‘As narrativas só precisam tocar e encantar o coração dessa criançada’, afirma Adriana Gamelas

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Adriana Gamelas
Com apoio da Lei Paulo Gustavo, Adriana Gamelas lança ‘Pó de chorar?’, livro em que ela conta para as crianças uma história sobre coragem, sensibilidade e liberdade de sentir  (Foto: Divulgação)

Adriana Gamelas é escritora e educadora, e seu grande laboratório é a sala de aula. É lá que nasceu o Akin Grande Neto, o protagonista de “Pó de chorar?” (40 páginas), obra que será lançada em abril deste ano, com auxílio da Lei Paulo Gustavo. “Foi por causa de um aluno que chorava bastante e não era compreendido pelos colegas que a história começou a ser escrita. Um dia ele falou para mim chorando: ‘Eu gosto de chorar, mas não gosto de ser chamado de chorão’”, conta a escritora. Ela coloca na vida desse garotinho a Senhora das Ervas, uma suposta bruxa que ensina ao menino uma grande lição sobre a liberdade de sentir.

“A educação socioemocional na infância é fundamental para o desenvolvimento integral das crianças, pois as auxilia a compreender e gerenciar as suas emoções. Ao integrar a literatura infantil na educação socioemocional, que, para mim, é um ‘casamento perfeito’, é possível cultivar desde cedo uma compreensão mais profunda das emoções e das relações interpessoais. As narrativas podem nos ajudar a desenvolver habilidades para o nosso bem-estar emocional. Além disso, a educação socioemocional, aliada à literatura infantil, pode ter uma força gigantesca para quebrar padrões”, afirma.

Afeita a lançamentos com muita mão na massa, Adriana garante que “Pó de chorar?” será apresentado às crianças “em uma praça ao ar livre, cercada de livros e muita arte.” Nesta entrevista, aliás, ela adianta o que está sendo programado para esse dia especial, avalia o resultado da última edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil – que apontou a perda de quase sete milhões de leitores nos últimos quatro anos – e compartilha estratégias para transformar o momento de leitura em uma experiência marcante para a meninada. Para completar, conta como é escrever sobre um tema profundo, mas de maneira leve e divertida.

Adriana também é autora de “O vilarejo” (30 páginas), “A menina com cheiro de alecrim” (24 páginas), “Pergunte ao vento” (36 páginas) e “Vilarejo poético” (48 páginas).

Marisa Loures: Você sente que ainda há um tabu sobre o choro, especialmente entre os meninos? Em um mundo que muitas vezes valoriza a resistência emocional, qual a importância de ensinar desde cedo que “chorar é permitido”?

Adriana Gamelas: Esse tabu ainda existe, com certeza. Os homens apresentam mais dificuldade para falar o que sentem, pois escutam, desde cedo, que homem não chora, que não pode fraquejar e que deve ser forte o tempo todo. Na prática, muitas vezes, são obrigados a engolir o choro e acabam não aprendendo a falar sobre as suas emoções. Pode ser muito perigoso transformar tristeza em raiva por não poder expressar esse sentimento. Pode chorar! É permitido e fundamental chorar. O choro é uma forma natural de expressar emoções, como medo, frustrações, tristeza, ansiedade, estranhamento. Funciona como um mecanismo de autorregulação emocional. Quando permitimos que uma criança chore, estamos validando e reconhecendo os seus sentimentos. Na verdade, o choro é essencial desde os primeiros momentos de vida. Ele indicará que o recém-nascido está respirando adequadamente e é a primeira forma de comunicação do bebê com o mundo.

Como foi o processo de equilibrar uma narrativa divertida e leve com um tema tão profundo e necessário?

Eu amo trabalhar com temas profundos, pois acredito que eles são necessários para o nosso crescimento. Tudo pode ser falado, se for de uma maneira leve. O segredo está em pegar esses temas mais complexos e jogar num grande caldeirão. Não esqueça de jogar: pau de canela, anis estrelado, uma rodela de limão e duas rodelas de laranja (bem docinha) e alguns raminhos de alecrim. E, quando tudo virar magia, está pronto para ser dito. Não, não, não! Nada está pronto e muito menos, na literatura infantil, precisa ser dito. As narrativas só precisam tocar e encantar o coração dessa criançada.

Capa do livro po de chorar
Capa do livro ‘Pó de chorar?’ (Foto: Divulgação)

Seus livros foram publicados com o apoio de leis de incentivo. Além de viabilizar a sua trajetória como escritora, de que maneira essas políticas culturais contribuem para a democratização da leitura e o fortalecimento da literatura infantil?

