Conservadores vencem eleição na Alemanha; extrema-direita chega em segundo lugar

Friedrich Merz, o conservador “anti-Merkel” que liderou a CDU para a vitória na eleição antecipada – Foto: Kay Nietfeld

Por Jean-Philip Struck, em DW

Em meio a um cenário de crise econômica e tensões geopolíticas, os alemães foram às urnas neste domingo (23/02) em eleições legislativas antecipadas para definir os novos membros do Parlamento (Bundestag).

As primeiras pesquisas de boca de urna apontam que a conservadora União Democrata Cristã (CDU) combinada com seu parceiro bávaro, a União Social Cristã (CSU), foi a legenda mais votada do pleito, com cerca de 29% dos votos, cacifando o líder conservador Friedrich Merz a ocupar o posto de chanceler federal e substituir o impopular social-democrata Olaf Scholz na chefia do governo alemão.

Apesar de ter superado o Partido Social-Democrata (SPD) de Scholz, a CDU/CSU não assegurou maioria entre as 630 cadeiras no Bundestag. Assim, a legenda ainda terá que costurar alianças com outras siglas para solidificar a ascensão de Merz ao posto e garantir a formação de um governo estável, um processo que pode se arrastar por semanas.

Até lá, Scholz deve permanecer no posto interinamente. E o processo pode se complicar dependendo da quantidade de legendas que podem formar bancadas no Parlamento, quando a contagem final for confirmada.

Mas é considerado certo que os dias de Scholz à frente do governo parecem contados. Castigado por desaprovação recorde, o atual chanceler federal e o SPD devem obter apenas 16% dos votos – opior resultado da legenda em mais de um século –, levando o partido a cair para a terceira posição entre as maiores bancadas do Bundestag, algo que também não era observado desde o fim do século 19.

Com o resultado, Scholz deve se tornar o chanceler federal mais breve desde a reunificação do país em 1990, tendo ficado menos de quatro anos no cargo.

Já a segunda maior bancada passará a ser ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD), que deve obter 19,5% dos votos numa eleição dominada por questões como imigração, crise econômica e acusações de interferência externa. Com essa porcentagem, a AfD quase dobrou seu eleitorado em relação ao último pleito, em 2021.

Os Verdes, parceiros de Scholz na atual coalizão de governo, sofreram um leve declínio, aparecendo com 13,5% dos votos. Eles foram seguidos pelo partido A Esquerda (Die Linke), com 8,5%, uma marca que reverteu o desgaste sofrido pela legenda nos últimos anos.

Os resultados preliminares também apontam que o Partido Liberal Democrático (FDP, na sigla em alemão) – cuja saída do governo em novembro levou à antecipação da eleição – e a nova legenda populista de esquerda  Aliança Sahra Wagenknecht (BSW) podem não superar a cláusula de barreira de 5% e, por isso, correm o risco de ficar de fora do Bundestag.

Eleição agora vai dar lugar à fase de negociações

Os resultados preliminares apontam que a CDU/CSU conseguiram recuperar terreno entre o eleitorado em relação ao pleito de 2021, quando foram superados pelo SPD. os conservadores cresceram cinco pontos percentuais – o resultado, porém, continua abaixo das marcas obtidas pelo partido sob a liderança da ex-chanceler Angela Merkel nos pleitos entre 2005 e 2017.

Por enquanto, a governabilidade para os conservadores permanece uma incógnita. Para conseguir liderar um governo estável na Alemanha, um pretendente a chanceler federal precisa garantir mais de 50% dos votos no Bundestag. Como nenhum partido obteve essa marca sozinho, vai entrar em cena a costura de alianças .

Na Alemanha, os eleitores não votam diretamente nos candidatos a chanceler, mas em seus partidos e em candidatos a deputado pelas legendas. Normalmente, cabe à legenda que conquistar mais cadeiras no Bundestag e/ou que tiver mais chances de liderar a costura de uma coalizão com mais de 50% das cadeiras encabeçar o governo – e consequentemente escolher o chanceler federal.

