IPCA deve se manter alto, a despeito da subida dos juros, diz André Braz, da FGV

Em um cenário de aumento dos preços dos alimentos e inflação de serviços persistentes, o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) deve continuar acima do teto da meta nos próximos meses, a despeito do aumento da taxa básica de juros.

A avaliação é do coordenador dos índices de preços da FGV Ibre, André Braz, que conversou nesta quarta-feira com o InfoMoney sobre o índice de fevereiro, que mostrou uma alta de 1,31%.

“O IPCA vai continuar pressionado. Não é a toa que a expectativa de inflação do Focus está acima do teto da meta de 2025, em 5,6% com viés de alta”, afirma.

Ele lembra que a inflação está elevada por causa do aumento dos alimentos, uma consequência do real desvalorizado, e pela resiliência dos preços dos serviços.

“A alimentação não vai ceder muito à política monetária”, lembra ele. “Os serviços podem ceder, mas vai ser mais lento. Então a gente tem que torcer para a nossa moeda se valorizar e diminuir o impacto do câmbio sobre os alimentos”, disse.

Confira abaixo a entrevista completa com André Braz.

Apenas a alta da energia elétrica explica o IPCA acelerado de fevereiro? Quais os principais destaques do mês?

A energia elétrica foi um vetor importante para fevereiro. Ela sozinha explica boa parte do IPCA, mas não foi só ela. Nós tivemos aumento de ônibus urbano, aumento das mensalidades escolares, aumento de alimentação. Houve uma concentração enorme de reajustes importantes em fevereiro, sem contar a energia, que piorou a situação. Se a gente olhar para março, essas fontes de pressão não vão aparecer, mas a alimentação vai continuar pressionando, por conta de efeitos sazonais. São alimentos que sobem de preço nessa época do ano, como feira livre, ovo, café.

Eu diria que para o mês de março a inflação deve ser metade da inflação de fevereiro. Mas ainda assim é uma inflação alta. Se a gente projetar que a inflação de março fechará com alta de 0,7%, e projetar isso para 12 meses, ainda está muito longe da meta de inflação. Esse é o problema.

A economia mostrou desaceleração no quarto trimestre de 2024. Essa desaceleração da atividade já mostra algum sinal na inflação?

A desaceleração da atividade ainda não está se refletindo na inflação, demora para que isso aconteça. Por enquanto, o que a gente tem são choques de oferta sendo captados pela inflação, não é exatamente a demanda que vem impulsionando os preços. A atividade vai ajudar sim a frear um pouco a demanda, mas aí é onde a política monetária atua, reduzindo o interesse das famílias por bens duráveis e serviços.

Agora, a comida é um produto de primeira necessidade. Boa parte dos aumentos é porque você não tem o alimento ofertado. Aí não é exatamente retração da atividade, aí é uma questão de choque de oferta. Tem pouco alimento, você aumenta o preço.

E a gente produz muito alimento, é até estranho falar que tem pouco, mas acontece mais ou menos da seguinte forma: a nossa moeda se depreciou muito, então os alimentos que a gente não cultiva aqui, como trigo e azeite, a gente importa e importa mais caro. O que acontece também é que, quando a nossa moeda se desvaloriza, é como se o produto brasileiro tivesse em promoção. Todo mundo compra do Brasil. Isso é bom para a nossa balança comercial, porque a gente recebe isso em dólar, mas por outro lado desabastece o mercado brasileiro e promove o aumento de preços.

A inflação de serviços continua a preocupar?

Sim, a inflação de serviços está no radar, continuamos a ver que existe uma certa resiliência. Ela não explode, ela não sobe, como a alimentação, por exemplo. Fica em torno de 5,5%, 6%, e isso é ruim, porque está bem acima da meta de inflação e do teto de tolerância da meta, que é 4,5%.

Mesmo se a gente subir os juros de forma recorrente, há uma inflação resistente. E a explicação é que os serviços são um pouco indexados à inflação. A gente viu agora em fevereiro o reajuste das mensalidades escolares, quase 6% de reajuste médio, alguns cursos subiram até mais do que isso. O único item que não subiu tanto foi o curso superior, mas o resto, tudo explodiu. E isso é uma inflação que não recua mais. Já houve o reajuste, assinou contrato para os próximos 12 meses, e não tem como voltar atrás.

A mesma coisa aluguel, condomínio, que quando sobem, não volta mais. Não tem como botar em promoção. É diferente de uma passagem aérea, de um cinema, bares e restaurantes. Esses flutuam mesmo e podem responder mais à economia.

O que esperar para o IPCA dos próximos meses?

Eu diria que o IPCA vai continuar pressionado. Não é a toa que a expectativa de inflação do Focus está acima do teto da meta de 2025, em 5,6% com viés de alta. Eu diria que boa parte é devido a essa resiliência do preço dos alimentos e da persistência dos serviços, que estão cedendo pouco. A alimentação não vai ceder muito à política monetária. Os serviços podem ceder, mas vai ser mais lento. Então a gente tem que torcer para a nossa moeda se valorizar e diminuir o impacto do câmbio sobre os alimentos. Aí a gente teria mais chances de ter, quem sabe, uma inflação mais próxima do teto da meta. Mas até isso está difícil. É um ano de maior instabilidade doméstica e internacional também, com a política de tarifas de Donald Trump.

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