O meu quinto livro infantil “Pó de chorar?”, com ilustrações de Weder Meirelles, foi contemplado pela Lei de incentivo à cultura Paulo Gustavo 2024 – MG.  Sou grata e bastante suspeita para falar das leis de incentivo. Desde o meu primeiro livro, ficou evidente que a força desses projetos culturais iria nortear a minha trajetória. Poder visitar algumas escolas públicas, levando os meus livros infantis, não seria viável sem as leis de incentivo. As políticas culturais promovem a inclusão cultural, garantem o acesso amplo à informação e incentivam o hábito da leitura.

A última edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil revelou a perda de quase 7 milhões de leitores nos últimos quatro anos, além de uma menor influência da escola na prática da leitura. Como você avalia esses dados? O que pode ser feito para reverter esse cenário e aproximar mais pessoas, especialmente crianças, dos livros?

Esses dados refletem inúmeros fatores que acabam, infelizmente, contribuindo para o afastamento da leitura em nosso país. Podemos falar em falta de estímulo, fatores sociais e culturais, infraestrutura não adequada, além da concorrência com a internet e as redes sociais de uma forma geral. É preciso políticas públicas e iniciativas para promover o incentivo à leitura e ao acesso ao livro em todo país. Como escritora e educadora, vou fazendo o meu trabalho de formiguinha. Parece que não, mas a união faz a força e pode mudar muitas vidas. Ainda que eu consiga tocar uma vida apenas, isso já me proporciona uma satisfação pessoal ímpar.

Por falar nisso, sabemos que, muitas vezes, falta uma abordagem adequada para trabalhar uma obra em sala de aula de forma que desperte o encantamento nos leitores. Que estratégias você sugere para que “Pó de Chorar” fisgue os pequenos leitores, tornando-se uma experiência marcante para eles?

A literatura infantil já encanta por ela mesma. Quando vejo uma criança com um livro meu nas mãos, percebo que já cumpri a minha missão de encantar pelas palavras. Nesse momento de apenas abrir o livro surgem infinitas possibilidades. Gosto muito também de agregar as oficinas de arte ao meu trabalho, pois é uma forma de contemplar a criatividade dos pequenos leitores. Uma criança criativa, que faz arte, é aquela que protagoniza a sua própria história. Dessa vez, nas oficinas, usaremos tubos de ensaio com bastante cores das lágrimas – você sabia que as lágrimas têm cores e até cheiros? – para fazermos arte com muita alegria! E se quiser, pode chorar!

A Senhora das Ervas é uma personagem curiosa: vista como uma bruxa pela criançada, é justamente ela quem ensina ao Akin uma grande lição sobre a liberdade de sentir. Você acredita que a história dela pode ajudar os leitores a refletirem sobre preconceitos e sobre como, muitas vezes, a ajuda vem de onde menos esperamos?

Muitas vezes, precisamos enfrentar os medos de frente para poder vencê-los e foi isso que o Akin resolveu fazer. A Senhora das Ervas foi bastante generosa e sábia quando parou para conversar com o menino, mesmo sabendo que as crianças a viam como uma bruxa. Esse encontro de um menino medroso e chorão com uma “suposta” bruxa mudará completamente a visão que as pessoas passarão a ter tanto do menino quanto da Senhora das Ervas. Para rompermos alguns preconceitos, é preciso validarmos os encontros. Nessa narrativa, a ajuda veio de onde o menino menos esperava, mas veio de uma senhora com a escuta ativa e paciência para mostrar que vulnerabilidade não é sinônimo de fraqueza.

Seus lançamentos sempre trazem algo especial, e desta vez não será diferente. O evento acontecerá em uma praça ao ar livre e terá uma edição no Rio de Janeiro. O que você pode nos contar sobre essa experiência?

Adoro fazer o lançamento dos meus livros em vários lugares para alcançar mais e mais leitores. Gosto de inventar moda também. Dessa vez, quero lançar um livro na minha cidade natal e farei isso na Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro, que acontecerá entre os dias 13 e 22 de junho no Rio Centro, e na Livraria da Travessa, em Botafogo. Aqui em Juiz de Fora, já estão todos convidados. Para não perder o costume, quero estar com vocês em uma praça ao ar livre, cercada de livros e muita arte. Acompanhem os dias dos eventos através do meu Instagram @escritora.adrianagamelas e aproveite para conhecer as minhas outras obras. O dia do lançamento é uma oportunidade de um “belo encontro” da escritora com o seu público favorito: os pequenos leitores.

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