Não é inédito que um aspirante conquiste a chancelaria sem que seu partido tenha terminado em primeiro lugar nas eleições. Isso já ocorreu em pleitos realizados na antiga Alemanha Ocidental em 1969, 1976 e 1980, quando partidos menos votados mostraram mais capacidade de formar coalizões. No entanto, tal cenário é considerado improvável, considerando o declínio do SPD e o isolamento da AfD.

Como Merz e a CDU/CSU descartaram uma aliança com a AfD, analistas apontam que Merz terá que cortejar os partidos que aparecem na terceira e quarta posições para garantir uma coalizão estável. Ou seja, os social-democratas e verdes, que governaram a Alemanha nos últimos três anos.

A ascensão de Merz

Nascido em 1955 em Brilon, na antiga Alemanha Ocidental, Merz ingressou na CDU ainda na adolescência. Formado em Direito, ele chegou a atuar como juiz antes se candidatar a cargos eletivos. Estreou como eurodeputado em 1989. Na década seguinte, foi eleito para o Parlamento alemão.

Membro de um grupo rival interno ao da ex-chanceler Merkel na CDU, Merz acabou se afastando da política em 2009, passando a atuar no setor privado. Em 2018, com a aposentadoria de Merkel já no horizonte, voltou à política, tornando-se líder da CDU em 2021.

 

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No comando da legenda, Merz deu uma guinada conservadora, afastando a CDU da rota centrista adotada por Merkel por quase duas décadas, o que levou a imprensa estrangeira a defini-lo como um conservador “anti-Merkel”.

Opositor da política de “boas-vindas” aos refugiados da sua predecessora, Merz passou a defender uma abordagem mais rígida contra a imigração. Também se mostrou crítico ao fechamento de usinas nucleares acertado por Merkel.

Em alguns momentos, Merz foi acusado por rivais de se aproximar da ultradireita. Em janeiro, após um ataque a faca executado por um afegão que deixou dois mortos, Merz tentou aprovar no Bundestag, com apoio da AfD, um projeto para restringir a imigração. O gesto foi visto como uma rachadura significativa no “cordão sanitário”, pacto dos partidos tradicionais para isolar politicamente a ultradireita, e provocou protestos nas ruas e críticas da ex-chanceler Merkel.

Merz tentou minimizar o episódio reforçando que nunca pretende se aliar à AfD. Se ascender mesmo ao posto de chanceler federal, Merz será o terceiro membro da CDU a chefiar o governo alemão desde a reunificação do país, em 1990.

Neste domingo, após o anúncio da boca de urna, Merz discursou para seus apoiadores , afirmando que se tratava de “uma noite de eleição histórica” para os conservadores da CDU/CSU.

“Nós, o bloco da União, vencemos esta eleição”, disse Merz. “Ganhamos porque a CDU e a CSU trabalharam muito bem juntas e se prepararam muito bem.”

Em seguida, Merz abordou as complicadas negociações para a formação de uma coalizão que já se anunciam. “O mundo não vai esperar por nós, não vai esperar por longas negociações de coalizão. Precisamos ser capazes de agir novamente com rapidez, para que possamos fazer a coisa certa na Alemanha, para que estejamos presentes novamente na Europa e para que o mundo veja: A Alemanha tem novamente um governo confiável”, disse Merz.

Social-democratas amargam derrota histórica

Com 16% dos votos no pleito antecipado, o SPD de Scholz obteve uma das piores votações da sua história. Em comparação com 2021, foram quase dez pontos percentuais a menos.

O resultado negativo só é comparável aos obtidos nos primeiros anos da legenda, entre os anos 1870 e 1880, durante o antigo Império Alemão. A última vez que o partido havia ficado abaixo da marca dos 20% foi no pleito de 1933, quando os nazistas já estavam no poder e a campanha foi marcada por intimidação.

Com o resultado deste domingo, os social-democratas caíram para a terceira posição entre as bancadas no Parlamento. Novamente um feito histórico: a última vez que a legenda não ocupou o primeiro ou segundo lugares ocorreu em 1887.

Com seus dias aparentemente contados como chanceler, Scholz também se tornará o líder de governo menos longevo desde a reunificação, em 1990.

