“Intervalos bíblicos” crescem e levantam discussão sobre Estado laico

“Entreguem suas vidas a Jesus”, declarou o influenciador em uma publicação após visitar um colégio militar em Goiás. Foto: Reprodução

Nos últimos meses, um fenômeno tem chamado a atenção em escolas públicas e privadas de diferentes estados do Brasil: os chamados “intervalos bíblicos” ou “devocionais”. A iniciativa, inicialmente espontânea entre alunos evangélicos, envolve reuniões para oração, leitura da Bíblia e louvores durante os recreios. Com informações do G1.

No entanto, a presença de pastores e influenciadores religiosos nesses encontros levanta debates sobre os limites da liberdade religiosa no ambiente escolar e o princípio da laicidade do Estado. Os encontros religiosos ganharam força por meio das redes sociais, onde influenciadores compartilham imagens de estudantes chorando, cantando e recebendo orações dentro das escolas.

Segundo especialistas, essa dinâmica pode configurar um culto dentro de instituições públicas, o que entra em conflito com o artigo 19 da Constituição, que proíbe o favorecimento de qualquer religião por órgãos do Estado.

Advogados reforçam que os alunos têm o direito de exercer sua liberdade religiosa, desde que isso não interfira nas atividades pedagógicas e respeite os limites da escola. Entretanto, a entrada de líderes religiosos sem previsão na grade curricular pode ser inconstitucional.

Felipe Arantes, de 15 anos, participa de um grupo de devocional na Escola Doutor Francisco Pessoa de Queiroz, em Recife. Segundo ele, o encontro ocorre duas vezes por semana e conta com autorização da direção. “A gente canta louvores e lê a Bíblia. Isso fortalece nossa fé”, afirma.

Porém, nem todos os estudantes se sentem confortáveis. Nayane Ramos, ex-aluna da Escola Estadual Anísio Teixeira, em Natal, relata que uma estudante de religião afro-brasileira se sentiu desconfortável com os louvores no intervalo, mas o caso não foi reportado à direção.

O influenciador Lucas Teodoro ensinando em escola. Foto: Reprodução

O Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco (Sintepe) recebeu denúncias sobre a realização de cultos dentro das escolas, o uso de caixas de som para louvores, causando incômodo a outros alunos, a utilização de materiais escolares sem autorização e a ocorrência de atos de proselitismo, com estudantes tentando converter colegas.

Missionários com grande alcance digital têm levado suas pregações para dentro das escolas. Guilherme Batista, com 955 mil seguidores no Instagram, já realizou mais de mil eventos religiosos em colégios públicos e privados. Ele defende que seus encontros abordam temas como depressão e suicídio, mas enfatiza que se trata de um trabalho cristão. Já Lucas Teodoro, fundador do projeto Aviva School, oferece um curso de R$ 229,00 que ensina como evangelizar nas escolas.

Especialistas alertam que a presença de líderes religiosos pode confundir os alunos, especialmente ao associar problemas de saúde mental com questões de fé. O professor Eulálio Figueira, da PUC-SP, enfatiza que “o apoio a estudantes em vulnerabilidade deve ser feito por profissionais capacitados, como psicólogos, e não por pregadores”.

Para que a laicidade seja preservada, a entrada de líderes religiosos só seria permitida dentro do ensino religioso previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), desde que fosse ecumênico, contemplando diversas crenças. A Constituição Brasileira garante a liberdade de crença, mas também estabelece a separação entre Estado e religião.

O advogado Álvaro Jorge, da FGV, afirma que a escola pode vetar práticas religiosas se interferirem na rotina escolar ou gerarem conflitos entre alunos. “Se a escola permite um grupo evangélico, deve permitir qualquer outro. O ideal é que não haja nenhum, pois a escola é um espaço de estudo, não de culto”, argumenta.

Conheça as redes sociais do DCM:

⚪Facebook: https://www.facebook.com/diariodocentrodomundo

🟣Threads: https://www.threads.net/@dcm_on_line

Adicionar aos favoritos o Link permanente.