais da metade das vagas deixam de ser preenchidas. 

No ano passado, o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) disponibilizou 112 mil financiamentos aos estudantes, mas somente 21 mil contratos foram firmados. Isso representa 19% dos financiamentos disponíveis. Frente aos 48 mil contabilizados em 2023, os contratos assinados caíram 56%. Veja mais detalhes do histórico de concessões no gráfico a seguir.

Só que a baixa adesão chama a atenção num contexto em que o programa estabelece o pagamento das mensalidades somente após a conclusão do curso. Junto a isso, no último ano foi lançado o Fies Social, uma modalidade especial que reserva 50% das vagas para estudantes com renda familiar per capita de até meio salário mínimo e inscritos no Cadastro Único (CadÚnico). Para o primeiro trimestre de 2025, o programa está com inscrições abertas para 67.301 vagas disponíveis de terça-feira (4) até esta sexta-feira (7)

Na mesma toada, o Programa Universidade para Todos (ProUni), que concede bolsas de estudos integrais e parciais, não tem conseguido ocupar todas as oportunidades abertas.

Segundo dados abertos do programa, do total de 5,4 milhões vagas ofertadas entre 2010 e 2020, somente 2,2 milhões foram preenchidas (41%). Vale ressaltar que o Ministério da Educação (MEC) não disponibiliza ao público informações sobre os contratos firmados nos últimos 4 anos. 

Apesar disso, o número de vagas no ProUni tem crescido: em 2023 foram 565 mil e, no ano seguinte, mais de 650 mil. As inscrições para o primeiro semestre de 2025, que ofertou 338 mil bolsas, encerraram na semana passada e, a partir do dia 26 de fevereiro, dará início à primeira chamada dos contemplados.

O InfoMoney questionou se o MEC tem avaliado medidas para garantir o preenchimento das vagas ociosas em ambos os programas, mas a pasta não comentou o assunto. Por meio de nota, o apenas ressaltou que o ProUni comemora 20 anos de existência em 2025, com 3,4 milhões de beneficiados. “Do total de estudantes que participaram do programa, mulheres e negros foram maioria”, diz o comunicado, sem mencionar o Fies. 

Critérios restritivos para os candidatos

Tendo em vista ser a porta de entrada de estudantes de baixa renda em universidades particulares, parte da dificuldade em preencher as essas oportunidades vem justamente dos critérios adotados. “O nível socioeconômico é um dos condicionantes. Embora não seja uma sentença, afeta o resultado do Enem”, explica Ocimar Alavarse, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP) e coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Avaliação Educacional (Gepave).

Tanto o Fies quanto o ProUni têm como critério aos candidatos uma média de pelo menos 450 pontos nas provas do Enem, além da nota superior a zero na redação. No entanto, Alavarse frisa que estudantes de baixa renda e provenientes de escolas públicas, na maioria das vezes, apresentam defasagens de ensino, dificultando na obtenção de notas mais altas e de boas classificações para conquistar as melhores oportunidades. 

“O critério da nota é como se fosse uma ‘medida de segurança’ para quem fornece o financiamento ou a bolsa, cujo pensamento é: não posso dar recursos financeiros para quem não tem recursos acadêmicos, e que não conseguirá concluir o curso.”

— Ocimar Alavarse, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Avaliação Educacional (Gepave)

Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), a proficiência média no Enem 2024 alcançou uma pontuação de 546, considerando todas as áreas do conhecimento avaliadas no exame. Um ano antes, o resultado médio foi de 543 pontos. Esses dados, no entanto, são gerais e não fazem o recorte por faixa de renda.

No caso do Fies, o entendimento é de que seja comum os vestibulandos fazerem prognósticos do quanto vão precisar arcar com as parcelas ao se formarem. E, muitas vezes, esses cálculos os fazem desistir do financiamento e adiarem o ingresso no ensino superior. 

O InfoMoney recentemente contou a história de Josiane de Souza, de 19 anos, que abriu mão do Fies para estudar e tentar passar em uma universidade pública no próximo ano. Mesmo tendo estudado boa parte da vida em uma escola particular sem bolsa, ela afirma que não era um colégio caro ou mesmo elitizado. 

“Fiz o ensino médio em Itapevi (SP), e a mensalidade cabia no orçamento dos meus pais com a ajuda dos meus avós. Mas eu não era bolsista, então não consigo o ProUni.”

— Josiane de Souza, estudante de 19 anos

Com uma renda per capita familiar de três salários mínimos e uma média no Enem de quase 700 pontos, a estudante está apta para o Fies, mas ela não quer. Sua preocupação vem na esteira do alto endividamento do programa: até maio do ano passado, o Fies contabilizou um saldo devedor de R$ 114,2 bilhões, com mais de 50% de inadimplência.

