O pacificador manda recados para a extrema direita. Por Moisés Mendes

ministro José Mucio sério, falando e gesticulando
O ministro José Mucio – Reprodução/TV Cultura

Por mais denso e grave que seja o tema, há sempre uma certa candura nas falas do ministro José Mucio. Como aconteceu na desastrosa entrevista ao Roda Viva, quando, entre outros momentos ruins, foi perguntado se teve mesmo parentes acampados nos quartéis.

No tom de quem fala das preferências de familiares pelas coisas mais singelas, o ministro da Defesa respondeu assim ao tratar dos acampamentos e confirmar o que havia dito em janeiro de 2023:

“Tinha muita gente. Tinha irmão que gostava de ir pra frente do quartel e outros parentes, mas passou”.

A novidade foi o irmão. O ministro deu um ar de inocência ao fato de que esse irmão gostava de ir pra frente do quartel. Se ia, era porque gostava, como quem gosta de ir ao cinema. E, se gostava, era porque convivia com outros golpistas.

O negociador convocado por Lula para acalmar os quartéis e os generais de pijama teve um irmão e outros parentes frequentando acampamentos. Não se sabe se como acampados ou apenas como visitantes que se se sentiam bem andando por ali. Gostavam e pronto, e gosto não se discute.

Mucio também disse que “gente de todo o tipo” frequentava os acampamentos. E classificou os frequentadores como inocentes, apenas baderneiros e baderneiros profissionais que foram só para quebrar alguma coisa. Mas tem dúvida se pretendiam derrubar o governo que ele deve defender.

E admitiu: “As figuras que organizaram aquilo, que idealizaram, no dia não apareceram”. Mas, mesmo assim, mesmo admitindo que existiam organizadores da invasão, também tem dúvidas se aquilo foi uma tentativa de golpe.

É o que temos. Um ministro com fama de apaziguador, considerado fiel a Lula, dizendo que o irmão era frequentador dos acampamentos do golpe e, o que mais surpreendeu, exaltando Bolsonaro como interessado em mediar conversas com os chefes militares.

Foi quando disse que, já como escolhido por Lula para a Defesa, teve a ajuda do chefe do golpe para chegar com jeito, em dezembro de 2022, aos chefes das três armas para fazer a transição. Só um deles, o então chefe da Marinha, almirante Almir Garnier, se recusou a recebê-lo.

Mucio tinha um irmão golpista, procurou o líder golpista e foi esnobado por um dos chefes militares golpistas. E assim chegou até aqui, como fiel a Lula, repetindo um mantra no Roda Viva, como se fosse um Paulo Coelho chamado por Lula para a pacificação: “Sou um homem refém e escravo da gratidão”.

O que ele pode ter dito é que Lula, e não só ele, também é devedor de gratidão. Mucio também acha que os manés são apenas manés, que ninguém estava armado, que umas velhinhas invadiram Brasília e que é preciso dosar de novo as penas impostas a alguns deles.

O pior foi que Mucio largou uma bola nas costas de Lula, ao elevar Bolsonaro à condição de mediador de conversas com os generais, quando já se sabia quem havia participado da tentativa de golpe.

Por maior que seja seu esforço para se reafirmar como conciliador, não há como considerar razoável a sua fala, certamente bem planejada, para que Bolsonaro tenha um álibi poderoso como um democrata em busca da paz.

Qualquer aprendiz de golpismo sabe que Bolsonaro e muitos militares, incluindo Braga Netto, que está preso, só se recolheram quando se deram conta de que o golpe não daria certo.

O Bolsonaro que propicia o encontro de Mucio com os generais é um perdedor em busca de atenuantes. Mucio ofereceu, com acenos variados à direita bolsonarista, a passada de pano que o golpismo mais esperava.

No fim da frase em que admite que um irmão era golpista, o que não é incomum nas famílias brasileiras, o ministro afirmou, como se estivesse suspirando: “Mas passou”.

José Mucio sabe, pelo que disse no Roda Viva, que não passou. E sabe que o irmão dele também sabe.

Publicado originalmente no Blog do Moisés Mendes

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