RH sob pressão: Ideia de portabilidade do vale-alimentação e refeição divide opiniões

Trabalhadores almoçam em restaurante self-service. (Foto: andresr/Getty Images)

A retomada das discussões sobre mudanças no cobiçado mercado de vale alimentação e vale refeição, que movimenta mais de R$ 150 bilhões por ano, deixou os profissionais de recursos humanos de cabelo em pé. A proposta de permitir a interoperabilidade dos cartões nas diversas maquininhas do mercado é até bem recebida, porque daria maior liberdade aos funcionários para escolher onde querem comer ou comprar sua comida. Mas a possibilidade de conceder a portabilidade dos créditos assustou os profissionais de departamentos pessoal pelo país.

Por isso, a Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH) colocou todas as questões que preocupam o setor em um documento que foi entregue formalmente ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad nessa semana.

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A preocupação de muitos começa porque quem contrata as empresas de benefícios são os empregadores, depois de selecionar as melhores propostas para seus funcionários. “Assim, qualquer problema que ocorra quem responde na Justiça por esse serviço é quem contrata e gerencia o contrato. Mas se o empregado puder trocar o fornecedor esse controle se perde”, explica o advogado Roberto Baungartner, integrante do comitê de apoio legislativo da ABRH.

Tudo começou quando o governo quis discutir formas para tentar reduzir o custo da alimentação fora de casa. O ministro da Fazenda levantou então essas possibilidades de mudanças para aumentar a competição e facilitar o uso dos recursos pelo consumidor. O objetivo, assim como foi feito no setor de meio de pagamentos, é dar maior poder de negociação ao trabalhador.

Dessa forma o consumidor ganharia mais possibilidade de uso do cartão, além de poder remanejar os créditos para onde quisesse. A princípio o governo pensou em entregar o mercado à regulação do Banco Central, o que obrigaria as empresas que atuam no setor a operar segundo as regras das instituições financeiras. O principal argumento é de que, assim como no caso dos meios de pagamentos, a maior competição na operação das maquininhas também facilitaria a vida dos estabelecimentos e dos consumidores, com reduções significativas de cobranças de taxas.

No entanto, o BC informou, através da resolução número 289, dia 25 de janeiro de 2023, que essas empresas de benefícios não são integrantes do Sistema de Pagamentos Brasileiro e, portanto, estão fora do seu radar.

Já as empresas que operam os benefícios confirmam que não se trata apenas de um meio de pagamento, mas sim de uma política pública com regras estabelecidas há 50 anos dentro do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT). O objetivo é proporcionar alimentação saudável para mais de 23 milhões de trabalhadores e suas famílias, bem como garantir isenção de impostos para empresas que ofereçam os benefícios.

O programa inclui ainda a constante vigilância sobre os estabelecimentos, especialmente a sanitária. As possibilidades do benefício também são muito diversas, porque vão desde um refeitório ou restaurante interno até gerenciamento do tíquete.

“Fala-se na transferencia do saldo do cartão, mas e se a empresa que recebeu aquele dinheiro se tornar inadimplente ou deixar de operar? A responsabilidade será do empregador?”, questiona Baungartner.

“A solução não é simples porque o mercado é complexo e as exigências são grandes de todos os lados”, afirma Thomas Pillet, CEO da francesa Up Brasil. Segundo ele, mais do que um sistema de pagamento, esse é um recurso carimbado para alimentação. “Se permitirem o uso em outras coisas podemos acabar vendo o mesmo que aconteceu com o Bolsa Família, onde as pessoas estão usando os recursos em jogos, por exemplo”, afirma.

A interoperabilidade nas maquininhas dispensaria a portabilidade, na opinião do advogado da ABRH, porque permitiria que o cartão fosse aceito em qualquer estabelecimento, desde que tenha a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) voltado para alimentação. “Isso tudo é importante porque quando se dá o benefício em dinheiro ele, frequentemente, não é utilizado para a finalidade para o qual ele foi criado, o que é importante”, afirma Baungartner, citando ainda a possibilidade levantada por algumas empresas de garantir até um cashback para o usuário, quando o usuário recebe o dinheiro de volta.

Mais custos

Outro fator considerado importante pelo setor é que para se estabelecer a portabilidade seria necessário a criação de uma central para fazer a conciliação das transferências de pagamentos. Isso porque o dinheiro teria de ser repassado de uma empresa para outra e não há quem faça essa intermediação hoje.

“Quem vai pagar esse custo adicional? Isso pode onerar ainda mais a alimentação. E, se pesar demais, as empresas podem desistir de dar o benefício, que é facultativo, prejudicando o trabalhador”, diz Baungartner, acrescentando que por todas as complexidades, a negociação sobre o PAT deveria continuar sendo centralizada pelo Ministério do Trabalho, que já se manifestou contrário a portabilidade.

“A tecnologia já permitiu essa modalidade flex que conquistou o público, quebrando um pouco os arranjos mais fechados. Mas a portabilidade exigiria muito também das fintechs, o que acabaria fechando o mercado novamente para as grandes empresas que tem mais recursos”, na opinião de Lincoln Rocha, presidente da Associação de Gestão de Meios de Pagamentos Eletrônicos, a Pagos. Nascida em 2009, ela reúne 160 associados entre fintechs de meios de pagamento e benefícios e também já se posicionou a favor da livre concorrência saudável, mas sem aumento de custos.

O que está em jogo

O Ministério de Trabalho anuncia que 23 milhões de trabalhadores estariam beneficiados pelo PAT, deste total 80%, quase 19 milhões, recebem o beneficio cartão refeição e alimentação. O restante tem refeitório interno ou cesta de alimentos. Cerca de 85% dos trabalhadores que recebem cartão a remuneração é igual ou inferior a 5 salários-mínimos, sendo que a maioria recebe três salários. Recentes estudos do Dieese mostram que famílias deveriam receber pelo menos 300 reais para alimentação. Estima-se que o PAT movimente algo em torno R$ 150 bilhões por ano no Brasil. No mundo, o mercado de benefícios gira em torno de US$ 75 bilhões. Os números do programa dão a real dimensão do quão sensível ele é e o quanto vai mexer com muita gente em todo o país.

“Um programa que foi criado em 1976, portanto com quase 50 anos, passou por 13 mandatos de presidentes da República não pode ser mudado sem muita discussão”, afirma o advogado da ABRH.

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