De olho no curso de Biomedicina, Josiane sonha com uma vaga em uma faculdade pública: seja na Universidade de São Paulo (USP), na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) ou na Universidade Estadual Paulista (Unesp). Se pudesse ser contemplada com uma bolsa do ProUni, a estudante consideraria o Centro Universitário São Camilo e a Universidade Anhembi Morumbi.

Dificuldades para entrar na faculdade (e de ficar)

Mas se de um lado o Fies enfrenta o temor da inadimplência, o ProUni sofreu com o aumento das bolsas parciais, redução da oferta de vagas remanescentes e com a falta de apoio ao aluno ingressante. Pelo menos é isso o que Lúcia Teixeira, presidente do Sindicato das Entidades Mantenedoras de Ensino Superior (Semesp) e da Universidade Santa Cecília (Unisanta), avalia. 

Ela explica que, entre 2016 e 2020, a cada bolsa integral oferecida pela universidade particular, duas parciais eram disponibilizadas. Essa tendência mudou de lá para cá, mas as vagas nas melhores faculdades ou nos cursos mais concorridos permanecem com as maiores notas de corte, dificultando o acesso. “O prounista, em geral, veio da escola pública. Se não for uma bolsa de 100%, dificilmente ele vai ingressar no ensino superior.”

Lúcia frisa que esse estudante costuma ter outros custos justamente para se manter na universidade. Seja porque nem sempre a faculdade é perto da moradia ou mesmo com o dia a dia das aulas. “Ele precisa se alimentar, pegar condução, comprar materiais, tudo isso só para estar ali, acompanhando as disciplinas.” 

Justamente devido às dificuldades de permanência e egresso dos estudantes que alguns subsídios são dados para esses bolsistas. Prounistas que estudam em cursos integrais com 100% de bolsa têm direito a um auxílio permanência (PBP-Prouni), fornecido pelo MEC. Além disso, alunos da licenciatura recentemente passaram a contar com o Pé de Meia.

Paralelamente, algumas universidades privadas também costumam ter programas próprios para estudantes de baixa renda. Os critérios podem variar, assim como o benefício — que vai desde auxílio com a alimentação e o transporte até recursos financeiros.

Perda individual e coletiva

Mesmo não sendo capazes de garantir o acesso de todos ao ensino superior, ambos os programas são tidos como exitosos pelos especialistas. Isso porque são considerados medidas paliativas frente à carência de oportunidades nas universidades públicas. 

“Potenciais candidatos à educação superior não têm condições para cursá-la, por falta de vagas ou de recursos financeiros. O Prouni e o Fies tentam atenuar um quadro que não deve melhorar tão cedo”, diz o professor da FEUSP, Ocimar Alavarse, que lamenta o fato de a educação superior não receber os recursos públicos apropriados. Ele afirma que um menor crescimento da população universitária trará impactos negativos para o país ao longo prazo. 

Isso porque, ao passo que pessoas com diploma do ensino superior tendem a receber remunerações maiores, a capacidade de consumo das famílias passa a ser mais elevada, além de o mercado de trabalho ser abastecido com profissionais mais qualificados. “É justo, em um certo grau, que a sociedade arque com isso. Há, por exemplo, medidas isoladas de apoio aos familiares: quando alguém paga a faculdade, é possível deduzir do Imposto de Renda.”

Já a presidente do Semesp frisa que, especificamente no caso de alunos contemplados com bolsas e financiamentos estudantis, observa-se menores taxas de desistência e médias acadêmicas similares às de alunos de universidades públicas. 

“Esses estudantes levam a excelência acadêmica também para o mercado de trabalho, e costumam estender os estudos para a pós-graduação. É um ganho para a sociedade como um todo, não apenas para aquele indivíduo.”

— Lúcia Teixeira, presidente do Sindicato das Entidades Mantenedoras de Ensino Superior (Semesp) e da Universidade Santa Cecília (Unisanta)

TCU cobra metas para Fies e Prouni

Em agosto do ano passado, o Tribunal de Contas da União (TCU) elaborou um relatório de auditoria sobre os programas no período entre 2013 e 2022, e apontou problemas de sustentabilidade financeira, transparência e governança. Ao todo, foram fiscalizados R$ 148 bilhões de despesas orçamentárias liquidadas do Fies, e outros R$ 28 bilhões, referentes a renúncias tributárias do Prouni.

“Verificou-se a inexistência de objetivos claros e metas específicas para processos-chave dos programas, bem como a ausência de indicadores de desempenho e de avaliações de eficácia dos programas por parte do Governo Federal”, escreveu o ministro Walton Alencar Rodrigues. O InfoMoney questionou se o MEC estuda atender essas medidas e se há uma previsão, porém a pasta não comentou o assunto. 

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