“Clube Zero” e o risco dos jovens em acreditar em gurus

O filme “Clube Zero”, da diretora austríaca Jessica Hausner, mostra um grupo de alunos que passa a adotar hábitos alimentares arriscados

Patrícia Cassese | Editora Assistente

O espectro de temas abordados no suspense dramático “Clube Zero”, que entrou em cartaz em BH nesta quinta-feira, é amplo. De tal forma, que parece até pouco crível, de início, que um filme só desse conta de tanto. Mas sim, o longa da cineasta austríaca Jessica Hausner consegue amarrar todos esses fios de modo a construir uma narrativa bem elaborada – e muito assustadora.

A trama tem início com a chegada de Miss Novak (Mia Wasikovska, atriz australiana revelada para o mundo por Tim Burton, em “Alice no País das Maravilhas”, no qual viveu a personagem principal), uma professora de reeducação alimentar que adentra uma instituição de ensino notadamente destinada a garotos abonados – basta ver a casa das respectivas famílias. Em “Clube Zero”, o propósito dela, deduzivelmente, é melhorar a alimentação dos alunos. Precisamente, propor um comer consciente aos meninos. A contratação de Miss Novak, aliás, atende à sugestão de um conselho de pais – um deles inclusive se gaba de ter sido o responsável por sugerir o nome.

Expiação

Dentro do rol de alunos matriculados, um pequeno grupo, em particular, passa de pronto a encampar as ideias de Novak. Mesmo porque, embora todos ali sejam “bem nascidos” (no que tange a pertencerem a uma elite), se consideram pessoas extremamente preocupadas com o futuro do planeta (uma pitada de ironia, por favor). Assim, a alimentação consciente, entra, na cabeça deles, como uma atitude louvável, no sentido de evitar desperdícios, gerar menos lixo, incentivar práticas com o potencial de emitir menos gás carbônico na atmosfera. No entanto, o que o espectador percebe é meio que uma forma de expiação.

Resistência

Só que, em pouquíssimo tempo, o núcleo formado pelos adolescentes junto à professora começa a assumir ares de uma seita. Principalmente pelo fato de Novak incentivar os alunos a avançar de modo cada vez mais perigoso na mudança de hábitos, com intuitos como o de purificar o corpo. No caso, entram em cena práticas como a da monodieta. Paralelamente, Ben (Samuel D Anderson), o único garoto que se coloca mais frontalmente resistente à mudança alimentar (assim, segue comendo produtos ultraprocessados), passa a ser excluído, olhado com desdém, estigmatizado.

Ocorre que ele é mostrado como um dos poucos (ou talvez o único) que efetivamente precisam de uma bolsa de estudos para estar ali, naquela instituição claramente direcionada a ricos. Desse modo, Novak, de modo sagaz, o persuade a aderir ao programa, pontuando que só assim ele de fato teria chances de obter a bolsa integral. Sensibilizado com a situação da mãe, Ms. Benedict (Amanda Lawrence), que se incumbe sozinha do filho, e que nem de longe tem as posses que os pais dos colegas ostentam, ele capitula. Desse modo, passa a se engajar de modo ferrenho na proposta da professora.

Zero

Com o tempo, as consequências dos preceitos de Novak se fazem notar. O emagrecimento dos meninos do grupo mais chegado à professora é visível. Um deles, o dançarino Fred (Luke Barker, que aparece na foto acima), precisa inclusive ser internado, ao desenvolver um quadro de cetoacidose diabética. Isso, ao deixar de aplicar, em si próprio, as doses de insulina necessárias para a lida com a doença crônica. No entanto, mesmo com todos os perrengues, os garotos prosseguem convictos na jornada, inclusive vigiando uns aos outros (até pelo hálito). Tal qual, assimilando a ideia que a alimentação é um condicionamento ao qual o ser humano foi sujeito – ou seja, não seria de todo necessária.

E é aí que o filme adentra o perigoso terreno: Miss Novak assegura que é possível sim, viver sem ingerir nada, absolutamente nada. Inclusive, sustenta que já há vários seguidores dessa prática no mundo: o tal Clube Zero do título. A manipulação é tanta que os meninos passam a querer se alinhar a esses ditames. No caso, zero ingestão. Nada. Absolutamente nada. Obviamente, esse, digamos, “desafio”, não é compartilhado com os pais. Tampouco com a direção da escola. Mas a mãe de Ben, já desconfiada da manipulação psicológica de Novak, não deixa de fazer um alerta à diretora.

Situação limítrofe

No entanto, quando os pais parecem de fato acordar, a situação já adquiriu contornos trágicos. No abarcar, Clube Zero aborda temas como o perigo de se cair na lábia de falsos gurus. Bem como a prática de muitos pais contemporâneos de delegarem, à escola, a educação dos filhos. Desse modo, se isentando de qualquer responsabilidade.

Arco temático

Em “Clube Zero”, temos situações como a ausência paterna (o pai de Elsa – Ksenia Devirendt – nem sabe que a escola contratou a ameaçadora professora). Do mesmo modo, as falhas na escuta, a vista grossa… E o endosso de comportamentos temerários (a mãe de Elsa é cúmplice de a menina não querer comer e mesmo de forçar o vômito após as refeições).

Claro, são temas que se afinam e, portanto, para alguns, a trama pode parecer até mesmo óbvia. Mas a diretora faz a costura de maneira bem urdida, fazendo com que as situações que estruturam “Clube Zero” permaneçam na mente do espectador. Desse modo, provocando-o também a se questionar. Principalmente se porventura incorre em algum desses processos que, ao fim, se revelam tão nocivos aos que ainda estão com a personalidade em formação.

Confira, abaixo, o trailer

Serviço

“Clube Zero”

Em cartaz na Sala 2 do Centro Cultural Unimed-BH Minas, somente neste final de semana. Sessões no sábado (4) e no domingo (5), às 10h40.
Duração: 1h50

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