Scholz chegou ao poder em dezembro de 2021, na esteira de 16 anos de governo da ex-chanceler conservadora Angela Merkel, costurando uma inédita – pelo menos desde a reunificação – tríplice coalizão para governar a Alemanha, formada pelo seu SPD, os Verdes e o FDP.

No início de novembro, o FDP saiu ruidosamente do governo. Sem os liberais, Scholz se viu na posição de líder de um governo de minoria e acabou abrindo caminho para eleições antecipadas – inicialmente, o pleito estava marcado para setembro.

Agonia dos liberais e estagnação dos Verdes

O SPD de Scholz não foi o único partido da coalizão de governo a ser castigado pelo eleitorado. Membros remanescentes da coalizão de Scholz, os Verdes sofreram uma leve redução entre o seu eleitorado, terminando a eleição com 13,5% dos votos – contra 14,8% em 2021. Numa campanha dominada pela economia e imigração, os Verdes tiveram dificuldades para promover sua agenda ambiental.

Já o Partido Liberal-Democrático (FDP), parceiro do chanceler até a ruptura de novembro, pode obter nesta eleição um dos piores resultados da sua história, aparecendo na disputa com 4,9% dos votos, abaixo da cláusula de barreira de 5%. Com isso, o FDP corre o risco de ficar fora do Parlamento, caso também não consiga compensar a porcentagem com a eleição de pelo menos três deputados por mandato direto.

Ultradireita quase dobra votação na eleição alemã

Segundo os primeiros resultados, a ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD), deve praticamente dobrar sua atual bancada de mais de 70 deputados no Parlamento e se tornar o segundo maior partido da Casa, apenas atrás da CDU/CSU.

No entanto, esse aumento expressivo entre o eleitorado não deve se traduzir necessariamente em poder para a AfD, já que todos os partidos tradicionais já avisaram que não pretendem se aliar com a sigla para formar um novo governo.

Fundada em 2013, inicialmente como uma sigla eurocética de tendência liberal, a AfD rapidamente passou a pender para a ultradireita, especialmente após a crise dos refugiados de 2015-2016. Com posições radicalmente anti-imigração, membros que se destacam por falas incendiárias ou racistas, a legenda é rotineiramente acusada de abrigar neonazistas.

Nesta eleição federal, o partido indicou como candidata a chanceler uma das colíderes da legenda, a deputada Alice Weidel.

Após a divulgação dos primeiros números neste domingo, Weidel celebrou o resultado. “Somos o único partido a dobrar em relação à última eleição – o dobro!”, disse Weidel a apoiadores na sede do partido em Berlim.

Nesta eleição, redobrando seu discurso anti-imigração, especialmente após uma série de ataques cometidos por homens de origem estrangeira desde novembro nas cidades de Magdeburg, Aschaffenburg e Munique, a AfD também recebeu endossos externos durante a campanha por parte do bilionário sul-africano Elon Musk e o vice-presidente americano J.D. Vance, o que levou rivais a acusarem interferência externa.

Esquerda renasce das cinzas

A eleição deste domingo também foi palco de um renascimento que parecia improvável há poucos meses. Ao conquistar 8,5% dos votos, segundo as primeiras pesquisas, o partido A Esquerda (Die Linke) se juntou ao clube de legendas que registrou crescimento.

Formada em 2007 em parte por remanescentes do antigo partido comunista da Alemanha Oriental, A Esquerda por pouco não havia ficado de fora do Bundestag em 2021. Obtendo 4,9% dos votos, a legenda só não foi barrada pela cláusula de barreira de 5% porque conseguiu eleger três deputados por voto direto, o que compensou a votação magra.

Em 2024, veio uma nova crise. Um grupo de dez deputados deixou a legenda para formar uma nova agremiação concorrente. Por um momento, parecia que A Esquerda caminhava para a irrelevância.

No entanto, em janeiro, o quadro começou a mudar. A ajuda decisiva parece ter vindo de políticos mais jovens da legenda. Uma das sensações da campanha foi a deputada de esquerda Heidi Reichinnek, de 36 anos, que amealhou meio milhão de seguidores no TikTok. Em janeiro, um de seus vídeos, com pesadas críticas ao conservador Merz se tornou viral na Alemanha. No mesmo mês, o partido ganhou 20 mil novos filiados.

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