Conheça Flávia Almeida, que faz bordados de benzedeiras para todo o Brasil

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Flávia Almeida trabalha com bordado há muitos anos, mas ‘as benzedeiras’ entraram em sua vida em junho de 2024 (Foto: Arquivo pessoal)

Fazer artesanato com intenção. É isso que Flávia Almeida, de 48 anos, buscou aplicar em toda a sua vida, seja a partir dos bordados, dos trabalhos em tecidos, plantas e papéis ou das peças de roupa. Mas foi com as benzedeiras que, há um ano, encontrou um sentido especial – seja para ela mesma ou para quem recebe as peças. Esses bordados retratam uma mulher fazendo esse ritual típico da tradição popular brasileira, com origem no sincretismo religioso e que serve para trazer cura e saúde para quem está sendo benzido. Ela faz a benzedeira junto com famílias que buscam a benção, a partir de encomendas ou ideias suas, e tudo isso em um cenário mineiro e envolto em plantações. A inspiração, não por acaso, veio da sua família, mas também das coisas que vive e vê no dia a dia. 

É comum que as pessoas cheguem até Flávia já com uma ideia, para que a benzedeira “benza”, no bordado, uma família ou alguém especial. “Quando faço uma encomenda, vejo todas as características daquela família. A cor de cabelo, a cor de pele. Tem gente que não tem filho, mas quer com gato ou com cachorro. E sempre recebo esse retorno, que é impressionante para mim. Tem muita gente que faz bordado, mas eu queria algo com sentido. É mais que um bordado, mais que uma imagem, é uma intenção. Quando a gente dá para outra pessoa, não está dando só o trabalho, está dizendo quase um eu te amo.” Ela começou esse trabalho em junho de 2024, e desde então tem vendido as peças no Instagram, mas também nas lojas Linhas de Minas (em São José dos Lopes) e Bem Mineiro (em Belo Horizonte). Além das benzedeiras, ela conta que se preocupa em trazer, para cada bordado, os detalhes dos cenários mineiros, com toda a simplicidade e beleza que levam.

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Trabalho de 25 metros foi feito para um festival em Trancoso (Foto: Arquivo pessoal)

Isso tudo faz com que o resultado fique bastante personalizado: “Eu vou bordando direto. É impossível sair uma peça igual à outra, e acho que o bom é isso. Fazer uma de cada”. Outro aspecto que, conforme conta, sempre está presente em seus trabalhos, é a presença destacada de figuras femininas – no caso, mulheres anciãs. Pelo menos desde 2005 ela trabalha esse feminismo em sua arte, com um olhar especial para essas figuras, seja em qual formato for, e representadas de maneiras variadas, como conta. “Não é nem que eu quis, mas esse universo do feminino veio. Não é algo que eu penso, mas que chega até mim. É o que faz mais sentido e que acho que merece ter esse destaque.” Para ela, é essencial que tudo tenha uma alma.  “O mundo já está cheio de objeto, cheio de lixo. É importante a gente criar algo com um sentido verdadeiro.”

Muitas vezes, alguém chega até ela com encomendas especiais, e também abre espaço para isso. Recentemente, fez um painel de tecido de 25 metros e 1,80 de altura para um festival, em Trancoso, chamado Saravá. “O tecido dá liberdade de fazer cenários enormes. Tinha casa, tinha gente, tinha rio, tinha onça, mar.” Essa semana, por sua vez, vai ficar por conta de bordar um vestido de noiva. E isso, claro, sem deixar as benzedeiras de lado – tem dias que chega a trabalhar durante 9h, além de cuidar da casa. “É algo que me dá realização, então quando pego pra fazer, vou fazendo.” Para ela, esse trabalho de artesã vai além de criar peças, e chega a conseguir realmente atingir as pessoas, em algum lugar íntimo. “A beleza vai além do que é bonito. Ela alegra a sua vida, preenche seus dias. Já tem tanta coisa ruim no mundo. Acho que a gente tem que lutar por isso, por ver um sentido e acreditar em alguma coisa”, diz.

Ancestralidade das benzedeiras

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As benzedeiras podem ser personalizadas de acordo com características ou gostos (Foto: Arquivo pessoal)

A ideia de criar os bordados de benzedeiras veio de algo íntimo, e que ressoou nas outras pessoas – ela revela que é o trabalho que é mais buscado pelos seus clientes. “Eu cheguei em uma idade em que comecei a pensar mais nesse lado espiritual e na fé. Foi de acordo com o amadurecimento, e cheguei nesse momento. Minha avó materna não era benzedeira, mas benzia a gente, por exemplo quando entrava cisco no olho, quando tinha caxumba ou quando tinha formigueiro.” Além disso, sua avó também era muito ligada à natureza, coisa que ela, hoje, já mãe de um menino de 15 anos, incorporou totalmente. 

Trata-se, em sua visão, também de um registro dessa ancestralidade, de um costume que marca as famílias. Mas essa memória retorna não só para ela, como conta, mas também para quem pede as peças. “A pessoa vê aquilo e deposita uma fé. Lembra da avó, da mãe, de alguém que levava em uma benzedeira. Tem esse afeto que é grande. O retorno é muito bom.” 

Trabalhar e viver

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Trabalho com sentido é o foco de Flávia Almeida (Foto: Arquivo pessoal)

A escolha de ser artesã já é antiga. Ela, inclusive, já teve um ateliê em Juiz de Fora, junto com Letícia Nogueira e Erika Senra, chamado O Cortiço. Seu trabalho foi mudando conforme os anos, e a maternidade, para ela, foi um ponto decisivo nesse sentido. “Você não consegue produzir igual antes, e demora a pegar o ritmo de novo. Mas, hoje, sinto que consigo ser mais estratégica no que faço.” Para ela, também é importante manter em vista que faz algo que é desafiador, mas que também é muito gratificante. “Sei que estou trabalhando e vivendo do que eu faço. E também que estou vivendo, viva. Não quero ser definida só pelo trabalho que faço”, diz.

Por isso, também sempre se lembra de um conselho de uma professora, que disse que o artista trabalha quando está andando na rua, quando vê casas, quando enxerga as pessoas – quando parte para trabalhar, na verdade, está quase descansando, passando para a realidade aquilo que já absorveu dentro de si. “Eu escolhi ser artesã, escolhi ser mãe. As escolhas que eu fiz são as escolhas que eu banco”, conta. E que, também, parece levar com os mais ricos detalhes para o que faz.

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