“Amizade”, novo filme de Cao Guimarães, mescla afeto e memória

“Amizade”, novo filme de Cao Guimarães, em cartaz na capital mineira, pode ser apontado como um retrato íntimo sobre um tema universal: a amizade. Justamente por isso, embora se volte aos relacionamentos deste campo firmados pelo diretor no curso de sua vida, vai inexoravelmente tocar os corações daqueles que também valorizam esse laço que por vezes é mais forte que os familiares. Aqueles que, como no verso da música, usam “o coração como expressão” certamente vão concluir a jornada a que o longa se propõe tocados pela beleza e poética. Aliás, muito por conta do texto que conduz o percurso fílmico, e que é narrado pelo próprio Cao Guimarães, a partir do momento em que resolve desconstruir uma frase aristoteliana. “Amigos, ó amigos – não há amigos”.

On the road

A narrativa tem início on the road, com Cao, junto ao produtor Beto Magalhães, rumando para Montevidéu, viagem que consome três dias. Na sequência, imagens do passado, de momentos íntimos, vão encorpando a proposta da empreitada, com o suporte (já assinalado) das ponderações de Cao – que, vale dizer, merecem ter um registro em livro. Há muitas reflexões e pensamentos que convidam o espectador a diversos processos, como o de escuta um pouco diversa da que de pronto acorre à nossa mente: ou seja, a escuta da fofoca da praça, da mola do colchão, da chuva… E do silêncio também.

Também instiga o olhar acurado ao que, no dia a dia, nos passa despercebido quase automaticamente. E, neste âmbito, Cao Guimarães intercala muitos momentos com imagens de insetos, como vagalumes, lagarta, uma revoada de mosquitos ou mesmo teias de aranhas. Neste mosaico, há também extratos de filmes (como “O Homem da Multidão”) e cenas urbanas, como o do (forte) movimento soul na capital mineira.

Memórias de um outro tempo

Um trecho muito interessante de “Amizade” é o que Cao Guimarães, que nasceu em 1965, fala sobre hábitos de sua geração (a mesma da autora destas linhas, pontue-se) que hoje, para as mais novas, podem parecer anômalos.

“Líamos as notícias pelos jornais impressos, consultávamos mapas avulsos para nos localizarmos (…) Os carros eram mais coloridos, talvez as pessoas também”.

 O texto lembra que os cinemas e as lojas estavam nas ruas. E que haviam lojas especializadas. Bem, hoje, algumas ainda resistem, eventualmente nos bairros ou em menor quantidade no centro, mas quase soam obtusas perante aquelas que oferecem de tudo um pouco, com preços atrativos por virem de países de produção em massa.

“Os objetos certamente eram outros, por isso outros eram os sonhos”.

A ascensão do virtual

Em dado momento, a narrativa alcança os tempos pandêmicos, nos quais o encontro físico cede espaço ao virtual. O tal refúgio nas redes. Nesse diapasão, há uma parte deste percurso memorialístico que perpassa reflexões espontâneas, mas filosóficas, colocadas por amigos, bem como o registro de uma performance de Matheus Nachtergaele, nu. No somatório, é provável que cada um que assista – principalmente os que se conectarem com a proposta dessa viagem, seja pela semelhança geracional ou pela alma -, detenha consigo várias das pontuações lançadas de forma quase orgânica por Cao Guimarães.

Caso do impacto da sétima arte – aos moldes de “A Rosa Púrpura do Cairo” – na dita vida real. Em dado momento, Cao avalia que o cinema amortizou um pouco a sensação de estranhamento de estar no mundo, principalmente no que tange à crueza da vida adulta.  Como não compartilhar dessa percepção?

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