Caso Embellezze: disputa bilionária e acusações expõem desafios de planejar sucessão

As reviravoltas do caso Embellezze – um império bilionário do setor de cosméticos que está envolvido em uma disputa que inclui golpes, manipulação e desvios de mais de R$ 120 milhões – expôs mais uma vez um problema nacional, a falta de um planejamento sucessório mais efetivo para organizar heranças, tanto nas famílias como nas empresas brasileiras, de acordo com especialistas ouvidos pelo InfoMoney.

Segundo investigações, um plano arquitetado por Monique Elias, ex-mulher do empresário e fundador da empresa, Itamar Serpa Fernandes, não apenas arrancou uma fortuna dele como afastou os filhos do pai. Nesta quarta-feira (19), mais um passo foi dado no caso, com a Polícia Civil do Rio de Janeiro indiciando três pessoas por suspeita de envolvimento em um golpe financeiro contra o empresário, que faleceu em 2023. O prejuízo estimado chega a R$ 122,4 milhões.

Os indiciados são ex-mulher de Itamar, seu filho, João Serpa, e o ex-companheiro de Monique, Mateus Palheiras. Monique tem usado suas redes sociais para negar as acusações e afirmar que acredita na Justiça para esclarecer os fatos.

De acordo com as investigações da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco), o suposto golpe teria começado em 2012. A polícia aponta Monique como a mentora do esquema, alegando que ela teria utilizado um nome falso, “Jéssica Ferrez”, para enviar e-mails com falsas acusações contra os filhos de Itamar, com o objetivo de isolá-lo e influenciá-lo em decisões financeiras e sucessórias.

 Com base nas apurações, Monique teria recebido R$ 74 milhões em cotas da empresa, além de imóveis e valores de seguro de vida. O caso ganhou grande repercussão e foi noticiado no programa Fantástico, da TV Globo, do último domingo (16).

O que diz a lei

Especialistas em sucessão patrimonial ouvidos pelo InfoMoney afirmam que a morte ainda hoje é um grande tabu nas famílias, que evitam falar e tratar questões relacionadas com a isso, incluindo sucessões nas empresas.

O advogado especializado em sucessão, tributação do Diamantino Advogados Associados, Eduardo Diamantino, conta que já viu muitos casos em que as pessoas acham que, se fizerem o planejamento, irão morrer. “É uma barreira cultural que precisa ser quebrada, especialmente depois da pandemia”.

De acordo com Eduardo Brasil, advogado societário, sócio do Fonseca Brasil, esse cenário já vem mudando, uma vez que os dados mostram que entre 2012 e 2022 houve um aumento de 35,5% nas demandas por testamento nos cartórios, segundo o Colégio Notarial do Brasil.

Porém, nos casos de herança, os filhos não perdem o direito, pois são os chamados herdeiros necessários, e têm direito a 50% do patrimônio deixado pelo pai. Os outros 50% podem ser divididos entre os escolhidos pelo autor, em caso de testamento.

Um herdeiro só perde direito à herança  por indignidade, que pressupõe confirmação de atos como homicídio doloso, tentativa contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, ou crime contra a honra, como explica a advogada Marina Dinamarco, sócia e fundadora do escritório  Marina Dinamarco, citando como exemplo o caso de Suzane Richthofen.

“A exclusão de um herdeiro necessário da herança ocorre por atos de violência ou meios fraudulentos. A indignidade é uma espécie de sanção civil para excluir o direito de herança contra quem praticou alguma ofensa ou ato criminoso comprovado contra sua vida, sua honra ou sua liberdade”, explica.

Mas, segundo Marina, o caso da viúva do empresário indica que a mulher era casada com regime de separação total de bens, mas conseguiu manipular o marido para obter o quanto pode e afastar os filhos. “Por isso, todas as transações efetivadas mediante fraude terão que ser devolvidas, pois se trata de crime de estelionato. Dessa forma, os filhos do falecido, inclusive, oriundos do relacionamento com a viúva, terão direito ao recebimento da herança, pois são considerados herdeiros necessários”.

Fábio Botelho Egas, advogado especializado em Direito  Sucessório  e de Família, sócio do Botelho Galvão Advogados, afirma que a lei brasileira até prevê a deserdação de um filho. “Seria preciso um que fosse feito um testamento invocando a deserdação e justificando-a, nos termos dos artigos 1.961 e 1.962 do Código Civil, que exigem comprovação de ofensa física, injúria grave, desamparo de genitor enfermo ou envolvimento ilícito com padrasto/madrasta”, explica.

Reflexo da briga

A Embelleze, fundada em 1969 em Nova Iguaçu (RJ), tornou-se uma das principais marcas de cosméticos do país, com atuação em mais de 70 países. Desde a morte de Itamar, em 2023, a disputa sucessória na empresa se intensificou. Atualmente, a administração principal está nas mãos de Jomar Beltrame Fernandes, filho mais velho do fundador, após a morte do primogênito Claudio em 2011. A Vargas Marcas e Participações também participa da gestão, tendo entre seus sócios outros membros da família de Itamar.

A polêmica sobre a sucessão da empresa, no entanto, já se arrasta há quase uma década. Em 2014, a Embelleze esteve na mira da L’Oreal, que acabou optando por adquirir a concorrente Niely.

Mesmo com o regime de separação de bens, Itamar teria feito um testamento em 2021 dispondo dos 50% de seus bens para Monique. O documento estabelecia que seus filhos menores receberiam uma pensão mensal de 200 salários-mínimos. Em vida, o empresário teria também dividido o patrimônio com os filhos mais velhos. Se comprovada a manipulação e as fraudes, tudo pode ser revisto, conforme a lei, segundo advogados.

Em nota, a Embelleze informou ao InfoMoney que está acompanhando a investigação conduzida pelas autoridades e reforça que esta é uma questão “estritamente familiar, sem qualquer vínculo com as atividades ou os ativos da empresa”.

“Seguimos comprometidos com os mais altos padrões de governança corporativa, pautados pela ética, transparência e responsabilidade. Ao longo de mais de 56 anos, construímos uma trajetória sólida, transformando vidas por meio da beleza. Mantemos nosso foco na inovação, na beleza das diferenças e na excelência, fortalecendo, dia após dia, a confiança de nossos clientes, parceiros e de todos que admiram, trabalham e acreditam em nossa empresa. Seguimos firmes e determinados, com a certeza de que estamos no caminho certo e com total confiança em nossos colaboradores.”

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