Ucrânia: Guerra de 3 anos deixa país fraturado e em risco de isolamento internacional

Há três anos, na madrugada de 24 de fevereiro de 2022, a Rússia promoveu uma invasão em larga escala na Ucrânia, por terra, mar e ar, escalando de vez um conflito iniciado em 2014, quando Vladimir Putin ordenou a anexação da península da Crimeia. A guerra gerou um grande movimento global de solidariedade aos ucranianos e uma resposta organizada de sanções econômicas aos russos.

Mas existe hoje um claro risco de isolamento da Ucrânia pela mudança de governo nos EUA, o que poderia forçar o presidente Volodymir Zelensky a aceitar termos muto pesados para um cessar-fogo.

Leia também: EUA e Rússia se reúnem sem Ucrânia para discutir fim da guerra

O InfoMoney fez um levantamento de como estão as condições do país devastado por ataques diários e também dos principais atores nesse drama. Leia abaixo:

Desastre humanitário

A ACNUR, a agência para refugiados das Nações Unidas afirma que o conflito provocou a maior e mais rápida crise de deslocamento na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. Desde fevereiro de 2002, calcula-se que quase 6,9 milhões de refugiados da Ucrânia foram registrados globalmente, sendo que 92% se abrigaram em países europeus. Desse total, 59% são mulheres, 31% crianças e 6% pessoas idosas. A esses, somam-se outras quase 4 milhões de pessoas que foram forçadas a se deslocar internamente na própria Ucrânia, se afastando das regiões de combate mais intensas, ao Leste e ao Sul do país. Ainda que boa parte desses refugiados tenham planos de retornar ao final da guerra, suas antigas residências podem ter sido reduzidas a escombros e os acessos a serviços como eletricidade, aquecimento e água devem demorar muito tempo para serem restabelecidos. Como boa parte do parque industrial foi afetada, espera-se também uma crise de empregos nos primeiros anos.

Mortes

Contabilizar as perdas de vidas de militares na Guerra da Ucrânia não é uma tarefa fácil porque são consideradas informações estratégicas. Segundo o Instituto para o Estudo da Guerra (ISW, na sigla em inglês), a Rússia perdeu mais de 700.000 soldados entre mortos e feridos, enquanto cerca de 48 mil são considerados desaparecidos. Do lado ucraniano, seriam cerca de  400.000 mortos ou feridos e 35.000 desaparecidos. Mas o presidente Volodymir Zelensky só admitiu a perda de 43.000 soldados ucranianos, enquanto estimou as baixas russas em 180 mil, com outros 550 mil feridos. Na população civil, que possui uma estimativa mais confiável, as perdas do lado ucraniano ultrapassam as 12 mil pessoas, enquanto do lado russo seriam quase 400 mortes.

Território ocupado

Ocupação russa na Ucrânia (Foto: Reprodução do site do Institute for the Study of War)

Nesses três anos de guerra, a Rússia ainda ocupa o equivalente a 19% do território ucraniano, mais precisamente no Sul e Sudeste do país, porção do território onde se calcula que ainda vivam cerca de 3,5 milhões de cidadãos da Ucrânia. A província, ou “oblast”, da Crimeia já está sob o controle russo desde 2014, mas as tropas de Vladimir Putin mantêm o controle da maior parte das províncias de Luhansk, Donetsk, Zaporizhzhia e Kherson. Os dois lados costumam divulgar avanços e recuos em Donbass, região que pode sediar os combates mais duros em 2025. Uma análise recente do think tank European Policy Centre (EPC) alertou que manter essas porções de território em poder russo num acordo de cessar-fogo pode ser perigoso para o futuro. “A médio prazo, não se deve esquecer que a Rússia de Putin é expansionista por natureza, procurando dominar a sua vizinhança”, diz o estudo, destacando que a Moldávia e a Geórgia já estão linha de fogo secreta russa e que há uma presença preocupante na África e no Oriente Médio. Além disso, a aliança com a Coreia do Norte pode levar a conflito na Ásia-Pacífico.

