Coleta de íris é suspensa e pessoas têm dificuldades com aplicativo para receber

Na última terça-feira (11), a Tools For Humanity, empresa responsável pelo projeto World ID, anunciou que estava suspendendo temporariamente o serviço de verificações de íris de brasileiros, após a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) proibir o projeto de remunerar pessoas pela coleta dessa biometria.

Mas nesta quinta-feira (13), apenas dois dias depois, muitas pessoas que escanearam a íris em troca de dinheiro afirmaram que estavam com dificuldades para acessar o aplicativo e receber o dinheiro oferecido. O World App, essencial para participar do projeto e que também é o canal oficial de atendimento, não estava funcionando, segundo pessoas que foram aos pontos de coleta e foram ouvidas pelo portal G1.

A maioria dos problemas estaria relacionado ao dinheiro oferecido. O projeto libera 20 criptomoedas chamadas “worldcoin” em 24 horas depois do escaneamento da íris, e as outras 28 moedas são distribuídas mensalmente ao longo de um ano. O usuário pode vender as moedas e receber o valor em reais, que daria algo em torno de R$ 600. Quase 500 mil pessoas tiveram a íris escaneada pelo projeto, que instalou seus pontos de coleta em regiões mais carentes da cidade de São Paulo.

A World informou ao InfoMoney que oferece um canal de suporte no World App, pelo qual os atuais participantes podem esclarecer suas dúvidas a respeito dos tokens. A empresa esclarece também que os operadores dos espaços físicos são o ponto de contato para orientação sobre o processo de verificação.

“O back-up do World App é fundamental para a utilização do app. No momento do download do World App, as pessoas têm a opção de fazer o back-up no local de sua preferência ou incluir um número de celular para recuperar a sua conta, o que é opcional.”

A advogada Patrícia Peck, especializada em Direito Digital, explica que o aplicativo é muito ruim e sua operação não é fácil para uma pessoa comum, especialmente a parte que faz a transação das criptomoedas, pois há uma mistura de idiomas, ora em português de Portugal, ora em inglês, com uso de termos como “withdraw” para resgatar valores.

“Além disso, as dúvidas no chat são atendidas em espanhol. O que merece uma atenção especial pois também se aplica o Código de Defesa do Consumidor”.

A Tools for Humanity – que tem como idealizador Sam Altman, cofundador da OpenAI, criadora do ChatGPT – iniciou as operações no Brasil em novembro de 2024 por meio do projeto World. Ao oferecer pagamento em troca da coleta de dados biométricos para criação da chamada World ID, a empresa alega que a identificação global permitiria a comprovação de que o titular é um ser humano único vivo e promoveria maior segurança digital.

Antes de ser barrado pelo governo, o aplicativo World foi baixado por cerca de 1 milhão de pessoas e quase meio milhão de brasileiros já fizeram a leitura da íris. Concentrando o foco nas periferias de São Paulo, uma das cidades escolhidas entre os 18 países onde o projeto atua, muitos dizem que ter o olho fotografado era um jeito de ganhar um “dinheiro extra”.

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Corrida digital

Segundo a advogada, existe hoje uma corrida para se estabelecer um padrão único e universal de identidade digital. “Quem detiver esse padrão no mundo, capaz de determinar se alguém é humano ou não, terá muito poder. O que é preocupante porque não se tem ainda uma legislação ampla de proteção desse tipo de dado nem mecanismos de controle, garantias, supervisão, limites de uso, e implicações disso para indivíduos e para o País”, alerta.

Além disso, ainda há um agravante desse material estar nas mãos de uma entidade privada, levantando questões sobre qual será o destino disso se o projeto não for adiante, como já ocorre com os casos das startups que capturaram DNA humano de pessoas de todo mundo e agora passam dificuldade financeira.

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“Mais que proteger os dados pessoais neste momento é preciso garantir sua proteção futura, ou seu encerramento atendendo protocolos de eliminação segura’, afirma.

A especialista em Direito Digital explica ainda que a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) exige uma comunicação clara, adequada e ostensiva pelo agente como parte do princípio da transparência.

“Se o titular declara que não compreende o que é o tratamento de dados, então não se está atendendo este requisito. Além disso, o benefício financeiro, se excessivo, pode distorcer e macular o consentimento, que precisa ser livre. Não há uma vedação na lei para que o titular obtenha uma recompensa financeira, mas se entendido que houve comprometimento da escolha por questão de necessidade, por exemplo, pode ocasionar vício de consentimento”, disse.

E o que pode fazer quem já vendeu?

Peck afirma que, para aqueles que já venderam seus dados biométricos, é possível pedir a revogação do consentimento assim como o apagamento dos dados, conforme o disposto no art. 18, VI da LGPD, que prevê que o titular dos dados pessoais tem direito a obter do controlador daquela informação, a qualquer momento e mediante requisição, a eliminação dos dados pessoais tratados com o consentimento do titular.

“Em um país em onde 27,4% da população vive abaixo da linha da pobreza e 7 milhões de pessoas encontram-se desocupadas, a contraprestação oferecida é significativa e, de fato, engaja pessoas a aderirem ao projeto sem entender o que estão fazendo, o que é muito preocupante’, afirma.

Peck lembra ainda que o brasileiro adere rapidamente às novidades tecnológicas, como no caso das bets, e se tiver uma oferta de dinheiro a população é induzida ou manipulada ainda mais facilmente. “Diante da evolução tecnológica, seria preciso fazer campanhas públicas educativas obrigatórias, seja pelo Estado ou por empresas, informando mais a população sobre a necessidade de proteção dos seus dados”.

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