Por que a pequena eleição na Groenlândia ganhou importância para o mundo?

Deveria ter importância internacional uma eleição parlamentar envolvendo pouco mais de 40 mil votantes, que vão escolher apenas 31 representantes, com a obrigação de se reunirem por duas vezes no ano, no outono e na primavera? A resposta poderia ser naturalmente um não, mas a região em questão é a Groenlândia, que se tornou nos últimos anos uma área tão cobiçada que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, falou abertamente em tomar o controle da ilha, “de um jeito ou de outro”.

Como acontece a cada quatro anos, os habitantes da “maior ilha do mundo” vão renovar nesta terça-feira (11) a Inatsisartut, a assembleia legislativa da Groenlândia. Isso num clima de forte apelo pela independência da área autônoma, hoje ainda subordinada à Dinamarca para assuntos econômicos, de relações externas e de defesa.

Mas quais os motivos que levam a região de apenas 56 mil habitantes ser alvo de cobiça internacional? O InfoMoney separou alguns dados para explicar isso. Como disse o jornalista Peter Harmsen em entrevista recente para a National Geographic do pesquisador e autor de livros sobre a história militar, “tudo se resume a dois fatores: localização e minerais”.

Conheça a Groenlândia

A Groenlândia é uma grande massa de terra e gelo – tem área estimada de 2,166 milhões de quilômetros quadrados – mas possui apenas cerca de 56 mil habitantes, boa parte deles concentrados na capital Nuuk. Localizada em parte na América do Norte e outra no Polo Norte, é uma região autônoma, mas que faz parte da Dinamarca — que colonizou a região de 1776 até 1953. Os groenlandeses avançaram em sua autonomia para questões internas desde então, mas a Constituição, a cidadania, a Suprema Corte, a política externa, de defesa e segurança, a taxa de câmbio e a política monetária permanecem com o governo dinamarquês.

Como é a economia da Groenlândia?

Embora seja oficialmente autônomo, o território da Groenlândia é extremamente dependente da Dinamarca. O Banco Mundial estima que o Produto Interno Bruto local seja de aproximadamente US$ 3,3 bilhões, sendo que o governo dinamarquês contribui com cerca de US$ 500 milhões por ano para o orçamento, o equivalente a pouco mais da metade das receitas do governo da ilha. O território depende muito das exportações de pescado, mas o grande potencial a ser destravado é o da exploração mineral, especialmente em terras raras – essenciais para insumos da transição energética. Mas o debate interno sobre os impactos ambientais desses novos investimentos dominam a política total tanto quando as propostas de independência. A Groenlândia encerrou uma proibição de 25 anos à mineração de materiais radioativos, como urânio, em seu território, mas proibiu toda nova exploração de petróleo e gás.

Relatórios do Comando do Norte das Forças Armadas dos EUA têm destacado que  estados e economias em desenvolvimento, como a Groenlândia, são extremamente vulneráveis ​​ao investimento estrangeiro. E que grandes fluxos de caixa para pequenas economias compram grande influência, por isso assistência econômica dos EUA e o investimento local “precisam ser em larga escala, de longo prazo e significativos”.

Qual a importância estratégica da ilha?

Por sua localização, na região do Ártico, a ilha sempre foi alvo de cobiça por grandes potências. De fato, logo depois da Segunda Guerra Mundial, o presidente americano Harry Truman fez uma oferta oficial para comprar o território por US$ 100 milhões em ouro e direitos de exploração de petróleo numa área do Alasca. A proposta não foi aceita pela Dinamarca. Para os EUA é cada vez mais importante garantir acesso a passagens pela região, ainda mais num contexto de crescente militarização do Ártico, especialmente pela Rússia. Além disso, a Groenlândia ocupa uma posição considerada chave ao longo de duas rotas de transporte potenciais através do Ártico: a Passagem do Noroeste, ao longo da costa norte da América do Norte, e a Rota Marítima Transpolar, pelo centro do Oceano Ártico. À medida que o gelo marinho do Ártico derrete, essas rotas podem reduzir nas décadas à frente os tempos de transporte, além de permitir contornar os tradicionais pontos de estrangulamento do comércio, como os canais de Suez e do Panamá. 

EUA X China

A Groenlândia hospeda a Base Espacial Pituffik, antiga Base Aérea de Thule, uma instalação militar dos EUA essencial para o alerta precoce de mísseis e defesa, bem como de vigilância espacial. Mas o Comando do Norte tem alertado com insistência para a crescente presença no Ártico não só da Rússia, mas também da China, que faz sua aproximação por meio de acordos comerciais.

 “A China percebeu astutamente tanto a importância da Groenlândia quanto sua vulnerabilidade, e vem fazendo investimentos lá desde 2015. (…) Investiu em terras raras e minas de urânio, e em 2016 tentou comprar uma estação naval com acesso a águas profundas, à qual o governo dinamarquês se opôs”, lembra um relatório de 2020 do comando americano. Além disso, o texto lembra que o gigante asiático está buscando estabelecer presenças permanentes no Ártico para consolidar sua “Rota da Seda Polar”, de acordo com um “white paper” da Política Ártica, de 2018, divulgado por Pequim.

EUA X Rússia

Sobre a Rússia, o relatório cita que o país governado por Vladimir Putin vem remilitarizando suas bases no Ártico estabelecidas pela primeira vez durante os tempos soviéticos, ameaçando diretamente as novas rotas de navegação expostas pelo recuo do gelo polar e reduzindo os tempos de voo de aeronaves e mísseis capazes de atingir alvos no Ártico e no Atlântico Norte. “A Rússia também deixou claro abertamente seu interesse em reivindicações territoriais polares e potencial extração de recursos, plantando uma bandeira russa sob o mar no Polo Norte em 2008”, dizem os miliares americanos.

“A China e a Rússia estão tentando contestar a hegemonia dos EUA em todo o mundo, e o Ártico fornece uma nova área para aumentar a influência e desafiar o domínio dos EUA em seu próprio quintal. A retórica da China se autodenominando uma ‘potência quase ártica’ e prevendo que será uma ‘grande potência ártica’ não são promessas vazias”, adverte o Comando do Norte.

E a eleição?

Serão o 31 deputados que serão escolhidos nesta terça-feira (11), numa disputa que envolve seis partidos políticos. O atual primeiro-ministro, Múte Egede, pertence ao Inuit Ataqatigiit, de esquerda, que governa em coalizão com o Simiut. As pesquisas mostram que os dois partidos devem novamente ter a maioria dos votos. Em 2021, prevalece a questão ambiental, em específico sobre os direitos de explorar os minérios da Groenlândia. Agora, com os holofotes do mundo desenvolvido voltados para a ilha, planos de independência plena e a velocidade para alcançar esse objetivo ganharam força. O partido Simiut promete colocar em votação uma proposta sobre a independência após a eleição parlamentar, mas há indícios de que o partido populista Naleraq, o maior da oposição,vem crescendo em popularidade. E a agremiação, também pró-independência, tem mostrado disposição de colaborar com os Estados Unidos. Qupanuk Olsen, a influenciadora digital mais popular da Groenlândia (com 500 mil seguidores no TikTok e 300 mil no Instagram), está concorrendo a uma cadeira exatamente pelo Naleraq.

(Fontes: Departamento de Defesa dos Estados Unidos, Banco Mundial, Belfer Center for Science and International Affairs, National Geographic, AP, EuroNews e Parlamento Europeu)

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