Economia em frangalhos

No ano passado, a Banco Mundial estimava que o custo total de reconstrução e recuperação da Ucrânia irá consumir US$ 486 bilhões na próxima década, valor que já pode ter ultrapassado os US$ 500 bilhões pela continuidade do conflito – em 2023, a conta estava em US$ 411 bilhões. Acredita-se que a maior parte dos recursos deverá ser aplicada em habitação, transporte, comércio e indústria, energia e agricultura, que foram os setores mais afetados pelos combates ou pela interrupção dos serviços. Ao menos 10% das habitações em todo o país foram danificadas ou destruídas. Embora a desindustrialização já fosse um problema identificado antes da guerra, a capacidade industrial do país deve ter recuado em até 25% desde a invasão, especialmente a siderúrgica e a mecânica. O PIB ucraniano colapsou 18,9% no primeiro ano da guerra e outros 10,1% no ano seguinte. Com os gastos com defesa, retomada de exportações e recuperação de parte da força da metalurgia, estima-se que a economia tenha crescido 4% em 2024,  e que deva avançar 2,5% em 2025 e 2,0% em 2026.

Fator Trump?

A mudança de tom no apoio americano ficou bem nítida na semana passada, quando o presidente Donald Trump deu o aval para negociações de fim de hostilidades sem a preocupação de incluir os ucranianos na conversa. O americano parecer ter comprado totalmente a ideia de a Ucrânia tinha a maior parte da responsabilidade no conflito. O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky reagiu dizendo que Trump tomava decisões baseadas em desinformação e ouviu de volta que agia como um ditador em seu país.

Trump parece mesmo disposto a convencer Zelensky pela via financeira. Na Truth Social, de sua propriedade, ele escreveu que “comediante modestamente bem-sucedido” [antes da política, o ato Zelensky fez sucesso numa série de comédia] “convenceu os EUA a gastar US$ 350 bilhões de dólares para entrar em uma guerra que não poderia ser vencida, que nunca teve que começar, mas uma guerra que ele, sem os EUA e “TRUMP” (sic), nunca será capaz de resolver.”

Ele escreveu ainda que “esta guerra é muito mais importante para a Europa do que para nós” porque há “grande e lindo oceano como separação” do conflito. “Zelenskyy, é melhor agir rápido ou não terá mais um país”, disse.

E o futuro

Não é exagero dizer que Zelensky está numa encruzilhada com a atual movimentação dos Estados Unidos no tabuleiro de xadrez global. Perder o apoio financeiro (que se traduz no militar) americano deixa a Ucrânia numa posição mais enfraquecida para enfrentar a Rússia ou arcar com cessões exageradas num acordo de cessar-fogo. Embora não seja do interesse europeu fica passivo a um avanço de Putin na geopolítica, os países estão envolvidos em suas próprias questões internas – a Alemanha, por exemplo, mudará seu primeiro-ministro em breve. Mas há quem defenda ampliar a ajuda aos ucranianos: um estudo do Instituto Tony Blair para a Mudança Global afirma que um adicional de US$ 40 bilhões anuais em ajuda militar à Ucrânia – aumentando os atuais US$ 95 bilhões para igualar os US$ 135 bilhões da Rússia – transformaria a capacidade da Ucrânia de lutar na guerra. O custo de abandonar o país será maior no longo prazo, alega o texto.

(Fontes: The Economist, Conselho Europeu de Relações Exteriores -ECFR, na sigla em inglês, Johns Hopkins University, Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais -CSIS, Instituto Tony Blair para a Mudança Global, GMK Center, Banco Mundial, OCDE e revista Foreign Affairs)

The post Ucrânia: Guerra de 3 anos deixa país fraturado e em risco de isolamento internacional appeared first on InfoMoney.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.